Diário de um Guerrilheiro
04 de julho de 1942
É fim de tarde, a chuva há dias não cessa e tudo me leva em direção à escuridão.
Apoio-me no estandarte reerguido nesta louca tempestade.
Pego a arma que me resta, estudo os adversários, preparo-me, aponto, mas falta-me munição.
A base está frágil, nos instalamos num velho sobrado aqui perto.
Por segurança deixei minha face no espelho do quarto, o teu retrato ao lado das venezianas e meus olhos agora vivem nas águas sem fim que correm por tua bela face de menina. O sorriso que tu me destes na despedida desprendeu-se de mim e fora levado no último ataque inimigo.
Sou apenas um coral quebrado na imensidão deste mar solitário (o qual as ondas desejam levar-me longe, mas não pudera render-me a mim mesmo).
Andarilho com anelos de solidão, assim sou.
A morfina alivia a dor da bala que atingiu a minha perna direita (quem dera se amenizasse a guerra que fora lançada em teu nome). Sinto que este será o último crepúsculo da minha não tão longa vida (crepúsculo sombrio, frio e inigualavelmente triste).
Salvem a pátria mãe! (e saúdem a dúvida da escuridão).
Para nós os sonhos já não passam de esquecimento e o amor incrivelmente ainda dói tanto quanto os tiros que atingiram meu corpo, contudo, pela pátria, preciso seguir sempre em frente.
Estou perto da base inimiga, se houvesse uma granada eu poderia destruí-los e suicidar-me.
A guerra está próxima do fim. Eu desejo apenas um cigarro para uma última tragada de esperança e uma dose de conhaque para aquecer este coração petrificado pelo frio da ausência de tuas mãos.
Aqui está minha herança: doces invenções de uma mente não tão extraordinária escondidas por trás daquela estatueta; algumas quimeras de amor; dois maços de cigarro; e o teu olhar de gatuno, perdido e sem rumo.
Sei que logo calarão o último ruído da minha voz e estarei mudo..
Nada mais.