GIANFRANCESCO GUARNIERI
A luta de classes chega aos palcos no Brasil

 

   A brasilidade – do chão da fábrica às favelas, do Nordeste a releitura de fatos históricos – chegou aos palcos paulistas pelas mãos de um imigrante italiano, que aportou no Brasil aos dois anos de idade. Gianfrancesco Guarnieri foi um dos pilares do Teatro de Arena por mais de uma década, dividindo-se entre atuação, dramaturgia e direção. Se tivesse escrito apenas “Eles não usam Black-Tie” (1958) e “Gimba” (1959), já seria fundamental. Porém, Guanieri fez muito mais em sua longa carreira no teatro, cinema e TV.
   Nascido em Milão, na Itália, em 06 de agosto de 1934, Gianfrancesco Sigfrido Benedetto Marinenghi de Guarnieri era filho de um maestro e uma harpista, que aproveitaram o convite para tocar no Rio, na Orquestra Sinfônica Brasileira, para ficar longe do regime fascista de Mussolini. Desde muito pequeno, Gianfrancesco acompanhava os pais nos espetáculos de ópera em que trabalhavam – o que sempre declarou como uma grande influência. Escreveu sua primeira peça ainda na adolescência.
   Em 1954, muda-se para São Paulo. Na época, já fazia parte do Partido Comunista, dentro do movimento estudantil. Um ano depois, passou a integrar o Teatro Paulista do Estudante, que em 1956 iria se fundir ao Teatro de Arena. Logo nos primeiros anos, Guarnieri destaca-se como ator, participando de espetáculos como “Ratos e Homens”. O ressurgimento do Guarnieri dramaturgo acontece em meio a uma crise no Teatro de Arena, que, à beira de fechar as portas, resolve investir em um repertório próprio e autoral. “Eles não usam Black-Tie”, com sua expressividade realista sobre a classe operária, se torna sucesso imediato.
   No ano seguinte, Guarnieri apresenta “Gimba, o presidente dos Valentes”, um relato intenso realidade do morador dos morros do Rio de Janeiro, já sob a influência do jogo do bicho e sofrendo a opressão policial, que chega aos palcos sob a direção de um jovem Flávio Rangel. A peça excursionou pela Europa e levou o prêmio do júri popular no Festival do Théâtre des Nations, em Paris. Seguem-se a “Gimba” as peças “Semente” (1961) e “O Filho do Cão” (1964).
   Guarnieri encontra em Augusto Boal o parceiro criativo dentro do Arena, quando o grupo buscava resistir à ditadura. Contando com a parceria do compositor Edu Lobo, o grupo monta Arena Conta Zumbi (1965) e Arena Conta Tiradentes (1967), musicais que dão vida ao Sistema Coringa. Guarnieri deixa o Arena no fim da década de 1960, mas continua escrevendo para alguns dos grandes atores da época - "Marta Saré", estrelada por Fernanda Montenegro, "Um Grito Parado no Ar", com Othon Bastos, texto metalinguístico, que é uma alegoria para a censura. 
   No cinema, o maior êxito de Guarnieri foi a versão superpremiada de Leon Hirzman para "Eles não usam Black-Tie" (1981). Nas últimas décadas de vida, Gianfrancesco Guarnieri se tornou figura sempre presente na TV, participando de novelas como a primeira versão de "Mulheres de Areia" (1973), em que interpretou o personagem Tonho da Lua, e "Cambalacho" (1986), "Anos Rebeldes" (1992) e "Belíssima" (2005), seu último de mais de 40 trabalhos. Profundamente brasileiro, Guarnieri morreu em 22 de julho de 2006, em São Paulo.

 

(Parte da coletânea GENTE DE TEATRO, de William Mendonça. Direitos reservados.)