Murasaki Shikibu 紫式部
Sílvia Mota a Poeta e Escritora do Amor e da Paz
Contexto social na época do nascimento de Murasaki Shikibu
Como em qualquer sociedade medieval, as mulheres da corte japonesa, embora privilegiadas em comparação com as das classes mais baixas, sujeitavam-se a uma série de regras e limites. Além de totalmente isoladas do mundo externo, viviam limitadas pela própria língua, visto que desconheciam o vocabulário da linguagem culta, que era então de uso exclusivo dos eruditos do sexo masculino.
No Japão do período Heian, assim como na Grécia clássica, no Islã, na Índia pós-védica e na Europa medieval, as mulheres eram proibidas de ler o que se considerava literatura séria; deviam restringir-se à diversão banal e frívola das novelas e fábulas que os eruditos confucianos desprezavam. Mesmo que todas as bibliotecas da literatura chinesa e japonesa estivessem abertas para elas, as mulheres do período Heian não identificariam a realidade do seu cotidiano nas narrativas de autoria masculina. Portanto, em parte para ampliar o acervo da literatura feminina, e em parte para dar expressão à sua visão do mundo, elas criaram uma literatura própria. Para registrá-la, criaram também um estilo de escrita caracterizado pela transcrição fonética da língua que tinham permissão de falar, o Kanabungaku, um japonês expurgado de quase todas influências de palavras chinesas. Essa língua escrita, conhecida como escrita das mulheres, adquiriu aos olhos dos homens que as dominavam, uma qualidade erótica. No lado oposto a esse estilo de escrita exclusivamente feminino, encontra-se a escrita masculina erudita, complexa e inteligente - os caracteres chineses. Sob essa escrita, elaboravam-se os documentos do governo e toda a informação relevante e poderosa. Privadas do conhecimento em caracteres chineses, às mulheres não se permitia acesso às informações mais relevantes, o que as afastava do poder, pois eram “analfabetas” na sua linguagem.
A despeito das circunstâncias aqui expostas, um grupo de nobres e talentosas japonesas criou a melhor literatura da época e, dentre essas pioneiras, destaca-se com louvor o nome Murasaki Shikibu, nascida em data incerta (978? - 1026?), na antiga capital do Império do Sol Nascente, dita Heian-Kyo, hoje Quioto.
Infância e juventude
A história da infância de Murasaki Shikibu permanece confundida às brumas esquecidas pelo tempo. Perde a mãe, na mais tenra idade, pela morte desta. Sua infância e sua juventude foram incomuns, porque o pai decidiu educá-la em casa, ao lado do irmão mais jovem. Com vistas a um importante cargo no governo, o irmão de Murasaki encetou a aprendizagem dos caracteres chineses em tenra infância e, nesse embalo, Murasaki aprendeu-o também. Eficiência, inteligência e perspicácia, dons em demasia, levaram seu pai a lamentar o fato de ter nascido mulher: “Se você fosse um menino, quão feliz eu seria!” No entanto, permitiu que Murasaki estudasse com o irmão. Retentora de conhecimentos na linguagem escrita coibida às mulheres da época, Murasaki estudou a literatura chinesa e assimilou muito do que, por outra forma, jamais conseguiria.
Pseudônimo
Murasaki Shikibu é o nome da pena, seu nome verdadeiro não é conhecido. O pseudônimo a imortalizou, com a conjunção de Murasaki – que significa “Violeta” e Shikibu – que se refere ao posto do seu pai, que trabalhava no “Shikibu-shō” (Ministério do Cerimonial), como membro da corte imperial japonesa, que integrava.
Alguns historiadores estimam que seu nome verdadeiro era Fujiwara Takako, mencionado no “Mido kampaku Ki”, um diário da corte de 1007, que referia uma dama de companhia imperial, embora esta teoria não seja amplamente apoiada por outros historiadores. Em seu diário pessoal intitulado “O diário de Murasaki Shikibu”, a escritora escreveu que seu apelido na corte foi Murasaki, como o nome de uma personagem do romance “O Conto de Genji”.
