Tracey Emin
Sílvia M L Mota
Sílvia M L Mota
Tracey Emin é uma artista inglesa contemporânea conhecida por suas obras autobiográficas e confessionais. Trabalha com diferentes tipos de arte, tais como desenho, pintura, escultura, cinema, fotografia, texto em neon e apliques de tecido. Agressiva, intuitiva e apaixonada, usa as experiências mais traumáticas e dolorosas da sua vida, além das próprias obsessões como fontes para reinterpretá-las em experiências criativas extremamente pessoais com uma aparência ostensiva de sinceridade, que, em alguns casos, pode ferir algumas sensibilidades. Entre os artistas da chamada geração Young British Artists (Jovens Artistas Britânicos), Tracey Emin é um dos nomes de maior destaque. Com uma produção artística confessional altamente crua e pessoal, é uma das poucas mulheres que influenciou o cenário das artes plásticas contemporâneas da Grã Bretanha, e, como tal, uma das artistas que mais capta o interesse do público em geral.
O nascimento
Nascida em Londres em 3 de julho de 1963, Tracey Emin e seu irmão gêmeo Paul tiveram uma infância difícil: filhos bastardos de Envar Emin, pai imigrante turco cipriota e de sua esposa Pamela Cashin, proveniente do leste de Londres (considerada ainda hoje como uma região proletária). Viveu os primeiros anos de vida entre a Turquia e a Inglaterra, até fixarem residência na cidade litorânea de Margate, cidade na costa do estado de Kent, Inglaterra. Entre 1966 e 1972 a família teve um hotel nessa cidade, o Hotel Internacional, onde moraram, sempre com a ausência do pai, que se dividia entre duas famílias. Em 1972, o seu pai entrou em falência. Sem o hotel e cada vez mais distantes do pai, a menina Emin, o irmão gêmeo e a sua mãe, mudam-se para uma cabana de funcionários atrás do hotel. Dessa forma, sua infância foi moldada pela dificuldade financeira e pela falta de autoridade.
O estupro
Em 31 de dezembro de 1976, aos 13 anos, Emin foi estuprada depois de sair de uma discoteca na véspera de Ano Novo.[1] Nas suas próprias palavras, que tão bem representam sua personalidade áspera e crua, a artista afirma que “foi arrombada” (broken in). Desde então, sua vida torna-se cada vez mais conturbada. Raramente ia à escola e passava os seus dias pelos cafés de Margate, na praia ou bebendo cidra. Além disso, a estrutura familiar deteriorava-se cada vez mais ao longo da sua adolescência. Entre os 13 e 15 anos, sua mãe passava longos períodos em Londres, deixando Emin sem a autoridade necessária para a vida adolescente. Segundo a artista, esses foram os “anos de sexo” (shagging years).[2]
A vida continua com respaldo na arte
Em 1980, Emin inscreveu-se para um curso de graduação em belas artes no Medway College of Design na cidade de Rochester, na costa do estado de Kent, entre Margate e Londres. A artista foi desqualificada para o curso, devido ao seu baixo desempenho escolar, mas conseguiu uma vaga em um curso profissionalizante de moda nesta mesma instituição. Seu desempenho foi medíocre, mas a aprendizagem em corte de modelos foi fundamental para o desenvolvimento de seu trabalho posterior em colchas bordadas com letras de tecido cortadas.
No início de 1982, Emin conheceu seu parceiro Billy Childish, poeta músico e artista plástico. Esse período inicial de seu trabalho artístico na primeira metade da década de 1980 foi influenciado pelas pinturas de Childish e dos seus companheiros do movimento Stuck!, como Douglas Adams e Charles Thomson. Eis as suas palavras a respeito do parceiro: “Billy foi a primeira pessoa em minha vida que me mostrou que existia uma forma diferente de fazer as coisas ... Ao invés de me sentir uma estranha, ele me mostrou que existe um mundo estranho e que era chamada como ‘ser artista’. Ele me encorajou a desenhar e a pintar.”[3] Os trabalhos de Emin e de Childish aproximam-se muito, uma vez que as suas influências naquele momento foram Edvard Munch, Egon Schiele e os impressionistas alemães.
