Belarmino Ferreira Lins (PARTE X)

A FAZENDA MORORÓ

A Fazenda Mororó, apesar do forte processo de erosão ocorrido ao longo do tempo, continua sendo uma das maiores propriedades rurais existentes em Fonte Boa. Foi adquirida por Belarmino no dia 22 de dezembro de 1912. Com mais de um século de história, esta propriedade, que se constitui importante herança familiar, depois que a Jany Lins, e o seu esposo Adauto Braga partiram deste plano espiritual, foi colocada à venda no ano de 2021 pelos atuais herdeiros. Distante da sede do município cerca de 8 km por via fluvial, a propriedade continua dispondo de imensa riqueza extrativa, tendo na produção de castanha, seu carro chefe. A fazenda, mesmo que preservada, já teve muitas de suas terras desaparecidas, levadas pelas erosões resultantes do que se convencionou chamar “fenômeno de terras caídas”, cujo rio, ao sacudir constante e bravamente as margens dos barrancos, acaba por rompê-los, tragando-os e fazendo desaparecer enormes volumes de terra nas águas do Solimões.

Sobre esse processo natural e geográfico, quem nos auxilia entender as transformações provocadas por este fenômeno em Fonte Boa, é o magistrado Lyzandro Garcia Gomes:

Hoje a topografia de Fonte Boa já não é a mesma. O fenômeno conhecido como “Terra Caída” cuidou de desmoronar toda a área onde a sede do município foi originalmente construída e entregá-la às águas violentas do indomável Solimões, que se encarregaram de arrastá-la por esse “estirão de Mundo.

Foi durante a gestão do Superintendente Municipal, Manoel Granjeiro Filho, que o esposo de Zulmira, requereu, conforme preconizava a legislação da época, as terras devolutas do Estado que dariam vida a Fazenda Mororó. Após a petição iniciou-se um processo de averiguação cartorial para certificar se a mesma não havia sido requerida ou protestada por outro interessado. Após concluído o cumprimento de venda, foram designados os engenheiros e agrimensores para a medição e demarcação do lote, conforme transpareceu o Jornal do Commercio, edição de 12/12/1922.

No dia 22 de dezembro deste mesmo ano (1912), o governo do Estado do Amazonas mandou medir e marcar os lotes de Terras denominados Mororó, em Fonte Boa, requerido por Belarmino Ferreira Lins. Para execução dos serviços foram designados os profissionais Abílio Nery, Bernardo Fortunato dos Santos, Camilo Lellis Monteiro e Daniel Sevalho Junior, engenheiros e agrimensores autorizados a fazerem as medições e demarcações de terras no Estado do Amazonas.

É preciso esclarecer, que o nome da propriedade não foi ideia de Belarmino. A localidade já existia com essa nomenclatura, provavelmente batizado por outro nordestino. É provável que tenha recebido o nome em alusão a uma planta muito conhecida no Cariri, cujo ditado, diz: “sou igual ao Mororó, envergo, mas não quebro”. Há, entretanto, os que defendam a ideia de que este lugar obteve o nome em homenagem ao Padre Mororó, cearense heroicizado que lutou ao lado da família Alencar, em Crato, Ceará.

Por décadas, Eurípedes manteve ali a pequena fazenda “Jardim de Allah”, batizada em alusão à beleza da região. Ele, que anualmente se reunia com os proprietários e trabalhadores da classe rural fonteboense, objetivando ouvir as reivindicações junto a Federação da Agricultura e Pecuária do Amazonas, do qual foi presidente por mais de seis décadas, aproveitava o final de semana para se confraternizar com os conterrâneos, e contemplar a natureza de sua própria terra natal. Preservando algumas lembranças afetivas deste lugar, escreveu:

... Da Fazenda Mororó, que meu pai tinha no saudoso Paraná do Cajaraí, que hoje parte não mais existe absorvido pela formidável correnteza do rio Solimões, tenho grandes recordações da minha infância.