Casamento
Não obstante as mulheres da época se casassem assim que atingiam a puberdade, Murasaki só o fez perto dos 30 anos, com um primo de segundo grau muito mais velho, Fujiwara Nobutaka, descendente do mesmo ramo do clã Fujiwara, o Kanjūji. Era membro da Corte e como o pai de Murasaki trabalhava no “Shikibu-shō”. Tinha a reputação de se vestir de maneira extravagante e de ser um dançarino talentoso.
Antes da morte do marido, que ocorreu dois anos após seu casamento, Murasaki trouxe à luz uma filha, Daini no Sanmi, cujo verdadeiro nome era Kataiko, ainda que os símbolos do seu nome possam ser lidos como Kenshi.
[Em 1017, assim com sua mãe, Daini no Sanmi passou a servir como dama de companhia (nyōbō) da Imperatriz Fujiwara no Shoshi (Taiken-mon-In), esposa do Imperador Ichijo e passou a ser conhecida pelo apelido de Echigo no Ben, porque seu avô era governador da província de Echigo. Nesse período mantinha relações com Fujiwara no Yorimune, Fujiwara no Sadayori e Minamoto no Asato. Mais tarde, casou-se com Fujiwara no Kanetaka, filho do Kanpaku Fujiwara no Michikane, com quem teve uma filha. Em 1025, tornou-se babá do recém-nascido príncipe Chikahito (futuro imperador Go-Reizei). Em 1037, contraiu segundo casamento com Takashina no Nariakira, com quem teve uma criança. Em 1054, com a ascensão de Go-Reizei, foi promovida a Ju-Sanmi e seu marido Nariakira recebeu o título de Dazai Daini, Assistente do Governador de Dazaifu). Por esse motivo, passou a ser chamada de Daini no Sanmi. Participou de várias competições de waka em 1028, 1049, 1050 e 1078. Organizou uma coleção de poesias waka da sua autoria chamada “Daini no Sanmi-Shū”. Além disso, 37 dos seus poemas estão incluídos na antologia poética imperial “Goshūi Wakashū” e seu nome foi incluído na antologia “Ogura Hyakunin Isshū”. Por seus feitos, foi considerada para fazer parte do “Nyōbō Sanjūrokkasen”, como uma das trinta e seis grandes poetisas relacionadas no período Kamakura.]
É desconhecido o ano exato do início de “O conto de Genji”, mas há possibilidade de que tenha sido quando Murasaki ainda era virgem ou algum tempo após a morte do marido.
A vida na corte
Alguns pesquisadores afirmam que, por volta do ano 1005, Murasaki pediu para trabalhar como dama de companhia na corte imperial, sob o reinado da imperatriz Shoshi. Mas, as chances são de que tenha sido convidada a trabalhar no palácio em decorrência da sua reputação como escritora famosa. Outros autores relatam que, após a morte do marido, Murasaki começou a trocar poemas com Michinaga e este, fascinado com a sua inteligência e erudição, levou-a para a corte, tomando-a por concubina e educadora de Shoshi, sua filha mais velha.
Murasaki ensinou a Shoshi os caracteres chineses, símbolos de erudição e poder e Shoshi triunfante com o seu conhecimento, decorou partes dos seus aposentos com caracteres chineses o que provocou o choque da corte, pois esses caracteres eram impróprios para as mulheres. Através desta proibição, afastavam-se as mulheres de qualquer possibilidade de alçar o poder e o governo.
[A Imperatriz Shoshi (988 - 25 de outubro de 1074) (Jōtōmon-in), também conhecida como Jōtōmon-in, foi imperatriz do Japão por cerca de 1000 a 1011. Seu pai a enviou para viver no harém do Imperador Ichijo, com a idade de 12 anos. Devido ao seu poder, sua influência e suas maquinações políticas, Soshi rapidamente alcançou o status de segunda imperatriz. Aos 20 anos de idade, teve dois filhos com Ichijo e ambos se tornaram imperadores. No final dos trinta anos, tomou votos como freira budista, renunciou aos seus direitos e títulos imperiais e recebeu o título de Dame Imperial. Persistiu como membro influente da família imperial até sua morte aos 86 anos.]
