Cartas de Um Viajante - XXVIII
Boa Noite,
Agora sinto de fato a desgraça cair sobre mim... Eu matei um Deus! Eu arranquei das entranhas a eternidade e a transformei em morte e fim. Eu mate um deus! Os olhos gélidos de serpente, a neve, as lâminas, o frio... Tudo se estingüiu com a violência e o sangue, que quente ainda lateja e corre desesperado em minhas veias.
Agora sinto um pavor e um peso, é como se em mim algo gritasse de desvelo, e eu agora choro novamente por algo que pude sentir que é real. Todos têm medo de mim! Este povo logo após ver-me voltar sabiam o que eu tinha feito, pois o céu se abria para um sol eloqüente e a neve derretia-se em àgua cristalina. Eles chamaram-me de herege. Mas, miséria, por quais demônios também eu voltei? Como poderia esperar glória se eu sabia que dos tementes só receberia rejeição? Eles, estupidos, me apedrejaram! Porém ao meu fétido orgulho uma mão houve de se estender. Agradeceu-me enquanto rogava-me impropérios; Nada mais justo.
Agora tenho essa febre que arde incessante em minha testa e essa culpa a esmagar-me o coração. Estou definitivamente sozinho, e nem fumo tenho para me consolar, enquanto habita em minhas lembranças a saudade, e posso ainda sentir na pele o toque daquela dama que eu antes tanto insisti chamando de minha! Ah, por quais demônios eu tentei te matar em mim, querida? Eu achei que seria mais forte vadio e solto... Que tolice! Os homens são tão vigorosos longe de suas mulheres, entretanto, eu esqueço-me do quanto eles mendingam entre a sarjeta o amor. Oh, que dor forte me abate neste instante, e os olhos tão distantes me dilaceram. As vezes sinto algo tomar-me a fronte e sonho que corro para teus braços! Estas cartas direcionadas à ninguém que a tantas léguas decidi tentar abandonar fazem já parte de mim. É como se isso suprisse sua falta e me consolasse com um abraço falso, de braços que não sei se um dia voltarei a sentir... O papel pode tornar-se tantas coisas, mas ainda assim é tão frágil e tão frio...!
Estou enfermo, e mesmo assim corro para a próxima cidade ao pé desta montanha. A descida é ingreme e de longe ouço sons de àgua. Me comentaram de haver uma cidade próxima. O caminho por dentro da floresta é muito escurto, e todos os seres comentam da morte de um deus. Um deus que morreu para um monstro, um monstro com olhos azuis de lobo. Não posso me dar ao luxo do descanço, por mais que meus musculos doam e minhas palpebras relaxem, eu não posso dormir. A morte já se apoderou de mim, e hoje eu possuo o seu lúgubre rasro. Há gente atrás de minha pessoa.
Miséria, preciso por-me a ir!
Tenho de correr o mais rápido que posso, há de haver algum lugar...!
Velozes cumprimentos,
Ralph Wüf