Cartas de Um Viajante - XVI

Eu não passo de um miseravel, me tornei tudo o que lutei contra, agora não passo de mais uma alma vil e vã...

Cuspam na minha cara e me deixem a mercer de meus medos que tanto tentei fugir... Corri até cair tentando pegar o desconhecido mas não passo de um reles garoto que jamais conseguiu parar de sonhar!

As palavras de Ravenus ainda ecoam em minha mente, eu me embebi em poder e gelei meu coração pra tentar escapar de meu sofrimento, agora me vejo perdido apenas com a sombra de negras plumas e de um passado doirado que jamais vou conseguir tocar de novo.

Eu deixei-me perder, eu perdi aquele garoto tolo com alma de poeta, eu o deixei... eu me deixei morrer! Permiti que o lobo com ânsia de poder e destruição me consumisse, entregando-me a este homem velho e rijo que tomou conta de minha alma e mente, tornei-me rancoroso, tornei-me vazio e frio, tornei-me corrompido... Tornei-me um adulto! Consegui até afastar de mim Ravenus, desacreditei em tudo... Tentei fugir no sangue e na boêmia... Até minha flauta me abandonou!

Embora eu não tivesse lar, nem terra, minha terra era o sonho... Agora nem consigo mais sonhar! As coisas deixam de existir quando paramos de acreditar nelas e apenas as usamos para fugir de nossa miséria... Maldição! O que foi que eu me tornei?!

Corri tanto e agora desfaleço em tombo arrastando a face sobre o chão rochoso, meu sangue parece veneno de tão negro e sujo...

Meus beijos antes tão vividos na boca da flauta, agora são tão mortos... Ninguém merece tamanha estupidez quanto a minha!

De que me adianta atravessar templos e castelos, se quando a noite cai ou as sombras se aproximam eu tapo meu olho e me protejo?

Eu não tenho definitivamente mais lar, nem mereço tão fiel companhia... Eu me tornei apenas mais uma maquina feita pelas invisíveis mãos...

Eu mereço morrer! Mas não passo de uma criança que ainda tem medo da verdade... Por favor, façam-me voltar! Quero de novo ter olhos de sonhador!

Entretanto jamais terei asas novamente... Eu jamais poderei voar... Nunca terei o orgulho altivo de lobo uma vez que me tornei o assassino de mim mesmo... Sou um lobo que se compara à chacais e cachorros... Talvez até eles tenham mais honra do que eu. Por favor, calem meu lamento com um tiro surdo de besta e me afoguem no inconsciente sem volta! Me deixem apagar como a chama que já se apagou em meu peito! Por favor, deixem-me morrer para poder viver novamente.

Sinceros e desesperados cumprimentos,

Ralph Wüf

"Talvez seja o desespero (e o sofrimento) minha única realidade".

- As únicas coisas que me fazem real...

Ralph Wüf
Enviado por Ralph Wüf em 07/08/2008
Reeditado em 07/08/2008
Código do texto: T1118108
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