O fato de Murasaki não só saber como ser ousada a ponto de ensinar a linguagem proibida a outra mulher, era considerado impróprio, escandaloso e subversivo de toda a cultura e sociedade vigente. A condenação foi tal que Murasaki deixou de utilizar os caracteres chineses em público, simulando até mesmo desconhecer aquela forma de escrita.
Desconfortável com a vida na corte, pois considerava frívola a vida ali desfrutada, Murasaki isolava-se bastante. Considerava que nada possuía em comum com o clã ao qual pertencia, o Fujiwara. Devido ao desagrado pela vida na corte, alguns teóricos afirmam que “O conto de Genji” foi criado como uma forma de entretenimento.
Depois de cinco ou seis anos de serviço, Murasaki deixou o palácio para se aposentar na Empress Shoshi, ao redor do Lago Biwa.
A morte de Murasaki Shikibu
Estudiosos discordam sobre o ano da sua morte. A maioria concorda que Murasaki morreu em 1014, mas outros estimam que viveu até o ano de 1025.
A obra que a imortalizou na literatura mundial
Dentre as suas obras conhece-se o “O conto de Genji”, o “O diário de Murasaki Shikibu” e “Memórias poéticas”.
Como em qualquer sociedade medieval, as mulheres da corte japonesa, embora privilegiadas em comparação com as das classes mais baixas, sujeitavam-se a uma série de regras e limites. Além de totalmente isoladas do mundo externo, viviam limitadas pela própria língua, visto que desconheciam o vocabulário da linguagem culta, que era então de uso exclusivo dos eruditos do sexo masculino.
No Japão do período Heian, assim como na Grécia clássica, no Islã, na Índia pós-védica e na Europa medieval, as mulheres eram proibidas de ler o que se considerava literatura séria; deviam restringir-se à diversão banal e frívola das novelas e fábulas que os eruditos confucianos desprezavam. Mesmo que todas as bibliotecas da literatura chinesa e japonesa estivessem abertas para elas, as mulheres do período Heian não identificariam a realidade do seu cotidiano nas narrativas de autoria masculina. Portanto, em parte para ampliar o acervo da literatura feminina, e em parte para dar expressão à sua visão do mundo, elas criaram uma literatura própria. Para registrá-la, criaram também um estilo de escrita caracterizado pela transcrição fonética da língua que tinham permissão de falar, o Kanabungaku, um japonês expurgado de quase todas influências de palavras chinesas. Essa língua escrita, conhecida como escrita das mulheres, adquiriu aos olhos dos homens que as dominavam, uma qualidade erótica. No lado oposto a esse estilo de escrita exclusivamente feminino, encontra-se a escrita masculina erudita, complexa e inteligente - os caracteres chineses. Sob essa escrita, elaboravam-se os documentos do governo e toda a informação relevante e poderosa. Privadas do conhecimento em caracteres chineses, às mulheres não se permitia acesso às informações mais relevantes, o que as afastava do poder, pois eram “analfabetas” na sua linguagem.
A despeito das circunstâncias aqui expostas, um grupo de nobres e talentosas japonesas criou a melhor literatura da época e, dentre essas pioneiras, destaca-se com louvor o nome Murasaki Shikibu, nascida em data incerta (978? - 1026?), na antiga capital do Império do Sol Nascente, dita Heian-Kyo, hoje Quioto.
Infância e juventude
A história da infância de Murasaki Shikibu permanece confundida às brumas esquecidas pelo tempo. Perde a mãe, na mais tenra idade, pela morte desta. Sua infância e sua juventude foram incomuns, porque o pai decidiu educá-la em casa, ao lado do irmão mais jovem. Com vistas a um importante cargo no governo, o irmão de Murasaki encetou a aprendizagem dos caracteres chineses em tenra infância e, nesse embalo, Murasaki aprendeu-o também. Eficiência, inteligência e perspicácia, dons em demasia, levaram seu pai a lamentar o fato de ter nascido mulher: “Se você fosse um menino, quão feliz eu seria!” No entanto, permitiu que Murasaki estudasse com o irmão. Retentora de conhecimentos na linguagem escrita coibida às mulheres da época, Murasaki estudou a literatura chinesa e assimilou muito do que, por outra forma, jamais conseguiria.