Interessada em estudar Belas Artes de forma convencional, mas, sem a qualificação necessária, em setembro de 1982, dirige-se para Londres sob o escopo de seguir um curso básico em artes, na Sir John Cass School of Art. Seu interesse primordial, ao longo dessa formação, concentrou-se no estúdio de impressão onde realizou trabalhos cujo tema central era o sexo. Em 1984, por sugestão dos professores, Emin partiu para o Madison Art College, para enfim cursar artes plásticas. Especializou-se no estudo de gravuras e os temas dominantes no seu trabalho ainda eram sexo e medo. Sobre os seus anos no Madison Art College, expõe a artista: “[...] estes foram os três anos mais felizes de minha vida”.[4]
Em 1987, após uma temporada na Turquia, separada de Childish, e, ainda bem jovem, Emin inscreveu-se para uma vaga de dois anos no programa de mestrado em pintura na renomada Royal College of Art de Londres, Universidade Metropolitana de Londres. Recebeu o título de Mestre em pintura, mas, segundo diversos dos seus depoimentos, considerou a experiência negativa e destruiu muitos trabalhos influenciados por Munch.
Afastada das artes plásticas, em 1991, Emin estudou filosofia no Morley College, um centro educacional para adultos. Recuperando-se da depressão, nesse período a artista trabalhou como tutora de artes para jovens da região de Southwark, em Londres. Mesmo sem pintar, Emin seguiu com as suas gravuras, sempre acompanhadas de textos. Em 1992, faz seu segundo aborto.
Em “Abortion Watercolours”, Emin retrata, em 27 aquarelas, os abortos que cometeu; e na obra “Everyone I Have Ever Slept With 1963-1995” bordou, numa tenda, mais de cem nomes de todos aqueles que passaram por sua cama entre os anos citados no título da obra.
O ano de 1994 constitui-se em um marco significativo para a carreira artística de Tracey Emin. Após a realização da primeira exposição individual na prestigiada galeria londrina White Cube, Emin foi aos Estados Unidos para participar da feira de arte New York Grammercy International Art Fair e carregou no caráter “faça você mesmo”, da sua geração. Então, aproveitou a oportunidade para concretizar o seu projeto “Exploration of the Soul”. Nesse mesmo ano, exibiu a indicação para o Turner Prize.
Em 1997, foi admitida como membro da Royal Academy of Arts.
Em 1998, trouxe para o mundo da Arte a obra “My Bed” (Minha Cama). Se uma autobiografia tradicional pode elencar alguns segredos sexuais em tom confessional, em obras como essa, os limites entre o público e o privado são testados. Tamanha é a simbologia da cama, que muitas personalidades de grande visibilidade social têm suas camas preservadas quase como um santuário após suas mortes, como um espaço que conserva sua memória, intimidade, biografia e cultura.[5] Em “My bed”, Emin expôs na galeria a sua própria cama desarrumada, cercada de marcas e impressões vividas. Os lençóis apresentam-se amassados e ao redor da cama roupas sujas, preservativos usados, restos de comida, de bebida alcoólica e bitucas de cigarro. Indícios de noites permeadas por sexo, drogas e insônia. Também, existe na obra uma organização muito precisa dessa “desordem”, uma composição que conjuga objetos de modo planejado, como um animalzinho de pelúcia, pantufas, livros – todos dispostos no chão, próximos à cama, ao acesso da mão. A cama é muito limpa, os lençóis brancos, mesmo desarrumados, são aconchegantes e convidativos.[6] Conta-se que Emin reproduziu o quarto onde passou quatro dias reclusa em meio a confusão emocional e pensamentos suicidas. Segundo seu próprio relato, após passar dias deitada, em decorrência de uma depressão, acorda e se depara com o cenário que originaria um dos seus trabalhos mais conhecidos e polêmicos: “Quando despertei estava tão desidratada que pensei que, se não bebesse água, morreria. De alguma maneira, não sei como, caí e me arrastei de quatro até a cozinha, tomei uma bebida, lentamente dei alguns poucos goles, e voltei ao quarto, e ali estava eu, e era tudo... Era asqueroso. E olhei para a cama e pensei: ‘Oh, Meu Deus, podia ter morrido aqui’, e assim seria como teriam me encontrado. E então, passei repentinamente de estar horrorizada pelo que estava diante de mim a me sentir distanciada de tudo aquilo que, de repente, percebi como algo belo. Imaginei a cena fora daquele contexto, congelada, fora da minha cabeça, em outro lugar.”