QUINO
A verdade nas palavras de Mafalda


   O que levaria um autor de sucesso, criador de um personagem com ares de imortalidade, a deixar de criar histórias para ele? A resposta de Quino, criador da emblemática Mafalda, foi simples: “já não podia dizer o que queria”, disse em entrevistas. Ele, que transformara aquela menina de seis anos em uma espécie de consciência crítica do mundo adulto, via a situação política na América Latina se tornar perigosa, com o recente golpe no Chile, em 1973. Sabia que não demoraria até que a Argentina passasse pelo mesmo processo.
   Joaquin Salvador Lavado Tejón, filho de espanhóis nascido em 17 de julho de 1932, na cidade de Mendoza, na Argentina, foi registrado apenas um mês depois. A essa altura já era chamado de Quino, apelido que ganhou para se diferenciar do tio, que tinha o mesmo nome e era um artista plástico consagrado. Desenhar começou no berço e conta-se que o menino já fazia seus “cartuns” aos três anos de idade.
   Para melhorar o traço, entrou para a Escola de Belas Artes, em 1945. Logo percebeu que a Academia não era o seu meio – preferia o humor e a ironia a desenhar frascos, como afirmou algumas vezes. Largou o curso em 1949 e partiu para Buenos Aires, para tentar ganhar a vida como desenhista. Não foi fácil. Amargou alguns anos de poucos trabalhos e dificuldades financeiras. 
   O chamado ponto zero de sua carreira acontece em 1954, quando passa a publicar seus cartuns em publicações argentinas. A partir daí, foram mais de seis décadas de publicações ininterruptas, especialmente na América Latina. Nos primeiros dez anos de carreira, o prestígio cresceu, a situação financeira melhorou e Quino casou-se com Alicia Colombo, em 1960. Seus quadrinhos têm, até hoje, um apelo à consciência, denunciando com humor os absurdos da sociedade.
   Mas foi quase por acaso que a verve de Quino encontrou, ou melhor, criou Mafalda. A menina surgiu em 1964, não para uma vida em tirinhas de jornais, mas para uma propaganda de eletrodomésticos, que nunca chegou a ir ao ar. Com a desistência do cliente, Quino aproveitou a ideia, resgatou algumas das artes que tinha feito, e partiu para produzir – sempre primeiro a lápis, “borrando muito”, para depois passar a tinta.
   A primeira publicação ocorreu em setembro daquele ano, no semanário Primera Plana, de Buenos Aires. Em 1965, o sucesso de Mafalda já é visível. Quino publica seis tiras semanais no jornal El Mundo e começa a reunir as histórias em livros, publicados não apenas na Argentina, como no exterior. O feminismo inspirou o autor, que achava melhor o ponto de vista de uma menina sobre as notícias, sempre alarmantes, daqueles tempos de Guerra Fria e golpes de estado.
   A permanência das histórias da pequena Mafalda provou-se quase insuperável. Décadas depois de parar de ser produzida, a tirinha de Mafalda é reproduzida à exaustão mundo afora e, por incrível que pareça, continua atual. A personagem rendeu a Quino prêmios como o Príncipe das Astúrias (Espanha) e a Legião de Honra (França) e estampou campanhas da Unicef.
   Quino morreu em 30 de setembro de 2020, aos 88 anos, vítima de complicações de um acidente vascular cerebral.

(Parte da coletânea FERAS DOS QUADRINHOS, em produção, de William Mendonça. Direitos reservados.)