Pseudônimo
Murasaki Shikibu é o nome da pena, seu nome verdadeiro não é conhecido. O pseudônimo a imortalizou, com a conjunção de Murasaki – que significa “Violeta” e Shikibu – que se refere ao posto do seu pai, que trabalhava no “Shikibu-shō” (Ministério do Cerimonial), como membro da corte imperial japonesa, que integrava.
Alguns historiadores estimam que seu nome verdadeiro era Fujiwara Takako, mencionado no “Mido kampaku Ki”, um diário da corte de 1007, que referia uma dama de companhia imperial, embora esta teoria não seja amplamente apoiada por outros historiadores. Em seu diário pessoal intitulado “O diário de Murasaki Shikibu”, a escritora escreveu que seu apelido na corte foi Murasaki, como o nome de uma personagem do romance “O Conto de Genji”.
Casamento
Não obstante as mulheres da época se casassem assim que atingiam a puberdade, Murasaki só o fez perto dos 30 anos, com um primo de segundo grau muito mais velho, Fujiwara Nobutaka, descendente do mesmo ramo do clã Fujiwara, o Kanjūji. Era membro da Corte e como o pai de Murasaki trabalhava no “Shikibu-shō”. Tinha a reputação de se vestir de maneira extravagante e de ser um dançarino talentoso.
Antes da morte do marido, que ocorreu dois anos após seu casamento, Murasaki trouxe à luz uma filha, Daini no Sanmi, cujo verdadeiro nome era Kataiko, ainda que os símbolos do seu nome possam ser lidos como Kenshi.
[Em 1017, assim com sua mãe, Daini no Sanmi passou a servir como dama de companhia (nyōbō) da Imperatriz Fujiwara no Shoshi (Taiken-mon-In), esposa do Imperador Ichijo e passou a ser conhecida pelo apelido de Echigo no Ben, porque seu avô era governador da província de Echigo. Nesse período mantinha relações com Fujiwara no Yorimune, Fujiwara no Sadayori e Minamoto no Asato. Mais tarde, casou-se com Fujiwara no Kanetaka, filho do Kanpaku Fujiwara no Michikane, com quem teve uma filha. Em 1025, tornou-se babá do recém-nascido príncipe Chikahito (futuro imperador Go-Reizei). Em 1037, contraiu segundo casamento com Takashina no Nariakira, com quem teve uma criança. Em 1054, com a ascensão de Go-Reizei, foi promovida a Ju-Sanmi e seu marido Nariakira recebeu o título de Dazai Daini, Assistente do Governador de Dazaifu). Por esse motivo, passou a ser chamada de Daini no Sanmi. Participou de várias competições de waka em 1028, 1049, 1050 e 1078. Organizou uma coleção de poesias waka da sua autoria chamada “Daini no Sanmi-Shū”. Além disso, 37 dos seus poemas estão incluídos na antologia poética imperial “Goshūi Wakashū” e seu nome foi incluído na antologia “Ogura Hyakunin Isshū”. Por seus feitos, foi considerada para fazer parte do “Nyōbō Sanjūrokkasen”, como uma das trinta e seis grandes poetisas relacionadas no período Kamakura.]
É desconhecido o ano exato do início de “O conto de Genji”, mas há possibilidade de que tenha sido quando Murasaki ainda era virgem ou algum tempo após a morte do marido.
A vida na corte
Alguns pesquisadores afirmam que, por volta do ano 1005, Murasaki pediu para trabalhar como dama de companhia na corte imperial, sob o reinado da imperatriz Shoshi. Mas, as chances são de que tenha sido convidada a trabalhar no palácio em decorrência da sua reputação como escritora famosa. Outros autores relatam que, após a morte do marido, Murasaki começou a trocar poemas com Michinaga e este, fascinado com a sua inteligência e erudição, levou-a para a corte, tomando-a por concubina e educadora de Shoshi, sua filha mais velha.