[7] A obra foi recebida com estranhamento por apresentar os objetos de uso próprio da artista, ressignificá-los e expô-los como arte de modo irônico e intempestivo. Leonor Arfuch aborda o tema do uso de objetos comuns na arte contemporânea: “Los objetos cotidianos, en su más cruda materialidad, también pueblan los espacios de las artes visuales, generalmente en el marco de una instalación y en una sintaxis narrativa que los distingue del ready made: no remiten a sí mismos, como gestos provocativos que adquieren su valor por su localización ‘fuera de lugar’ en el museo sino en un contexto significante que (re)define semánticamente ese lugar.”[8] Nesse sentido, a instalação de Emin aborda a vida mesma, suas obsessões, a repetitiva rotina, sua intimidade como elemento artístico. O corpo da artista está presente na cama por meio de sua ausência; ele existe na experiência do espectador perante a obra. Leonor Arfuch, a respeito dessa obra, comenta: “Para seguir el objeto más recóndito de la privacidad, My Bed de Tracey Emin [...] funcionaría como un ‘autorretrato’ reactivo y escandaloso – al iempo que totalmente ‘desindividualizado’ –, que desacraliza violentamente la intimidad en su inequívoca cercanía con la sexualidad, tanto como quizá denuncia con ironía el creciente – y a menudo irrelevante – carácter público/terapéutico que ésta asume.”[9] Charles Saatchi adquiriu “My Bed” por 150.000,00 Libras e a obra foi exibida como parte de uma exposição no museu Saatchi Gallery. Saatchi instalou a cama em um quarto na sua própria casa.
Em 2000, Emin tornou-se crítica de hotéis da revista inglesa GQ, cuja coluna tem o irônico título “Tracey Emin´s Beds” (“As Camas de Tracey Emin”).
Os tópicos recorrentes no trabalho artístico de Tracey Emin são os medos, as fraquezas e as obsessões. Ao mostrá-los de forma dilacerada e sincera, se fortalece e encontra motivos para continuar. Para a artista, a arte é a única forma possível, a única saída. Em sua instalação/vídeo, “Conversation with my Mum”, de 2001, Tracey conversa com sua mãe por 33 minutos. Em um momento, sua mãe lhe pergunta o que seria se não fosse uma artista. Tracey responde: “Eu estaria morta”.[10] Ser uma artista, sentir-se uma artista é a sua própria maneira de ser, e de estar fora, é sua própria maneira de viver. Viver revivendo memórias de velhos traumas como forma de curar essas velhas feridas.
Em 2007, passou a assinar uma coluna semanal no jornal britânico The Independent. Ainda nesse ano, representou a Grã Bretanha na Bienal de Arte de Veneza. Hoje é membro do Royal Academy of Arts e possui dois títulos de doutorado honorário, além de diversos prêmios.
Emin apropria-se do imaginário doméstico, transgride as noções de decoro feminino, mas, essas questões dizem respeito à sua subjetividade e liberdade individual. Possui uma linguagem própria, que não é tradicionalmente feminina e nem feminista.[11]
Como a maioria dos criadores que se assumem intensamente na obra, Emin Tracey é uma artista contemporânea extremamente visceral, violentamente aplaudida e criticada por seus trabalhos.
Os museus internacionais
Tracey Emin encontra-se nas coleções do MoMA, Cisneros Fontanals Art Foudation, MOCA Grand Avenue, todos nos EUA; Tate Britain, Inglaterra; Stedelijk Museum Amsterdam, Holanda; Hamburger Kunsthalle, Alemanha; Klasma – Museum of contemporary Art, Finlândia, entre outras 15 instituições ao redor do mundo.
