O Poeta que Decidiu Contar Histórias (parte 5)
O Carteiro e O Poeta ou O Carteiro Poeta?
Bom dia, boa tarde, boa noite. No romance “O Carteiro e O Poeta” do escritor Antonio Skármeta, um carteiro chamado Mario conhece Pablo Neruda e, a fim de conquistar o coração da garçonete Beatriz, descobre com o poeta chileno os encantos e os sentimentos da poesia. O livro foi um sucesso tão grande que virou filme.
Agora pergunto: qual a diferença entre um carteiro e um poeta? Seria tão grande a distância entre os pensamentos e visões de mundo dos dois ou os dois mundos podem existir em um só? Aqui estou eu para responder, e peço licença pra colocar a minha versão “O Carteiro Poeta” neste novo episódio do Poeta que Decidiu Contar Histórias, onde vou falar sobre a empresa na qual trabalho desde 2001.
Depois de mais ou menos um ano como feirante entre 1999/2000, comecei a prestar uma série de concursos públicos, empurrado pelos meus pais que diziam “vai arrumar um emprego de verdade”. E arrumei. Passei no concurso dos Correios e os exames de admissão eram ao mesmo tempo, em que eu fazia os procedimentos para tirar a CNH, entre novembro e dezembro. Tirei a habilitação e em janeiro me apresentei nos Correios em Santo André, em um centro operacional de entrega de encomendas e coletas.
Rapidamente me adaptei ao trabalho, porque afinal não era complicado. Eu entrava na parte da tarde e saía à noite, o que deixa tudo mais fácil, a demanda era baixa e o ritmo era menor. Não entregava cartas, e sim algumas poucas encomendas, coletava malotes e auxiliava na expedição. Era bom até demais. Eu acordava tarde, sem pressa, e no fim do expediente passava pelos bares da cidade, chegando mais tarde em casa, indo dormir mais tarde e acordando cada vez mais tarde ainda. Isso me deixou um pouco ocioso e, para um jovem que entrou na empresa com intenção de retomar os estudos e juntar recursos para investir na carreira artística, era uma armadilha perigosíssima. Passei a mão no salário de um dos três meses da experiência e corri pra Santa Efigênia, onde comprei meu violão folk preto, meu primeiro investimento musical e, quiçá, o mais importante, o mais utilizado até hoje.
Então, com menos de um ano, fiz a primeira de muitas besteiras na empresa: mudei de horário, entregando encomendas, para entrar mais cedo, sair mais cedo e poder fazer outras coisas. De início, foi ótimo, voltei ao grupo de teatro, voltei a tocar e comecei a faculdade de letras, mas tranquei a matrícula quando a instituição mudou o curso de bacharelado para licenciatura sem consultar os interesses dos estudantes. Enfim, essa e mais algumas escolhas erradas, junto à crescente demanda de serviço, fizeram com que a minha vida se estacionasse e me deixasse acomodado, e por um tempo muita coisa deixou de acontecer.
Mas foi trabalhando nos Correios que conheci muitos lugares pelo ABC inteiro… lugares, pessoas e coisas que eu nem sabia existir. Foi trabalhando como entregador de encomendas que conheci a cidade onde formei a Corcel 69, e as pessoas que ajudaram efetivamente essa banda a funcionar.
Nos correios também tem muito artista e principalmente músicos que sempre me incentivaram a não desistir da arte, da música ou da poesia, o que quer que fosse.
Já pensei em sair da empresa e me dedicar seriamente à música, e isso quase aconteceu quando, lá mesmo, em 2013, conheci Andressa, uma mulher linda e sensacional (inspiração nos poemas Você, A Primavera de Cada Flor e A Morena Desfila) com quem me casei, formei uma linda família e mudei meus planos, focado na família e nesse emprego que, de certa forma, nos dá certa estabilidade.
Recentemente, devido à irresponsabilidade de um colaborador e incompetência de alguns gestores, sofri uma série de mudanças que prejudicaram minha saúde física e mental, meu desempenho profissional e pessoal, e os últimos anos nesta empresa foram um pouco mais complicados do que em outros tempos. Hoje entrego cartas e encomendas como carteiro pedestre, mas 23 anos de experiência aqui, passando por todos os setores possíveis da empresa, me deixaram blindado contra dificuldades e gradualmente venho retomando as rédeas da situação.
Em resumo, essa não é uma empresa ruim, é até boa, mas poderia ser bem melhor. O Departamento Pessoal é inclusivo, mas ainda há muitas barreiras de gênero a serem vencidas, principalmente o desrespeito com as mulheres. Algumas decisões são meramente políticas e não muito práticas. O sindicato é forte, mas muitas vezes também se atrapalha com motivos políticos e se esquece dos interesses reais do empregado. Aqui tem gente de todo o tipo, toda a religião, toda a classe… Além de artistas e músicos, como já citei, aqui tem pastor, professor, gente de negócio, gente boa e gente ruim, políticos, militantes, delegado sindical que começa a se achar mais importante e se candidata a vereador, mocinho e bandido (literalmente). Na verdade, como toda grande empresa, é como um grande país, mas com muita coisa a melhorar.
É um bom lugar pra quem quer envelhecer sem ver o tempo perdido porque, por ser uma empresa pública, a sensação de estabilidade acaba te acomodando de tal maneira que a maioria do pessoal não encontra motivação pessoal nem prática pra evoluir profissionalmente. Os anos passam, o funcionário acomodado envelhece e, quando vê, sua vida passou e ele ficou estagnado.
Impossível não lembrar, é claro, as coisas que escutamos de clientes pela rua. “Tem cartinha pra mim?”, “Trouxe dinheiro?”, “Você só traz conta, hein!”, “Outra multa!?”, “O que é isso (quando é encomenda)?” são algumas delas. Sem falar quando nos pedem informações como se fôssemos um guia ambulante, ou quando nos consultam sobre toda e qualquer coisa sobre Correios ou pra reclamar, como se eu fosse um fale conosco… Chega a ser engraçado, se não fosse todo o dia. Ainda faço um vídeo no meu canal no YouTube falando sobre isso.
Acho que é isso, por enquanto, e esse foi mais um episódio da incrível saga do Poeta que Decidiu Contar Histórias. Até a próxima (e ainda bem que não será por carta)!