Carta para Lobo Azul (Lenine de Carvalho)
© Dalva Agne Lynch
Quantas montanhas cruzaste, que elas se gravaram em teu rosto
junto aos ventos e às tempestades e à lama e ao sangue?
Ainda assim conservaste o semblante de uma criança
frente à beleza e à simplicidade e - sim! - à incongruência
de haver beleza e simplicidade em um mundo louco.
O que viram teus olhos, que para sempre conservaram as lágrimas
e as cores do pôr-do-sol em meio a gritos de socorro
e a dor, sempre a dor, que não era a tua, mas abraçaste
e agora derramas como matéria-prima em teus versos?
E tuas mãos - não conheço essas mãos que empunharam armas
que escavaram o solo da terra e da alma dos homens
que acalantaram crianças e acariciaram corpos.
Mas conheço as minhas próprias mãos.
E tuas mãos, que não conheço mas recrio no que escrevo
contam-me do que se esconde em teu semblante e em tuas letras
- tudo o que sonhaste, tudo o que te negaste, tudo o que és
para além do que fizeste, para além do que fizeste de ti
e para muito além de tudo o que quiseram fazer de ti -
tudo o que, latente, continua à espera de florescer!
Sento-me ao teclado para dizer-te que estou à espreita
à espreita de tuas derradeiras flores rompendo a brancura do tempo
porque se floresces, Poeta, fortalece-me a esperança.
Talvez, Poeta, o verde ainda possa nascer dentre os escombros
as cores ainda possam esconder campos de armas descartadas
e a música ainda possa silenciar os ruídos do Falcão Negro.
E talvez, Poeta, assim como Ele fez em teu belo rosto marcado
o Eterno talvez tenha preservado a inocência de meus filhos
depois da guerra.
figura: Falcão Negro (Black Hawk), que levou meus filhos à guerra (2001-2007)
ENGLISH VERSION
© Dalva Agne Lynch
Quantas montanhas cruzaste, que elas se gravaram em teu rosto
junto aos ventos e às tempestades e à lama e ao sangue?
Ainda assim conservaste o semblante de uma criança
frente à beleza e à simplicidade e - sim! - à incongruência
de haver beleza e simplicidade em um mundo louco.
O que viram teus olhos, que para sempre conservaram as lágrimas
e as cores do pôr-do-sol em meio a gritos de socorro
e a dor, sempre a dor, que não era a tua, mas abraçaste
e agora derramas como matéria-prima em teus versos?
E tuas mãos - não conheço essas mãos que empunharam armas
que escavaram o solo da terra e da alma dos homens
que acalantaram crianças e acariciaram corpos.
Mas conheço as minhas próprias mãos.
E tuas mãos, que não conheço mas recrio no que escrevo
contam-me do que se esconde em teu semblante e em tuas letras
- tudo o que sonhaste, tudo o que te negaste, tudo o que és
para além do que fizeste, para além do que fizeste de ti
e para muito além de tudo o que quiseram fazer de ti -
tudo o que, latente, continua à espera de florescer!
Sento-me ao teclado para dizer-te que estou à espreita
à espreita de tuas derradeiras flores rompendo a brancura do tempo
porque se floresces, Poeta, fortalece-me a esperança.
Talvez, Poeta, o verde ainda possa nascer dentre os escombros
as cores ainda possam esconder campos de armas descartadas
e a música ainda possa silenciar os ruídos do Falcão Negro.
E talvez, Poeta, assim como Ele fez em teu belo rosto marcado
o Eterno talvez tenha preservado a inocência de meus filhos
depois da guerra.
figura: Falcão Negro (Black Hawk), que levou meus filhos à guerra (2001-2007)
ENGLISH VERSION
Letter to Lobo Azul (Lenine de Carvalho)
© Dalva Agne Lynch
How many mountains have you crossed, that they are now stamped on our face
© Dalva Agne Lynch
How many mountains have you crossed, that they are now stamped on our face
together with winds and storms and mire and blood?
Even so your face remains the face of a child
awed before beauty and simplicity and - yes! - before the incongruity
of having beauty and simplicity in this our world gone insane.
What have your eyes seen, that they kept the tears and the sunset colors
in the midst of cries for help - and the pain, always the pain
which wasn´t yours but you embraced it
and it flowed in your verses as its own prime matter?
And your hands - I don´t know those hands which held weapons
And your hands - I don´t know those hands which held weapons
which digged away the Earth´s soil and that of men´s souls
which rocked children and caressed bodies.
But I know my own hands.
And your hands, which I don´t know but I invent anew in my writings
tell me of all the things hidden in your visage and your words
- everything you have dreamed, everything you have denied yourself of
everything you are beyond what you´ve made
beyond what you´ve made of yourself
and much beyond what they tried to make of you -
everything that´s latent within you, awaiting the right time to bloom!
So I sit here by my keyboard and tell you I will be waiting
awaiting for your hindmost flowers to bloom from the whiteness of time
for if you flourish, Poet, my hope can be renewed.
Maybe, Poet, there will still be green blossoming among the wreckage
colors will still cover the fields of discarded weapons
and music will still silence the rumble of the Black Hawk.
And maybe, Poet, just as He did with your beautiful scarred face
maybe the Eternal have preserved the innocence of my children
when they came back from War.