Primeira parada: Punta del Diablo

DIÁRIO DE VIAGEM

Punta del Diablo, janeiro de 2017.

Dale ¡Hasta luego Chuy! Ônibus adentro, e lá estava eu, em menos de 24 horas, na estrada de novo. Mochila de ataque nos pés, passaporte nas mãos, pronto para receber seu primeiro selo. Este teria dias de glória, não terminaria como seu predecessor, com folhas em branco e um único carimbo, onde se lê em letras garrafais CANCELADO.

– Inmigración. Que se bajen los extranjeros. – gritou o motorista lá na frente.

Esta era minha deixa. Esperei. Ninguém se levantou. Seria eu a única estrangeira? Agarrei minha mochila e passei pelo corredor, podia sentir todos os olhos me acompanhando. Desci as escadas apressada e entrei na aduana uruguaia; na fila havia alguns brasileiros muito falantes e mais uns dois ou três sabe-se lá de onde, como o ônibus me esperava, eu tinha a preferência. Toc toc e plaft. . Em menos de três minutos meu passaporte estava carimbado. Toda contente o recebi de volta e… e nada de especial, apenas um simples carimbo escrito alguma coisa Uruguay [a tinta estava fraca] e a data de entrada. Como assim? Nem um símbolo? Nem um monumento? Nem um bichinho? Ah, as expectativas…

O motorista que havia me acompanhado até o guichê, reapareceu pedindo que eu cedesse o passo para a outra moça. Notei que era a loira que estava sentada ao meu lado dentro do ônibus. Bem achei que ela tinha cara de gringa, mais precisamente de alemã. Prestei atenção. Dá-lhe, na mosca! Era mesmo alemã. Pronto, fim dos trâmites. Agora éramos imigrantes legalizadas [por 90 dias é claro].

– Bienvenidas a Uruguay. – disse o rapaz amavelmente desde sua janelinha aduaneira.

Voltamos para o ônibus e começamos a conversar, estava louca para usar meu alemão fluente [mentira], mas usei meu velho e bom português. Fazia um ano que ela estava no Brasil, portanto entendia quase tudo. Me inteirei que ela ia fazer uma parada em Punta del Diablo e a noite seguiria para La Paloma, outra cidade balneário.

De repente a paisagem lá fora me roubou a atenção, era tudo tão plano, tão verde, tão vasto, que mais se parecia com um grande tapete. Melhor, muito melhor do que os tapetes vermelhos que recebem as celebridades. As cores do pasto mudavam à velocidade do ônibus: verde-claro, marrom dourado, às vezes salpicava-se de azul ou amarelo em forma de singelas flores. As árvores se amontoavam em pequeníssimos bosques, e por todo caminho havia vacas, novilhos e ovelhas pastando tranquilos, sem se darem conta de seu destino [não que saibamos do nosso]. Ora ou outra, avistava-se uma casinha perdida.

Chegamos ao Terminal de Punta del Diablo; os terminais são modestas rodoviárias, onde operam as três agências de ônibus que percorrem a costa litorânea do Uruguai: Rutas del Sol, Cot e Cynsa. São todos ônibus de viagem, mas funcionam como circulares entre os povoados e se pode pegá-los, inclusive, na estrada onde há vários pontos de parada. Algumas cidades são tão pequenas, que recebem o nome de pueblitos, também pudera, o país tem cerca de 3 milhões de habitantes, sendo que metade vive em Montevideo – a capital do país -, e a outra metade espalhada pelo litoral e interior.

Já de mala e cuia no centro de informações turísticas perguntei com meu espanhol fluente [mentira de novo] onde ficava a tal Bulevar Santa Teresa, para minha sorte era a rua que dava acesso principal ao balneário de Punta. Ali estava o hostel no qual me hospedaria. E para lá fui com minhas mochilas e amiga alemã para explorarmos juntas o local.

CENTRO, CAÓTICO CENTRO

Cheguei ao Hostel El Nagual, feliz por chegar e mais feliz ainda por ver que era um lugar muito aconchegante. Fiz check-in e logo o dono, muito hospitaleiro, mostrou-me o quarto, ou melhor, a cama onde eu ficaria nos próximos dias. Descobri neste momento que felicidade de mochileiro é um armário com cadeado. Ajeitei minhas coisas o mais rápido que pude, vesti um biquíni e fomos para a praia, quer dizer, para o centro. Meu anfitrião ia por aquelas bandas e nos ofereceu carona. Subimos na caçamba da caminhonete, cabelos ao vento, e a linda sensação de liberdade. A vida é bela e o lugar incrível [conselho: se quiser que permaneça assim, nunca visite de cara os centros].

Alguns minutos e lá estávamos, bem no centro. Gente por todos os lados e de todos os lados. Tudo junto e misturado: comércio, hostels, cachorros, pousadas, restaurantes, turistas, hippies e suas pulseirinhas, quiçá alguns moradores… que bagunça! Que vontade de chorar. Saí da frigideira para cair no fogo. Ubatuba, a cidade em que vivo no Brasil, também vira um caos esta época do ano. Olhei tudo aquilo e pensei comigo: “Bom, já que você está no inferno, abraça o capeta”. Ri por dentro porque nunca esta expressão veio tanto a calhar, afinal, eu estava em Punta del Diablo. “Que se lasque tudo, eu vou é nadar neste mar maravilhoso.”

Passei pelos guarda-sóis, crianças, bolas, uruguaios guapos e cuias com mate. Areia quente, menos quente… areia fria. Mau sinal. Acerquei os meus pés na beira da onda que recém chegava a mim. “Mierda, que água mais gelada. Não pode ser”. Mas era, e era o mar do U-ru-guai, eu tinha que entrar. Tomei coragem e fui de uma vez. Apanhei de todos os lados, além de frio, era bravo, as ondas não cessavam um instante e antes que eu perdesse o biquíni e os dentes, fui para a beirada. A doida da alemã ficou lá, pegando jacaré.

Na volta, com frio e com fome, passamos no mercadinho, fazia três dias que eu não comia direito, resolvi comprar comida de verdade para cozinhar no hostel, o clássico macarrão com atum, ervilhas e milho em conserva, e bananas de sobremesa, além de saborosas, evitam cãibras. As bananas paguei o olho da cara $U 42 pesos por 5 bananas – os comerciantes cobram, geralmente, 8 por 1, isto quer dizer, 8 pesos uruguaios por 1 real. Ok, o Uruguai não produz bananas, elas vêm do Brasil e do Equador, mas e o resto por que tão caro?

Essa e mais outras questões seriam respondidas mais tarde. A maior lição que aprendi com minha experiência na Bolívia – vivi lá por quase 3 meses-, foi que devemos deixar a pressa de atravessar os lugares e permitir que sejamos atravessados por eles. É preciso paciência para entender tudo o que nos foge à compreensão por ignorância, por comodismo ou preconceito. Afinal, viajar é desnudar-se de si para vestir-se do outro, lembra?

Me despedi da minha amiga alemã, cozinhei meu macarrão no hostel, tomei um banho decente e fui dormir no meu quarto compartilhado. Não lembro de muitos detalhes porque já estávamos esgotados: eu e o cérebro. Meu processo de adaptação estava só começando.

Para ler este e outros relatos de viagens, acessem meu blog pessoal:

https://retalhosdetinta.wordpress.com/relatos-de-viagem/

Espero vocês lá!!