Cartas de Um Viajante - XXVI

Boa Noite,

Lhes redigirei aquilo que me está acontecendo.

Ao subir a montanha tinha o fantasma do corvo a me assombrar, ele me seguia e me guiava, e eu torturado sangrava lamentos e cansaço... A tarde era plena e clara!

Ao descermos uma parte da montanha comecei a sentir um vento frio serpentear minha espinha, involuntariamente um asco apossou-se de mim e meus olhos eram só escuridão... Assustado, meu perturbador acompanhante sentiu-se aflito, e indeciso, deixou-me no meio da trilha para que eu sucumbisse consumido em minha própria solidão. Eu já não consigo expressar o tamanho de minha mágoa...

Arrastei-me à passos vagarosos até começar a novamente sentir o vento frio percorrer pelo corpo, eu arrepiava-me, e aos poucos, meus dentes trincavam e meu queixo batia em plena tarde de verão! Eu não sei qual insânia é esta, mas por mais incrédulo que seja, neve se apossa dessa montanha e consome todo um vilarejo...! Neve! Neve branca no verão escaldante! Miséria, dizei-me o que é isso agora! Estou estupefato... É uma clareza, uma brancura... Um frio! É tão belo e tão mortal... Parece que estes cristais que caem me petrificam aos poucos, me lambem o corpo e a alma... E eu rolo como um bicho no chão! - Talvez por isto eu o ser -

Miséria! Mil vezes miséria! Esta branquidão me consome as memórias que confusas me atormentam... Um cinza no céu, um branco nos passos... Tudo! Tudo me joga em direção ao delírio e a loucura! Que sinais de pesadelo são esses? Algo que vem de mim me tortura fielmente.

Devo fazer silêncio e cessar meu pranto, não quero e nem devo acordar as bondosas almas que aceitaram mesmo em tempos de insânia me acolher.

Um povo tão bom! Seus corpos de montanha ágeis e fortes, passos tão ligeiros e precisos que andam tranqüilamente entre a floresta e o precipício! Entretanto, algo os atormenta e eu não entendo porque eles não querem me dizer! Sinto que eles têm pena de mim...

Hoje experimentei algo novo, um cachimbo e vários cigarros de uma espécie de fumo típica do verão, uma alegria tão forte, tão falsa... Mas ainda assim, tão merecedora... Ela me prestigiou com uma sensibilidade nova enquanto eu me presenteava com a tristeza e a agonia. Por um momento tudo parecia sereno, a não ser quem sabe, por esta nevasca de cinzas inconsolaveis.

Não entendo este medo que novamente me lambe, é um pavor sombrio que envolve-me, existe algo de muito errado neste lugar e preciso inconsolavelmente descobrir o que é! Isto que assola este povo não é natural, não têm como haver uma tempestade de gelo num tempo tão caloroso e firme... Ainda estamos em pleno verão! Existe algo ou alguém por trás disso, e eu infelizmente sinto novamente que serei aquele que o descobrirá. De novo serei eu um assassino? Não sei se aguento mais me esconder...

- Uma saudade me consome e um fumo me consola, até onde essa tolice ainda me levará?

Agora devo-me ir, sinto que os encomodo;

Gélidos Cumprimentos,

Ralph Wüf

Ralph Wüf
Enviado por Ralph Wüf em 20/12/2008
Reeditado em 21/12/2008
Código do texto: T1345831
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