IRONISSÍSSIMO MACHADO

Prezado… Não, prezado não, que não somos disso!

Caro! Caríssimo Machado… Igualmente não! Decerto que rirás com estas minhas tentativas iniciais.

Ironicamente escrevias e escreves sabe-se lá de onde! Mas escreve…

Ironicamente.

Bom, acho que achei a palavra que melhor cabe para o início dessa carta: Ironissíssimo!

Ironissíssimo Machado. Saudades tuas! Saudades muitas! Há tempos que não vejo o Brás Cubas. O que me disseram é que sumiu no ar. Tampouco vejo Virgília. Ainda bela? Não sei. Não sei. Do Bentinho não tenho notícias também! Do Quincas tenho as folhas originais da filosofia. Espero, com o tempo vindouro, publicá-las.

Ah! Amigo Machado! Irônico amigo! A cidade está um caos. Zona de guerra. Conflitos e mortes. Miséria. Mais ainda do que aquela retratada em outros tempos, lembra-se? A insubordinação e a selvageria instalaram-se na corte. O rei e o bobo, mortos e esquecidos. Não. Corrijo-me. No papel de bobo está o povo. Desempenho magistral! Mas,como falava, a cidade está um caos! Nem mesmo o alienista pensaria em tamanha loucura!

Lembra-se dos jogos de carta? Da teoria sobre o destino dos homens? A cartomante não previu muita coisa: um estado no fundo do fundo do poço, um poço cujo fundo parece infinito, um louco na presidência, uma pandemia, a disseminação de notícias falsas! Agora inventam notícias e publicam a torto e a direito!

É… O Rio de Janeiro mudou muito. É… O Brasil mudou muito! Mudou? Ou será que continua o mesmo e, na verdade, nunca tenha melhorado? A fome, a miséria, a alienação e a falta de caráter de muitos governantes indigna e desespera a todos nós.

Bom, queria apenas traçar linhas gerais de tudo quanto aconteceu de significativo nesse período, entretanto, o tempo (sempre ele) é pouco, as notícias, ao contrário, são muitas e acredito francamente que não valeria a pena escrever sobre tantas atrocidades.

Aguardo ansioso, desde a última carta, os contos inéditos que me prometera. Lembra-se? Reafirmo o desejo de lê-los. Agora mais que nunca. As suas palavras, bem sabes, tem um poder que não sei explicar direito. Elas me convencem e me acordam!

Despeço-me de ti, meu irônico e mordaz amigo!

CAMPISTA CABRAL
Enviado por CAMPISTA CABRAL em 03/11/2009
Reeditado em 03/07/2020
Código do texto: T1903084
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