Cartas de Um Viajante - XXII
Boa Noite,
De fato uma coisa me incomoda, o silêncio de Ravenus.
Desde que saímos em caminhada para as montanhas ele têm se mantido em silêncio profundo. Seu ar distante me perfura como prata e sua frieza me dilacera. Comunico-me muito mal com ele, mas quando se dá ao luxo de me responder, o faz com aspereza. Não sei o que posso fazer para poder reaproximar-me dele. Suas asas estão sempre à mostra e ariscas. As vezes sinto-me receoso de tê-lo ofendido de alguma maneira, mas não consigo concentrar-me em nada concreto.
O caminho das montanhas é árduo, mesmo no verão é um tanto úmido e frio; As coníferas se estendem ao longe aumentando ainda mais minha plácida solidão; Um lago raso coberto por sombras.
Hoje ao entardecer encontramos uma hospedaria, sabíamos da distância longa que ainda temos de percorrer até o próximo vilarejo, com isso, nos alojamos em um quarto comunitário... Sinceramente, pelos deuses, vos juro que não o entendo! Convidei-o ao crepúsculo para caminhar pelos arredores desta pousada, e ele negou-se! Não sei o que há com ele e muito menos sei o que fazer! Será novamente a solidão a bater nas portas de minh'alma? Esta como um cachorro me persegue! Ladra e apega se a mim firmemente ao ponto de me cercar por todos os lados, atacando todos aqueles que de mim se aproximam! Mas, de fato, nas montanhas as águas são mais gélidas e o ar mais puro. Isso anestesia meu coração abatido por tanta solitude e saudade.
Quando voltei pela noite clara v´Ravenus sentado à porta da hospedaria, um olhar gentil ao horizonte e uma falta de vontade de se
levantar. Ergueu-se vagarosamente quando o convidei à entrar, pois a comida já estava posta e ele precisa se alimentar direito. Quando sentamos à mesa haviam homens recém chegados da cidade, e estes contavam uma história que a mim é mais do que familiar. Um bordel destruído por um homem! Hah! Ainda comentaram minha semelhança em relação ao assassino...! Tentei desconversar, entretanto o assunto
foi impreguinando-me as vísceras. Ravenus apenas ouvia... Sinto-me culpado, sei que não fui eu o matador, porém, sei que fui a causa do assassínio! Tantas visas jogadas fora por minha culpa... Até quando?! Até quando, dizei vós!Eu carrego comigo o luto e o leito de morte.
Eu jamais quis matar alguém...
Convencei com o estalajadeiro após Ravenus se pôr a dormir, ele dizia-se cansado. Ah, se ele soubesse o quanto me preocupa!
Estamos próximos de uma vila ao norte, mais um dia de caminhada e chegaremos. Espero poder partir amanhã.
Agora todos dormem, só eu estou insone. O ar daqui me agrada, mas esta culpa e este temor me corroem. Deixei que vidas se perdessem!
E o pior, apenas para consumir-me em leviandade! Eu não mereço o perdão de nenhuma alma sã...
Ravenus têm o sono perturbado e a respiração pesada. Algo o incomoda, mas ele, nada diz! E eu aqui fico, indagando mil e uma possibilidades e tragédias que lhe possa ter ocorrido. Ultimamente tenho me sentido tão confuso... A sua imagem sombria me distorce... (Queria poder afagar-lhe...)
Céus! Dizei-me agora que insania é essa que me consome! Nem esta cerveja quente me desconforta... Tudo o que sinto parece me torturar. As vezes temo confundir-me e afogar-me ainda mais nas águas negras da solidão. Nem os deuses dos homens choram por mim! Como eles são piedosos...
O caminho é longo, preciso de um jeito para de novo ter o corvo próximo de mim. Ele era a minha lua amiga e meu sol companheiro.
Quantos grasnares ainda se ouvem ecoando em minha mente! Dêmonios! Eu sinto meu peito rasgar e novamente desfalecer...
Eu preciso agir!
Solitários Cumprimentos,
Ralph Wüf