Querida D.


Não sei exatamente o que estou fazendo, não foi a médica, nem outra pessoa que mandou. Apenas creio que seja bom pra me sentir melhor, depois de tudo que aprontei com você. Hoje nos encontramos, foi difícil, tive a mesma ansiedade de antes em te ver, me pergunto: será que isso é porque te quero?
Não sei a resposta, não sei mesmo. Estou fazendo tudo que posso para te esquecer, mas ainda não consegui, me pergunto se você estará fazendo o mesmo. Nisso agonizo em imaginar te ver aos beijos com outro. Então o que é isso? Queria entender mas não consigo, queria tantas coisas neste momento, mas tudo me é negado. Tudo me parece impossível. Difícil de realizar. Quando converso com as pessoas sobre o ocorrido, quando digo o que sinto e dá quase escassa esperança que tenho de nossa volta, alguns me dizem pra esperar, outros, para que lute até o fim. Tenho medo de tomar atitudes que te afastem mais ainda de mim. Acredito no destino entre duas pessoas. O que dói mesmo muito é te ver com outro, de mãos dadas, como fazíamos. Aquele beijo... Esqueci agora o nome que eu usava para definir-lo. Quando você me beijava, de leve, eu ficava puto, detestava aquela atitude porque queria te sentir em mim forte, como sei que antes era. Antes quando nos conhecemos, nos olhávamos, de um jeito firme, e nos grudávamos num beijo só, longo e apaixonado. Dava a impressão que um queria sugar a alma do outro pela boca. Aquilo era beijo. Um beijo nosso. Hoje, quero esquecer, mesmo que algum dia voltemos e, ai então já nada mais será como antes, já seremos outros. Quero esquecer, repito, só lembrar dos momentos bons, aqueles de felicidade pura. Embriagante. Você e eu, eu e você. Meu J. brincando com você. Ele, acho que sente a sua falta e ás vezes me pergunta por você, eu meio sem saber o que responder, digo que você está bem. Está lá, cuidando de sua vida. Meu filho é meu bem maior, meu grande tesouro, você sabe, minha dádiva divina, meu presente de Deus. Eu o amo muito e nos momentos de dor e fraqueza procuro pensar nele. Não posso negar aqui que aprendi isso com a mãe dele. Ela me passou isso, e eu vi que era bom. Logo, elevo meus pensamentos na sua imagem, ali brincando, alegre, contente que só, e isso me da forças pra sair do chão em prantos. Quando lembro desses momentos tenho vontade de sumir. Esta semana comecei o tratamento. Afinal, se estou mesmo ficando louco ou com os parafusos frouxos, melhor restaurar logo tudo do que deixar pra depois quando já não houver mais remédio. Minha médica se chama Dra. Vera. É uma mulher de uns quarenta e poucos, alta, negra, e possui uma expressão muito carregada no semblante, como se não dormisse há vários dias. Fala comigo sempre muito baixo, sei não, acho que é tudo uma grande perda de tempo, mas estou seguindo, vamos ver até quando meu espírito agüenta. Estou na verdade perdendo de freqüentar uma aula pra fazer esse “tratamento”. Ela me passa ser uma pessoa amável e gentil. Nesse primeiro encontro apenas falei de mim, contei um pouco sobre minha vida, desde a E. até os dias atuais. No término conversamos um pouco sobre futuro, mas nada que eu já não tenha pensado. Enquanto eu falava, ela me ouvia atenta, sem tirar os olhos de mim. Eu procurei ser o melhor possível na fala, sabia que estava sendo avaliado, cada gesto, cada palavra é uma linha de caráter que depois formarão um perfil, um diagnóstico, anexo com os fatos. Ficamos nisso por uma hora e meia, (das 12:00 às 13:30). Como sempre, falei muito e a certa altura ela teve que me interromper, porém eu via o relógio, esperava um término a qualquer momento. E o que ela me disse? “Parece ser que sua vida está cercada pela presença de algumas mulheres”. Bom isso eu já sabia. Me fez algumas perguntas, nos despedimos e voltei pra universidade.


Hoje, estamos já no novo ano, 2009 se inicia e nesta manhã de domingo, termino de re-escrever esta cartinha que fiz para D. Aqui fôra o começo de minha recuperação, de minha volta à realidade. Eu sofreria ainda muito mais, mas a atitude de escrever sobre o que sentia, me fez levantar do chão e ver que havia uma vida pra seguir e continuar. Neste começo estava bastante machucado, cheio de feridas, de dúvidas, de sentimentos por ela, D. Aquele tratamento só durou até a quinta sessão. Até poderia ter continuado se não fosse o fato de que me dera conta de que a cura dependia de mim mesmo e, que além disso, estava sacrificando um horário em que deveria estar em sala de aula, aprendendo, era então, uma perda de tempo seguir ali, uma vez que sabia da extensão desses processos de tratamento. Hoje essa moça esta bem mais longe. Escrevi ainda alguns textos mais sobre tudo aquilo que foi lindo entre nós, agradeço a Deus por tudo que vivemos. Saiba, onde quer que você esteja que soube eu transformar em versos e algo mais, toda a dor que a sua perda me fez padecer.

Escrito originalmente em 26 de fevereiro de 2008.
Às 23:00 hs.
Reescrito na madrugada de 04 de janeiro de 2009.
Allan Cal.
allan kall
Enviado por allan kall em 09/08/2010
Reeditado em 09/08/2010
Código do texto: T2427393
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