O nascimento
Nascida em Londres em 3 de julho de 1963, Tracey Emin e seu irmão gêmeo Paul tiveram uma infância difícil: filhos bastardos de Envar Emin, pai imigrante turco cipriota e de sua esposa Pamela Cashin, proveniente do leste de Londres (considerada ainda hoje como uma região proletária). Viveu os primeiros anos de vida entre a Turquia e a Inglaterra, até fixarem residência na cidade litorânea de Margate, cidade na costa do estado de Kent, Inglaterra. Entre 1966 e 1972 a família teve um hotel nessa cidade, o Hotel Internacional, onde moraram, sempre com a ausência do pai, que se dividia entre duas famílias. Em 1972, o seu pai entrou em falência. Sem o hotel e cada vez mais distantes do pai, a menina Emin, o irmão gêmeo e a sua mãe, mudam-se para uma cabana de funcionários atrás do hotel. Dessa forma, sua infância foi moldada pela dificuldade financeira e pela falta de autoridade.
O estupro
Em 31 de dezembro de 1976, aos 13 anos, Emin foi estuprada depois de sair de uma discoteca na véspera de Ano Novo.[1] Nas suas próprias palavras, que tão bem representam sua personalidade áspera e crua, a artista afirma que “foi arrombada” (broken in). Desde então, sua vida torna-se cada vez mais conturbada. Raramente ia à escola e passava os seus dias pelos cafés de Margate, na praia ou bebendo cidra. Além disso, a estrutura familiar deteriorava-se cada vez mais ao longo da sua adolescência. Entre os 13 e 15 anos, sua mãe passava longos períodos em Londres, deixando Emin sem a autoridade necessária para a vida adolescente. Segundo a artista, esses foram os “anos de sexo” (shagging years).[2]
A vida continua com respaldo na arte
Em 1980, Emin inscreveu-se para um curso de graduação em belas artes no Medway College of Design na cidade de Rochester, na costa do estado de Kent, entre Margate e Londres. A artista foi desqualificada para o curso, devido ao seu baixo desempenho escolar, mas conseguiu uma vaga em um curso profissionalizante de moda nesta mesma instituição. Seu desempenho foi medíocre, mas a aprendizagem em corte de modelos foi fundamental para o desenvolvimento de seu trabalho posterior em colchas bordadas com letras de tecido cortadas.
No início de 1982, Emin conheceu seu parceiro Billy Childish, poeta músico e artista plástico. Esse período inicial de seu trabalho artístico na primeira metade da década de 1980 foi influenciado pelas pinturas de Childish e dos seus companheiros do movimento Stuck!, como Douglas Adams e Charles Thomson. Eis as suas palavras a respeito do parceiro: “Billy foi a primeira pessoa em minha vida que me mostrou que existia uma forma diferente de fazer as coisas ... Ao invés de me sentir uma estranha, ele me mostrou que existe um mundo estranho e que era chamada como ‘ser artista’. Ele me encorajou a desenhar e a pintar.”[3] Os trabalhos de Emin e de Childish aproximam-se muito, uma vez que as suas influências naquele momento foram Edvard Munch, Egon Schiele e os impressionistas alemães.
Interessada em estudar Belas Artes de forma convencional, mas, sem a qualificação necessária, em setembro de 1982, dirige-se para Londres sob o escopo de seguir um curso básico em artes, na Sir John Cass School of Art. Seu interesse primordial, ao longo dessa formação, concentrou-se no estúdio de impressão onde realizou trabalhos cujo tema central era o sexo. Em 1984, por sugestão dos professores, Emin partiu para o Madison Art College, para enfim cursar artes plásticas. Especializou-se no estudo de gravuras e os temas dominantes no seu trabalho ainda eram sexo e medo. Sobre os seus anos no Madison Art College, expõe a artista: “[...] estes foram os três anos mais felizes de minha vida”.[4]
Em 1987, após uma temporada na Turquia, separada de Childish, e, ainda bem jovem, Emin inscreveu-se para uma vaga de dois anos no programa de mestrado em pintura na renomada Royal College of Art de Londres, Universidade Metropolitana de Londres. Recebeu o título de Mestre em pintura, mas, segundo diversos dos seus depoimentos, considerou a experiência negativa e destruiu muitos trabalhos influenciados por Munch.
Afastada das artes plásticas, em 1991, Emin estudou filosofia no Morley College, um centro educacional para adultos. Recuperando-se da depressão, nesse período a artista trabalhou como tutora de artes para jovens da região de Southwark, em Londres. Mesmo sem pintar, Emin seguiu com as suas gravuras, sempre acompanhadas de textos. Em 1992, faz seu segundo aborto.
