Trilhando o caminho psicanalista
Aqui estou em plena segunda-feira, dia que não tenho nenhum atendimento clínico e dia livre para estudos e dedicação ao mestrado. Tem tempo que não escrevo. Comecei a escrever um belo texto para a minha analista em suas férias (é a segunda semana sem sessão) dizendo e agradecendo que entendi o verdadeiro conceito de análise e que não precisava estar em sessão para “estar fazendo análise”. Estava pensando sobre algo que me tira do eixo tem tempo, esse algo me fez me aproximar da teoria lacaniana, A FALTA, O NÃO-TODO, O GOZO INCOMPLETO, O SABER INCOMPLETO. Faço parte de um grupo de estudos online sobre teoria lacaniana que iniciei na quarentena da pandemia de COVID-19, dois anos após a minha formatura em psicologia. Iniciei nesse grupo no meio do mestrado e hoje estou caminhando para a defesa da dissertação com a sua escrita. Nesse grupo, ultimamente venho me tocando bastante por uma discussão que um membro do grupo vem movimentando sobre a importância da topologia lacaniana para o alcance do rigor técnico psicanalítico. O discurso desse colega me incomoda porque fura o meu gozo muitas vezes, sinto que por mais que vivo tentando alcançar o saber total psicanalítico para ser uma boa psicóloga e psicanalista, este saber grandioso nunca chega. Há pouco tempo comecei a pensar bastante sobre o “se autorizar psicanalista ou não”, antes ficava esperando uma formação, uma instituição, um Outro para me autorizar, mas concomitante à essa busca venho trilhando um caminho independente que iniciou lá na minha graduação de psicologia quando comecei a me interessar pela psicanálise e quando comecei a fazer terapia. Fui para vários caminhos resumidamente dois, eu os chamo aqui de caminho da psicanálise e o caminho da psicologia hospitalar, claro que é possível ser psicóloga hospitalar psicanalítica, mas isso não vem ao caso agora. Escrevendo sobre o meu caminho profissional também venho pensando no caminho enquanto pessoa, enquanto sujeito, não há essa diferenciação.
Voltando... Eu comecei a me sentir muito confrontada por esse discurso do meu colega de grupos de estudos, começou porque não me inscrevo totalmente na teoria lacaniana, comecei a me aproximar mais desta há um ano justamente nesse grupo de estudos, durante a graduação fiz supervisão clínica do estágio com duas professoras lacanianas, mas ainda estava no “Be a Bá” da psicanalise. Quando entrei no limbo pós-formatura e fui para clínica, comecei a realmente praticar a psicanálise e me vi sem um Outro para me autorizar, ficava desesperada buscando referencial teórico e base técnica, recorri à cursos de psicanalise, palestras e continuei em grupos de psicanálise de professores da graduação que me deixaram permanecer mesmo após a formatura. Essa psicanálise que estava tendo contato podemos chamar de psicanalise anglo-saxã, estudava Freud, Winnicott, e as vezes Klein com o contato com a minha supervisora clínica da época. Voltando novamente à questão atual do confronto com o meu colega, psicanalise e o meu não-saber total... OBS: como a associação livre nos leva longe, e nos faz voltar e entrar em contato com o conflito ou o núcleo que possibilitaria, assim, a sonhada elaboração ou ressignificação, é de longe uma das principais técnicas da psicanalise.
Lembrei que o motivo de iniciar esse documento em branco para escrever esse texto, pois estava escrevendo para a minha analista no meio de suas férias, como havia falado, para dizer que continuava fazendo análise mesmo sem a sua presença física, mesmo fora da sessão, lembrando que hoje, segunda-feira era dia de análise em tempos sem férias da analista. Durante essa escrita para a minha analista pelo WhatsApp, comecei a pensar que não havia necessidade de incomodá-la nas férias, mesmo que comecei havia iniciado a comunicação pelo WhatsApp com uma desculpa pelo incomodo e dizendo que não havia necessidade de sua resposta. Será mesmo que para mim não havia necessidade da resposta dela? Não há como pensar que não estava querendo “mostrar serviço”, como se dissesse: “olha como sou uma boa analisante, estou fazendo análise mesmo sem você” com um mix de “não preciso tanto de você, mas não abro mão de você”. Então, recortei o texto que estava escrevendo pelo Whatsapp porque vi que não precisava escrever para ela nesse momento, mas precisava escrever para mim, a intenção era colar o texto no Word e continuar escrevendo para mim. BUM, não sei o que aconteceu que não consegui colar o texto no Word, ou seja, aquele texto havia sumido, aquele lindo texto que testemunhava a minha evolução na análise e na psicanálise. Fiquei alguns segundos perplexa com o que acabara de acontecer e comecei a rir da vida, olha o que a vida estava me possibilitando enxergar...
Voei de novo nas minhas associações livres e sai do que ia falar sobre a minha reflexão motivada pelo confronto com o meu colega, estava pensando o que eu poderia responder, o que eu poderia dizer no grupo quando essa discussão viesse a tona novamente. Pensei que não precisava fazer um download mental de toda teoria lacaniana ou de toda teoria psicanalítica para me intitular psicanalista ou ter rigor técnico. Eu tenho rigor técnico, tenho base de estudos, supervisão e análise, o que me prova isso são os resultados que eu vejo na clinica com o meu trabalho. Eu vejo a minha técnica funcionando, claro que não vou estabilizar e me conformar com os estudos que tenho. Os dias de não satisfação com meus atendimentos vem para me lembrar do meu furo. A minha técnica funciona mesmo diante da minha não-inscrição em uma psicanalise lacaniana francesa ou na psicanalise anglo-saxã, ou diante da minha não-inscrição em uma Escola de Psicanálise. Claro que a inscrição em uma Escola de Psicanálise é uma ótima opção para trilhar o seu caminho na psicanálise, mas não vai ser a Escola em si, esse Outro que vai te autorizar psicanalista, vai ser você mesmo.
Comecei escrever esse texto enquanto estava lendo um texto sobre gênero e psicanalise em uma perspectiva anglo-saxã e estava alimentando a possibilidade de fazer um mestrado em psicologia clinica em psicanalise e gênero, mesmo depois de recusar totalmente a ideia de um doutorado diante os perrengues do mestrado, principalmente diante da minha dificuldade de lecionar ou diante da minha dificuldade com a escrita acadêmica tentando mais uma vez alcançar o saber total para o artigo científico. Mas quem sabe? Eu não sei agora e está tudo bem.