Prefácio de Paixão Pura!
Certa feita, ao entrevistar Roberval Pereyr, professor da Universidade Estadual de Feira de Santana e poeta moderno baiano, acerca da obra de um outro poeta feirense, cuja produção eu analisava para fins acadêmicos, aquele falou-me a respeito de uma tal “desquotidianização do quotidiano” que a poesia deste último promovia através de seus versos e que não só este, mas muitos outros o fazem com maestria.
Hoje, evoco esse brilhante paradoxo, dito alhures e por tão insigne pessoa, por entender que dentre as virtudes de Regina Michelon presentes nas páginas deste livro, duas agigantam-se ante nossas percepções: exatamente a sua capacidade de vestir o quotidiano, fazendo-nos ver o que nos passa desapercebido por nossos olhos no dia-a-dia de nossas vidas, que, ao contrário do que se poderia dizer, não constitui uma condição sine qua non em poesia, não sendo, portanto, traço de todos os poetas, de onde outros se atirarem à contemplação filosófica ou metafísica das coisas –e a intimidade que a autora possui com o caráter passional de sua personalidade e, quase que por extensão, da personalidade humana.
Com efeito, Regina desquotidianiza o teatro confuso das coisas, mas o resultado de tal feito não é uma literatura “carregada” de difícil assimilação e sim uma poesia acessível, gostosa, boa de se ler ao sabor das coisas e do tempo, descobrindo em cada verso que na verdade nos olhamos no espelho da poetisa. E este, por incrível que pareça...nos reflete! A outra virtude supracitada resumir-se-ia ao título da obra: Paixão pura! (com exclamação e tudo!).
Trata-se de uma correspondência inevitável com o conteúdo das folhas que seguem. Paixão essa que se espraia pela vida, pela família, pelas coisas. Tudo cabe na visão passional de Regina Michelon, que lança seu olhar apaixonado e essencialmente poético sobre os resíduos existenciais de sua personalidade e das coisas que a cercam, desnudando-se, multiplicando o seu “eu” em vários “eus” que encontram eco em todos nós –como é ofício costumeiro do “fazer literário”, sobretudo do “fazer poético”. Assim, representa um universo, um âmbito de esquemas que nos são familiares. E que, se não nos oferece uma compreensão heurística das coisas, causa-nos um imenso bem. Uma sensação de que a paixão está por perto. Não a paixão que devora, corrói, mas aquela cujo gosto agridoce todos gostamos de sentir. Em suma, Regina Michelon faz muito mais que tudo isso. Ela oferece-nos boa Poesia. E isso só já nos basta.
Reinaldo de Oliveira é formado em Licenciatura em Letras e Artes na UEFS(Universidade Estadual de Feira de Santana) . Divide seu tempo entre suas diversas atividades artísticas (é músico, compositor e modesto contista, influenciado principalmente por Edgar Allan Poe) e o ensino de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira.