DUAS MÃOS E DOIS MUNDOS
O poema sempre foi, para mim, um movimento, uma sensação das coisas, uma sensação do real. A poesia é, por sua vez, o braço, a perna, o pulmão, o coração, ou seja, instrumentos de percepção do real.
E o que são as palavras? O objeto de desejo incomensurável dos poetas. É simples como uma faca, afiada como ela, que corta e sangra. Disse isso num verso. Uma faca que corta e sangra. Palavra e poema.
O poeta, por sua vez, é o operário noturno com olhos de gigante e desespero de herói trágico. Este ser impermeável transita entre os dois mundos: a realidade e a irrealidade.
Entre os dois universos, incompatíveis num primeiro momento, mas complementares quando se percebe a lógica das coisas está o material do poema. A matéria em si é bruta, disforme, um amontoado desconexo de palavras.
Entre o real e o irreal reside o grande enigma, a interminável busca, ou, dependendo de quem escreve, a ansiosa fuga que é o pensamento. Pensamentos são pontes para duas margens de imagens várias – dia e noite.
Quando surge ou acontece, o poema é, ao mesmo tempo, o espelho e a imagem; o reflexo e o nada; a consciência e a inconsciência; por fim, o objeto feito de conflitos que descreve o intenso movimento dos seres e dos fatos.