Murasaki ensinou a Shoshi os caracteres chineses, símbolos de erudição e poder e Shoshi triunfante com o seu conhecimento, decorou partes dos seus aposentos com caracteres chineses o que provocou o choque da corte, pois esses caracteres eram impróprios para as mulheres. Através desta proibição, afastavam-se as mulheres de qualquer possibilidade de alçar o poder e o governo.
[A Imperatriz Shoshi (988 - 25 de outubro de 1074) (Jōtōmon-in), também conhecida como Jōtōmon-in, foi imperatriz do Japão por cerca de 1000 a 1011. Seu pai a enviou para viver no harém do Imperador Ichijo, com a idade de 12 anos. Devido ao seu poder, sua influência e suas maquinações políticas, Soshi rapidamente alcançou o status de segunda imperatriz. Aos 20 anos de idade, teve dois filhos com Ichijo e ambos se tornaram imperadores. No final dos trinta anos, tomou votos como freira budista, renunciou aos seus direitos e títulos imperiais e recebeu o título de Dame Imperial. Persistiu como membro influente da família imperial até sua morte aos 86 anos.]
O fato de Murasaki não só saber como ser ousada a ponto de ensinar a linguagem proibida a outra mulher, era considerado impróprio, escandaloso e subversivo de toda a cultura e sociedade vigente. A condenação foi tal que Murasaki deixou de utilizar os caracteres chineses em público, simulando até mesmo desconhecer aquela forma de escrita.
Desconfortável com a vida na corte, pois considerava frívola a vida ali desfrutada, Murasaki isolava-se bastante. Considerava que nada possuía em comum com o clã ao qual pertencia, o Fujiwara. Devido ao desagrado pela vida na corte, alguns teóricos afirmam que “O conto de Genji” foi criado como uma forma de entretenimento.
Depois de cinco ou seis anos de serviço, Murasaki deixou o palácio para se aposentar na Empress Shoshi, ao redor do Lago Biwa.
A morte de Murasaki Shikibu
Estudiosos discordam sobre o ano da sua morte. A maioria concorda que Murasaki morreu em 1014, mas outros estimam que viveu até o ano de 1025.
A obra que a imortalizou na literatura mundial
Dentre as suas obras conhece-se o “O conto de Genji”, o “O diário de Murasaki Shikibu” e “Memórias poéticas”.
O CONTO DE GENJI
Escrito entre o ano de 1000 e 1012, “O conto de Genji” se perfaz em três volumes - quase 2000 páginas distribuídas em 54 capítulos. Divide-se em duas épocas e se consagra como o exponente máximo da literatura japonesa. É considerada a primeira novela literária da história. Uma década após a conclusão da escrita, foi distribuído a todas as províncias. A obra tem sido reconhecida como um clássico da literatura japonesa e, como tal, presta-se a crítica literária do mais alto jaez.
Com um pano de fundo que exibe o Japão medieval, situa-se entre a segunda metade do século X e o primeiro quartel do século XI, altura em que a civilização nipônica vivia na reta final de uma época dourada que durou quatro séculos. A capital de então era Heian Kyo (atual Quioto), cujo cognome era “Cidade da Paz e da Tranquilidade”. A ausência de guerra fez com que a aristocracia japonesa vivesse numa enorme ociosidade dedicando-se ao prazer e à arte e onde a falta de sensibilidade artística era considerada abominável. Nenhuma outra civilização deu tanto valor aos prazeres sociais e culturais como a japonesa desta época, algo que Murasaki soube muito bem evidenciar na sua obra. Murasaki foi testemunha do apogeu e da queda dessa civilização brilhante e deixou-nos seu testemunho através das páginas que a próprio pulso escreveu.