Todavia, quando “seu Belinho” atravessou o grande rio da vida, foi Epaminondas quem herdou a propriedade. Mas não o fez somente por ser o mais velho. Maneco contou, que por ter sido o herdeiro nato do tino comercial de seu pai, Nondas ficou responsável por comandar os processos de extração e comercialização da produção da fazenda, dos seringais e demais atividades agropecuárias e extrativas. E, quando sua mãe fixou domicílio na Capital, assumiu definitivamente a gigantesca propriedade de terras. E, cá entre-nos, foi merecedor, jamais negando a todos o profundo sentimento de pertencimento familiar daquele lugar.

Bem verdade que Belarmino já havia comprado outra propriedade, mais distante, igualmente produtiva. É o caso do Mamoriá, cujo lugar despertava-lhe um olhar singelo. Por se localizar em área de várzea, grande parte dessas terras já não existe mais. Sumiu pelos constantes processos de erosão provocados pelas águas. O que sobrou ficou abandonado, dado a distância e as dificuldades de se produzir.

Por ser proprietário de fazendas e grandes seringais, ou como revelam alguns textos de jornais, “um próspero, festejado e abastado comerciante do Rio Solimões”, alguns donos de empresas de Manaus, o autodenominavam de "Coronel Belarmino”, forma de tratamento meramente informal, em razão de nunca ter pertencido aos quadros da Guarda Nacional.

Outra importante característica trazida à luz de notas, documentos e testemunhas que compuseram esta exposição escrita, foi a de ter sido um ambientalista natural. Eurípedes, dentre as fontes citadas, foi quem acrescentou os lampejos dessa faceta, destacando que seu pai defendia com fervor a natureza, não permitindo a derrubada inútil das espécies vegetais, a pesca predatória em seus lagos, nem a caça de animais silvestres, senão como meio de subsistência do próprio pescador/caçador, e de sua família. E, como as dificuldades eram muitas, bem lembrou o saudoso presidente da FAEA:

Seu avô nunca se deixou imobilizar pelo dia a dia. Sempre se dispôs a lutar de forma a sobrepujar os ambientes de dificuldades em que se encontrava. As vezes ele deixava de ganhar um dinheiro para que se mantivesse preservada a floresta, a flora e a fauna do lugar.

Era naquela localidade que se achava a chamada “Freguesia Velha”, de Fonte Boa, cujo antigo vilarejo desapareceu pelo mesmo motivo que fez sumir parte da atual cidade nas décadas de 1970 e 1980. Dela restaram apenas traços arqueológicos, lembranças do lugar. No extremo limítrofe de quem sobe o rio, encontram-se o marco inicial da fazenda, cuja porção de terras segue até a confluência do rio Cuxupina, que o diga, um lugar belíssimo. Onde ficava a antiga Freguesia existe um pequeno santuário dedicado à Nossa Senhora de Guadalupe. Por lá, quando chegam os festejos, inicia-se a peregrinação dos católicos, que vão buscar a imagem da Santa na comunidade “Mororó”. Da pequena capela, sai a Santa, erguida em uma estrutura de madeira ornamentada de flores, que é levada por fiéis até a escadaria que dá acesso ao barco, onde uma procissão fluvial os levam até a sede da cidade, para seguir em novo cortejo até a Matriz.

Em fevereiro de 2007, eu, a Jany Lins e o Adauto Braga, plantamos por lá uma árvore nativa em comemoração ao centenário da chegada do patriarca da família Lins em Fonte Boa. A Castanheira - originada das matas de terra firme - demos o nome de “vovô Belarmino”, cuja simbologia reflete a grandeza de sua própria história.

LINS, Eylan Manoel da Silva. OS PIONEIROS: raízes da Família Lins no Município de Fonte Boa, 2023.

Eylan Lins
Enviado por Eylan Lins em 11/10/2023
Código do texto: T7906195
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