Cartas de Um Viajante - XXIX
Boa Noite,
Hoje fui surpreendido assim que adentrei nos portões desta cidade à beira-mar. Logo ao descer das montanhas me esgueirei até a parte mais desabitada, então, um homem deitado no cais do porto com olhos arregalados gritou: "Finalmente! Tu és aquele que tem olhos de lobo!". Ele me aguardava. E teus olhos me prenderam enquanto os meu pendiam nas pupilas do mar... olhos de lobo, estes olhos que sempre me traíram e me acariciaram, são olhos que deflagram quem sou. Então recebi deste homem ausente de pressa uma notícia e um mimo... Oh, um mimo teu, minha dama! E isso me deixou confortavelmente atordoado, enquanto agora carrego em meu pulso teu lenço e teu cordão, segurando em meus trapos tua rosa branca! Entretanto, a carta que este homem trazia era de Arlid. Pelos deuses! tua presença quase fantasma me fez apossar uma preocupação e um medo e quase arrancou-me do peito o coração. Ele que ausentou-se por todo esse tempo agora chama-nos de volta 'numa embarcação fatídica cujo o destino desconheço! Miséria, mil vezes miséria! Eu não entendo o que ele quer de mim!
Agora estou aqui neste porto indeciso, com uma pena nos dedos e uma flauta morta agarrada ao corpo, e esta noite, e esta embarcação que se aproxima, é como se cada bater de onda me acertasse e puxasse para o fundo oceânico, rodando, rodando, sendo sugado até desfalecer nas bocas da maré. è uma ânsia tão forte e não sei ao certo aonde me levará. Cruzar cidades e então... Casa. Eu não tenho para onde voltar. Rever o passado me preocupa em demasia.
Rever Marik, Ravenus, Kedad! Rever a noite, as sombras, a desesperança e a violência. Ravenus, ainda tens raiva de mim? Eu que sinto tanto a tua falta, mas admito que quem errou e deixou se corromper foi eu... Será que há ainda perdão em teus olhos negros? Será que há futuro para mim?
Eu tenho tanto medo... E agora, tenho de partir! Irei navegar nas profundezas dos mares da solidão... Até!
Existe algo muito mais forte que isso e simplesmente não posso lutar contra... É uma sombra de silhueta tão sombria e selvagem...!
E a vós desgraçados espectros da minha imaginação que ainda ousam ler-me, adeus! Sinto algo mudar e se aproximar como os ventos que beijam as velas. Alguma tormenta se aproxima, isso é o que as aves dizem. Agora, me vou!
Cautelosos Cumprimentos,
Ralph Wüf