Anjo II

Anjo,

Ontem te escrevi, escrevi longamente sobre os meus medos. Não sei agora dizer qual a importância disso. Tudo é tão complexo, me sinto inseguro, e sozinho. Não pensei que pudesse sentir isso novamente, acreditava que todas as dores haviam me feito mais forte do que agora realmente penso que sou.

Há uma tempestade dentro mim, e não quero me esconder dela.

Talvez você não compreenda, apenas ouça, como a boa amiga que é, sem ao menos me julgar pelas minhas fraquezas.

Quero crer que as dores libertam, e todo o aprendizado significa evolução, mas há momentos que meu barco navega a deriva, e num misto de coragem e esperança fecho meus olhos e deixo que a correnteza me leve. Como se soubesse que o que me espera é uma grande queda d’água, e que não sobreviverei a ela. Mas de olhos fechados, consigo imaginar a margem, sinto cheiro de mato e terra, e continuo.

Deus tem feito coisas grandes na minha vida. Talvez eu não esteja sendo justo, e talvez seja realmente um erro me despir assim pra você, porque parece que lhe mostro agora uma parte escura de mim, e embora eu a conheça, temo que me deixe. Boa parte de mim é estranheza e solidão, e não conheci ainda um amor fraterno que suportasse o que não é belo ou omisso no outro. O que é negativo é sempre insuportável pra quem ama? Então como vencer? Será uma mentira que o amor seja incondicional? Posto que se ama em troca de amor, não será essa uma condição, mesmo que aceitável? E quando se impõe condições a si mesmo? Hoje, apenas hoje, não sei me amar. Me impus condições para isso. E não encontrei resposta. Por isso talvez eu tema me despir assim pra você. Minha alma está nua, e nada lhe nega. Será que somo capazes de amar sem medo?

Creio que estás assustada, minha amiga. E pergunta a si mesma o que se passa no coração desse moço, que lhe chama de anjo e lhe entrega de coração aberto sua parte mais escura, como a quisesse impelir para longe, ou trazer para si, usando o que lhe resta. A verdade.

Não sofras anjo meu. Cuida que o coração é uma balança de sentimentos. E se hoje choramos, amanhã, fatalmente sorriremos. Creio e quero crer que toda aurora da vida se encerra com um sorriso, e não com lágrimas como nos ensinam os outros, que não aprenderam a admitir sua incapacidade de em momentos difíceis da vida dizer a verdade, e dividir suas verdades com quem se acredita. Porque temeríamos dizer o que somos a quem acreditamos ser parte essencial de nossas vidas, se o que deveria nos unir seria unicamente nossas verdades, e não nossos silêncios.

Eu temo lhe dizer minhas verdades, (e essa é uma delas) porque temo perdê-la anjo meu.

Já que o que conheces de mim sempre foi símbolo de luta, esperança e alegria. E hoje, apenas hoje não consigo me amar.

Porque a verdade é tão dura anjo meu?

Porque dói tanto?

Podes suportar junto comigo a minha dor?

Sem julgar-me?

Me despeço em silêncio.

E te peço perdão.

E peço insistentemente, perdão a mim mesmo.