Cartas de um viajante - XVIII
A natureza é isenta de culpa e eu já era pra saber disso. Eu me afastei da mãe mesmo quando me joguei nesta jornada para tentar tornar-me parte maior dela. Agora estou enclausurado neste castelo de cristal absorto em culpa e alienado da vida.
Este aperto que sempre me sufoca, essa tolice de confiar nesta sorte profana que adora rir-se de mim... Viver confinado na beleza da alma e na pobreza do corpo. Tudo não passa de ilusão. Nas paredes meu reflexo se confunde com o caminho, preso estou como no vício de um colecionador que transpassa a agulha sobre o peito formoso da borboleta embebida em formol. Deixem-me virar pó! E pior, sei qual foi meu crime... Afastei-me do meu caminho, me deixei perder nas necessidades terrenas e agora estou a sofrer em meu trajeto. O caminho é longo e possui desvios estreitos que alongam o tempo e enlouquecem a mente insã. Atalhos são para pessoas sem determinação e eu acabei de me tornar uma, pois agora estou preso numa câmara de quartzo cristalino por exactamente tentar correr contra o tempo que rege.
Eu procurei minha morte. Este meu egoísmo e esta irresponsabilidade me corroem, por isso cobri-me em fúria e ferí Ravenus, por esse ódio fétido abandonei minha flauta, abandonei a poesia, por essa minha ignorância matei minha alma. Estou agora covarde e quase humano, transformando-me em algo que eu jamais quis ser, à espera de um veredicto imediato para uma execução insensata. Não quero padecer em prisão! Estou sujo e sem honra, minha vida é podre, minha alma é velha... Não existe mais salvação!
Esperarei agora a resposta para minha insolúvel questão. Morrer como invasor ou sofrer a perda dos membros... Não importa, pois ao menos morto farei parte fixa da natureza.
Então possivelmente despeço-me agora de vós.
Adeus! Meu peito é frio, minha morte é próxima. Adeus.