Em “Abortion Watercolours”, Emin retrata, em 27 aquarelas, os abortos que cometeu; e na obra “Everyone I Have Ever Slept With 1963-1995” bordou, numa tenda, mais de cem nomes de todos aqueles que passaram por sua cama entre os anos citados no título da obra.
O ano de 1994 constitui-se em um marco significativo para a carreira artística de Tracey Emin. Após a realização da primeira exposição individual na prestigiada galeria londrina White Cube, Emin foi aos Estados Unidos para participar da feira de arte New York Grammercy International Art Fair e carregou no caráter “faça você mesmo”, da sua geração. Então, aproveitou a oportunidade para concretizar o seu projeto “Exploration of the Soul”. Nesse mesmo ano, exibiu a indicação para o Turner Prize.
Em 1997, foi admitida como membro da Royal Academy of Arts.
Em 1998, trouxe para o mundo da Arte a obra “My Bed” (Minha Cama). Se uma autobiografia tradicional pode elencar alguns segredos sexuais em tom confessional, em obras como essa, os limites entre o público e o privado são testados. Tamanha é a simbologia da cama, que muitas personalidades de grande visibilidade social têm suas camas preservadas quase como um santuário após suas mortes, como um espaço que conserva sua memória, intimidade, biografia e cultura.[5] Em “My bed”, Emin expôs na galeria a sua própria cama desarrumada, cercada de marcas e impressões vividas. Os lençóis apresentam-se amassados e ao redor da cama roupas sujas, preservativos usados, restos de comida, de bebida alcoólica e bitucas de cigarro. Indícios de noites permeadas por sexo, drogas e insônia. Também, existe na obra uma organização muito precisa dessa “desordem”, uma composição que conjuga objetos de modo planejado, como um animalzinho de pelúcia, pantufas, livros – todos dispostos no chão, próximos à cama, ao acesso da mão. A cama é muito limpa, os lençóis brancos, mesmo desarrumados, são aconchegantes e convidativos.[6] Conta-se que Emin reproduziu o quarto onde passou quatro dias reclusa em meio a confusão emocional e pensamentos suicidas. Segundo seu próprio relato, após passar dias deitada, em decorrência de uma depressão, acorda e se depara com o cenário que originaria um dos seus trabalhos mais conhecidos e polêmicos: “Quando despertei estava tão desidratada que pensei que, se não bebesse água, morreria. De alguma maneira, não sei como, caí e me arrastei de quatro até a cozinha, tomei uma bebida, lentamente dei alguns poucos goles, e voltei ao quarto, e ali estava eu, e era tudo... Era asqueroso. E olhei para a cama e pensei: ‘Oh, Meu Deus, podia ter morrido aqui’, e assim seria como teriam me encontrado. E então, passei repentinamente de estar horrorizada pelo que estava diante de mim a me sentir distanciada de tudo aquilo que, de repente, percebi como algo belo. Imaginei a cena fora daquele contexto, congelada, fora da minha cabeça, em outro lugar.”[7] A obra foi recebida com estranhamento por apresentar os objetos de uso próprio da artista, ressignificá-los e expô-los como arte de modo irônico e intempestivo. Leonor Arfuch aborda o tema do uso de objetos comuns na arte contemporânea: “Los objetos cotidianos, en su más cruda materialidad, también pueblan los espacios de las artes visuales, generalmente en el marco de una instalación y en una sintaxis narrativa que los distingue del ready made: no remiten a sí mismos, como gestos provocativos que adquieren su valor por su localización ‘fuera de lugar’ en el museo sino en un contexto significante que (re)define semánticamente ese lugar.”[8] Nesse sentido, a instalação de Emin aborda a vida mesma, suas obsessões, a repetitiva rotina, sua intimidade como elemento artístico. O corpo da artista está presente na cama por meio de sua ausência; ele existe na experiência do espectador perante a obra. Leonor Arfuch, a respeito dessa obra, comenta: “Para seguir el objeto más recóndito de la privacidad, My Bed de Tracey Emin [...] funcionaría como un ‘autorretrato’ reactivo y escandaloso – al iempo que totalmente ‘desindividualizado’ –, que desacraliza violentamente la intimidad en su inequívoca cercanía con la sexualidad, tanto como quizá denuncia con ironía el creciente – y a menudo irrelevante – carácter público/terapéutico que ésta asume.”[9] Charles Saatchi adquiriu “My Bed” por 150.000,00 Libras e a obra foi exibida como parte de uma exposição no museu Saatchi Gallery. Saatchi instalou a cama em um quarto na sua própria casa.
