Cartas de Um Viajante - XXVII

Boa Noite,

Hoje sinto o peso do ano já se acabou... Tudo parece correr mais que meus passos podem aguentar. Os meses, os dias, os sonhos... Tudo, tudo se esvai como a madrugada!

Pelos Deuses! Eu não consigo ter mais estas noites nos meus dedos, tudo está tão diferente... E agora que já não durmo, fico insone atormentado por estes fantasmas que me consomem, e em cada hora, cada suspiro, eles se aproximam mais, apertam-me no corpo e dilaceram meu coração... Eu me sinto vazio, me sinto frio e vazio! Me sinto um moleque já cansado... Maldição!

Eu deixei se perder em minha vida tantas coisas, tantas batalhas... Eu podia ter feito tanto, mas não! Hoje sou apenas este nada, sem inspiração, vão, oco, sem alma, e até sem mais amores... É como se meus olhos que são tão azuis e tão puros se tornassem gelo e jamais me ousassem me trair novamente!

Insânia! E agora esse povo todo comemora sua desgraça, às beiras da miséria e da loucura, é um pleno inverno em puro verão! Não existe mais brisa vaporosa e quente, somente nevasca e a tortura sádica de um deus ganancioso.

E eu louco me delicio com essas palavras que tocam minha lingua após vibrarem em minha garganta!

Pelos deuses, quanta miséria há na vida humana! Quanta maldade há n'alma d'um deus fatídico. E eles assim comemoram! Não entendo porque festejam em um céu tão belo... Em um chão tão branco e vermelho, sob os pedidos de morte, sangue, e vida! Os deuses são tão gananciosos quanto os homens, se não mais!

É tarde, como sempre, e eu ainda permaneço acordado, há uma insânia disfarçada de qualquer coisa, e a superstição de todo uma vila se torna seu maior inimigo, quantos desejos de boa sorte não soaram antes do cepticismo e do castigo?

Não entendo mais nada... Nem de mim, minha amada, que até hoje não sei aonde realmente estás.

Me contaram sobre a vida, mas eu só conheço a sobrevivência, talvez a clarividência do subjetivo, mas nunca a plenitude, pois foi ela quem me abandonou quando eu era feliz! Miséria, mil vezes miséria, eu já fui feliz! Entretanto, hoje, não me passo de uma casca vazia que sonha com vinho e embriaguês.

Eu não mereço a vida, porém, muito menos a morte, eu estou fadado a vagar como um andarilho pelo resto dos meus dias, ser acusado de assassino e ateu, pagar todas as penas divinas por ter matado um deus corrompido e um demônio... Miséria! O que será que esta sorte espera de mim? Eu só perco meu ser nesta podridão que estou inserido, e nem mais meus olhos, estes olhos, que sempre me expuseram de todas as maneiras possíveis, não me declaram mais... Eu sou apenas concha e vazio... Sou uma carcaça perdida na imensidão do oceano ou da praia... Estou ardendo deitado no gelo de mim mesmo.

Amanhã, não sei o que será de mim.

Sinceros e Colerais cumprimentos,

Ralph Wüf

Ralph Wüf
Enviado por Ralph Wüf em 13/01/2009
Reeditado em 14/01/2009
Código do texto: T1381959
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