Devido à sua extensão, acredita-se que a obra tenha sido apoiada pelo próprio Michinaga, pois a despesa em tinta e papel naquela altura dos tempos seria dificilmente suportada. Cada capítulo era partilhado por Murasaki e quem o recebia copiava-o novamente para o partilhar com outras pessoas, o que contribuiu para a ampla divulgação do seu trabalho. A prática da partilha era muito comum na época entre as mulheres que tradicionalmente compartilhavam poemas entre si deste modo, porém, “O Conto de Genji” quebrou barreiras, sendo partilhado entre mulheres e homens, que se rendiam aos seus encantos.
A obra “O Conto de Genji” foi escrita em japonês Kana e caracteres chineses tendo uma narrativa muito rica onde se entrelaçam histórias chinesas, poesia e um estilo japonês contemporâneo, paródia e sátira, ironia, reflexão, crônica de costumes, comédia e drama. Rica em estilo literário, é também valiosa em termos históricos, artísticos, sociais, psicológicos e humanos. Na literatura europeia da mesma época não existe qualquer registro de nada tão atual. As páginas relatam a história do Príncipe Genji, filho do imperador, que luta para obter os direitos do seu nascimento, mas o verdadeiro fio condutor desta novela são os casos amorosos de Genji numa época em que a poligamia era comum entre os homens de classe elevada. A história de Genji desafia a maior parte das concepções ocidentais sobre o amor, o desejo e o casamento. O enredo é orquestrado por mulheres, que compõem uma obra melancólica, uma meditação sobre a precariedade e a tristeza da existência humana, na qual se apresentam inúmeros episódios que descrevem a condição feminina e salientam a reclusão e o isolamento de que eram alvo na época.
No século XX esta obra fenomenal foi traduzida para o japonês moderno e o ocidente somente a conheceu em 1933, quando Arthur Waley o traduziu para a língua inglesa.
Citações extraídas da obra em destaque:
“As coisas reais na escuridão parecem não mais reais do que sonhos.”
“O mundo sabe que não; mas você, Outono, confesso: o vento da noite de queda apunhala profundamente no meu coração.”
“Outono não é tempo para estar sozinho.”
“Existem tantos tipos de mulheres como existem mulheres.”
“Nenhuma arte ou a aprendizagem deve ser prosseguida com meio coração... e qualquer arte vale a pena aprender, certamente recompensa mais ou menos generosamente o esforço feito para estudá-la.”
Escrito entre o ano de 1000 e 1012, “O conto de Genji” se perfaz em três volumes - quase 2000 páginas distribuídas em 54 capítulos. Divide-se em duas épocas e se consagra como o exponente máximo da literatura japonesa. É considerada a primeira novela literária da história. Uma década após a conclusão da escrita, foi distribuído a todas as províncias. A obra tem sido reconhecida como um clássico da literatura japonesa e, como tal, presta-se a crítica literária do mais alto jaez.
Com um pano de fundo que exibe o Japão medieval, situa-se entre a segunda metade do século X e o primeiro quartel do século XI, altura em que a civilização nipônica vivia na reta final de uma época dourada que durou quatro séculos. A capital de então era Heian Kyo (atual Quioto), cujo cognome era “Cidade da Paz e da Tranquilidade”. A ausência de guerra fez com que a aristocracia japonesa vivesse numa enorme ociosidade dedicando-se ao prazer e à arte e onde a falta de sensibilidade artística era considerada abominável. Nenhuma outra civilização deu tanto valor aos prazeres sociais e culturais como a japonesa desta época, algo que Murasaki soube muito bem evidenciar na sua obra. Murasaki foi testemunha do apogeu e da queda dessa civilização brilhante e deixou-nos seu testemunho através das páginas que a próprio pulso escreveu.
Devido à sua extensão, acredita-se que a obra tenha sido apoiada pelo próprio Michinaga, pois a despesa em tinta e papel naquela altura dos tempos seria dificilmente suportada. Cada capítulo era partilhado por Murasaki e quem o recebia copiava-o novamente para o partilhar com outras pessoas, o que contribuiu para a ampla divulgação do seu trabalho. A prática da partilha era muito comum na época entre as mulheres que tradicionalmente compartilhavam poemas entre si deste modo, porém, “O Conto de Genji” quebrou barreiras, sendo partilhado entre mulheres e homens, que se rendiam aos seus encantos.