Em 2000, Emin tornou-se crítica de hotéis da revista inglesa GQ, cuja coluna tem o irônico título “Tracey Emin´s Beds” (“As Camas de Tracey Emin”).
Os tópicos recorrentes no trabalho artístico de Tracey Emin são os medos, as fraquezas e as obsessões. Ao mostrá-los de forma dilacerada e sincera, se fortalece e encontra motivos para continuar. Para a artista, a arte é a única forma possível, a única saída. Em sua instalação/vídeo, “Conversation with my Mum”, de 2001, Tracey conversa com sua mãe por 33 minutos. Em um momento, sua mãe lhe pergunta o que seria se não fosse uma artista. Tracey responde: “Eu estaria morta”.[10] Ser uma artista, sentir-se uma artista é a sua própria maneira de ser, e de estar fora, é sua própria maneira de viver. Viver revivendo memórias de velhos traumas como forma de curar essas velhas feridas.
Em 2007, passou a assinar uma coluna semanal no jornal britânico The Independent. Ainda nesse ano, representou a Grã Bretanha na Bienal de Arte de Veneza. Hoje é membro do Royal Academy of Arts e possui dois títulos de doutorado honorário, além de diversos prêmios.
Emin apropria-se do imaginário doméstico, transgride as noções de decoro feminino, mas, essas questões dizem respeito à sua subjetividade e liberdade individual. Possui uma linguagem própria, que não é tradicionalmente feminina e nem feminista.[11]
Como a maioria dos criadores que se assumem intensamente na obra, Emin Tracey é uma artista contemporânea extremamente visceral, violentamente aplaudida e criticada por seus trabalhos.
Os museus internacionais
Tracey Emin encontra-se nas coleções do MoMA, Cisneros Fontanals Art Foudation, MOCA Grand Avenue, todos nos EUA; Tate Britain, Inglaterra; Stedelijk Museum Amsterdam, Holanda; Hamburger Kunsthalle, Alemanha; Klasma – Museum of contemporary Art, Finlândia, entre outras 15 instituições ao redor do mundo.
Notas
[1] MEDINA, Miguel Ángel. Tracey Emin: life made art, art made from life. Arts, n. 3, p. 56, mar. 2014.
[2] ELLIOT, Patrick. Tracey Emin 20 Years. Edinburgo: National Galleries of Scotland, 2008, p. 15 e seguintes.
[3] ELLIOT, Patrick. Tracey Emin 20 Years. Edinburgo: National Galleries of Scotland, 2008, p. 21 e seguintes.
[4] CARMONA JÚNIOR, German Goytia. Arte confessional de Tracey Emin. Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação Interunidades em Estética e História da Arte da Universidade de São Paulo – PGEHA-USP, na Linha de Pesquisa Teoria e Crítica da Arte, sob a orientação da Profa. Dra. Elza Maria Ajzenberg, São Paulo: USP, 2009, p. 48.
[5] NUNES, Ana Luísa. My bed e to meet my past: a cama como revelação da intimidade e de (re)construções narrativas para Tracey Emin. Arts, Málaga, ano 17, n. 37, p. 247.
[6] TVARDOVSKAS, Luana Saturnino. Dramatização dos corpos: arte contemporânea de mulheres no Brasil e na Argentina. Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, da Universidade Estadual de Campinas, para obtenção do título de Doutora em História, na área de concentração História Cultural. Orientador: Profa. Dra. Luzia Margareth Rago. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2013, p. 80.
[7] NUNES, Ana Luísa. My bed e to meet my past: a cama como revelação da intimidade e de (re)construções narrativas para Tracey Emin. Arts, Málaga, ano 17, n. 37, p. 248.
[8] ARFUCH, Leonor. (Comp.). Pensar este tiempo: espacios, afectos, pertenencias. Buenos Aires: Paidós, 2005, p. 268.
