Cartas de Um Viajante - XIX
Boa noite,
Hoje escrevo a vós meus últimos lamentos diante minha antiga dama, enquanto redijo estes escritos componho em intenções futuras minhas últimas liras à ela.
Era como se um raio partisse sobre minha cabeça, eu caia sobre um abismo e me anulava, sentia o peito partir e a dor tomar-me conta. Ela era demais para mim.
Tudo o que um dia eu pudera ter desejado e sonhado, cada talento, cada nota, cada olhar, era tudo demasiado perfeito. Era um sonho no que eu chamava de real! Era palpável, mas intangível. Era devassa e pura, era todos os paradoxos em um... E cada suspiro e cada vã lembrança, alimentava em meu seio essa vontade suicida. Eu jamais a teria, ela era boa e perfeita em demasia, e eu até hoje não passo de um reles ser asqueroso.
O olhar dela era assaz perigoso, olhar-la nos olhos? Minha agonia e minha morte, entretanto era necessário a encarar em igualdade, pois talvez só assim eu não me auto-pulverizasse.
E cada talento, e cada mimo, e cada contato com minha fria péle, era como se os deuses me dessem em vida o paraíso, e eu o aceitava de guarda baixa e peito aberto. Eu me matava quando a amava, era como se minha necessidade de respostas se extinguisse e eu tivesse todas as soluções de minha vida a minha frente... Ao meu lado. Eu a amei com toda a certeza da alma! Eu a amei com minha vida e com minha morte. Eu morreria por ela, e ela sabia disso... Só que jamais pensei que ela se aproveitaria de tal vantagem... Meu coração era cego e jamais ouvia a razão, quando foi prestar atenção nos insanos ouvidos, era tarde. Eu já havia caído na armadilha leviana da paixão viúva. Era alí, naquele momento, que eu tinha a certeza de que queria morrer.
Muitos de vós podeis achar-me tolo e desvairado, por colocar todas as alegrias e até todos os motivos de minha vida nas mãos volúveis de uma mulher... Mas não, meus caros, eu apenas a amei acima de tudo, até acima de minha vida e pessoa. Ela era minha obçessão e meu vício doentio, era meu riso e meu pranto, minhas maldições... Meu canto! Era a minha eternidade.
Agora, neste momento de velas lúgubres, nesta hora fria qual redijo em condições lastimáveis, lamentos, apenas posso confortar o peito em lágrimas. As canções tornaram-se vazias, a bebida já não trás mais o calor, apenas sufoca e incha as vísceras espremidas em suor febril. Tudo se torna inválido, exeto a memória fixa dos olhos de céu...
Eu sinto como se a terra em que piso se rasgasse e me engolisse por inteiro, enquanto meu passo etéreo pisa em mágoas eternas, apenas porque... Eu nada disse.
Meus olhos são vidro frágil que ao toque do vento se parte, meu corpo é gesso fino que lasca ao bater das asas de uma borboleta... Meu coração? Ah! Este é um vazo chinês já remendado em mil fios... Ela era o ouro e a prata, o valor e a desgraça, era a minha imortal...
Ralph Wüf