[9] ARFUCH, Leonor. (Comp.). Pensar este tiempo: espacios, afectos, pertenencias. Buenos Aires: Paidós, 2005, p. 270.
[10] MEDINA, Miguel Ángel. Tracey Emin: life made art, art made from life. Arts, Málaga, n. 3, p. 60, mar. 2014.
[11] NUNES, Ana Luísa C.; COUTO, Maria de Fátima M. A cama como objeto artístico nas instalações "mybed" (1998) e "tomeetmypast" (2002) de Tracey Emin. Rev. Trab. Iniciação Científica, UNICAMP, Campinas, SP, n. 26, out. 2018.
Referências
ARFUCH, Leonor. (Comp.). Pensar este tiempo: espacios, afectos, pertenencias. Buenos Aires: Paidós, 2005.
CARMONA JÚNIOR, German Goytia. Arte confessional de Tracey Emin. Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação Interunidades em Estética e História da Arte da Universidade de São Paulo – PGEHA-USP, na Linha de Pesquisa Teoria e Crítica da Arte, sob a orientação da Profa. Dra. Elza Maria Ajzenberg, São Paulo: USP, 2009. 113 p.
ELLIOT, Patrick. Tracey Emin 20 years. Edinburgo: National Galleries of Scotland, 2008.
MEDINA, Miguel Ángel. Tracey Emin: life made art, art made from life. Arts, Málaga, Spain, 3, p. 54-72, mar. 2014.
NUNES, Ana Luísa Cruz; COUTO, Maria de Fatima Morethy. A cama como objeto artístico nas instalações. Revista dos Trabalhos de Iniciação Científica da UNICAMP, Campinas, SP, n. 26, 2018. DOI: 10.20396/revpibic262018127. Disponível em: https://econtents.bc.unicamp.br/eventos/index.php/pibic/article/view/127. Acesso em: 14 mar. 2021.
NUNES, Ana Luísa C. My bed e to meet my past: a cama como revelação da intimidade e de (re)construções narrativas para Tracey Emin. Ars, São Paulo, ano 17, n. 37, p. 245-259, jun. 2019.
TVARDOVSKAS, Luana Saturnino. Dramatização dos corpos: arte contemporânea de mulheres no Brasil e na Argentina. Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, da Universidade Estadual de Campinas, para obtenção do título de Doutora em História, na área de concentração História Cultural. Orientador: Profa. Dra. Luzia Margareth Rago. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2013. 354 p.
Piquete, 14 de março de 2021 – 14h09
Referências
ARFUCH, Leonor. (Comp.). Pensar este tiempo: espacios, afectos, pertenencias. Buenos Aires: Paidós, 2005.
CARMONA JÚNIOR, German Goytia. Arte confessional de Tracey Emin. Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação Interunidades em Estética e História da Arte da Universidade de São Paulo – PGEHA-USP, na Linha de Pesquisa Teoria e Crítica da Arte, sob a orientação da Profa. Dra. Elza Maria Ajzenberg, São Paulo: USP, 2009. 113 p.
ELLIOT, Patrick. Tracey Emin 20 years. Edinburgo: National Galleries of Scotland, 2008.
MEDINA, Miguel Ángel. Tracey Emin: life made art, art made from life. Arts, Málaga, Spain, 3, p. 54-72, mar. 2014.
NUNES, Ana Luísa Cruz; COUTO, Maria de Fatima Morethy. A cama como objeto artístico nas instalações. Revista dos Trabalhos de Iniciação Científica da UNICAMP, Campinas, SP, n. 26, 2018. DOI: 10.20396/revpibic262018127. Disponível em: https://econtents.bc.unicamp.br/eventos/index.php/pibic/article/view/127. Acesso em: 14 mar. 2021.
NUNES, Ana Luísa C. My bed e to meet my past: a cama como revelação da intimidade e de (re)construções narrativas para Tracey Emin. Ars, São Paulo, ano 17, n. 37, p. 245-259, jun. 2019.
TVARDOVSKAS, Luana Saturnino. Dramatização dos corpos: arte contemporânea de mulheres no Brasil e na Argentina. Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, da Universidade Estadual de Campinas, para obtenção do título de Doutora em História, na área de concentração História Cultural. Orientador: Profa. Dra. Luzia Margareth Rago. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2013. 354 p.
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