A obra “O Conto de Genji” foi escrita em japonês Kana e caracteres chineses tendo uma narrativa muito rica onde se entrelaçam histórias chinesas, poesia e um estilo japonês contemporâneo, paródia e sátira, ironia, reflexão, crônica de costumes, comédia e drama. Rica em estilo literário, é também valiosa em termos históricos, artísticos, sociais, psicológicos e humanos. Na literatura europeia da mesma época não existe qualquer registro de nada tão atual. As páginas relatam a história do Príncipe Genji, filho do imperador, que luta para obter os direitos do seu nascimento, mas o verdadeiro fio condutor desta novela são os casos amorosos de Genji numa época em que a poligamia era comum entre os homens de classe elevada. A história de Genji desafia a maior parte das concepções ocidentais sobre o amor, o desejo e o casamento. O enredo é orquestrado por mulheres, que compõem uma obra melancólica, uma meditação sobre a precariedade e a tristeza da existência humana, na qual se apresentam inúmeros episódios que descrevem a condição feminina e salientam a reclusão e o isolamento de que eram alvo na época.
No século XX esta obra fenomenal foi traduzida para o japonês moderno e o ocidente somente a conheceu em 1933, quando Arthur Waley o traduziu para a língua inglesa.
Citações extraídas da obra em destaque:
“As coisas reais na escuridão parecem não mais reais do que sonhos.”
“O mundo sabe que não; mas você, Outono, confesso: o vento da noite de queda apunhala profundamente no meu coração.”
“Outono não é tempo para estar sozinho.”
“Existem tantos tipos de mulheres como existem mulheres.”
“Nenhuma arte ou a aprendizagem deve ser prosseguida com meio coração... e qualquer arte vale a pena aprender, certamente recompensa mais ou menos generosamente o esforço feito para estudá-la.”
O DIÁRIO DE MURASAKI SHIKIBU
Em “O diário de Murasaki Shikibu”, a escritora registra e analisa o monótono cotidiano de uma mulher nobre do período Heian. Trata-se de um retrato íntimo da sua vida como tutora e companheira da jovem imperatriz Shoshi. Contada em uma série de vinhetas, oferece vislumbres reveladores do palácio imperial japonês, desde o auspicioso nascimento de um príncipe, rivalidades entre consortes do imperador, com fortes críticas de colegas damas-de-espera do Murasaki e cortesãos bêbados, além de observações que contam a respeito da tímida imperatriz e seu poderoso pai, Michinaga. O diário é também uma obra de grande sutileza e intensa reflexão pessoal, na qual Murasaki faz percepções penetrantes da psicologia humana, com observações pragmáticas sempre equilibradas por uma melancolia requintada e reflexiva.
Citações retiradas do diário em epígrafe:
“Para ser agradável, gentil, calma e senhora de si: esta é a base do bom gosto e charme em uma mulher. Não importa o quão amorosa ou apaixonada você possa ser, desde que você seja simples e abstenha-se de causar constrangimentos a outros, ninguém vai se importar. Mas as mulheres que são demasiado vaidosas, de agir pretensioso, na medida em que elas fazem os outros se sentirem desconfortáveis, elas mesmas se tornarão objeto de atenção; e quando isso acontece, as pessoas vão encontrar a falha no que dizem ou fazem; quer seja como elas entram em uma sala, como se sentam, como elas se levantam ou como elas se despedem. Aquelas que acabam se contradizendo e aquelas que depreciam seus companheiros também são cuidadosamente observadas e ouvidas ainda mais. Contanto que você esteja livre de tais falhas, as pessoas certamente irão abster-se de ouvir mexericos e vão querer mostrar-lhe a simpatia, mesmo que apenas por uma questão de delicadeza.
Eu sou da opinião de que, quando você intencionalmente causar dano a outro, ou mesmo se você fizer mal através de mero comportamento impensado, você merece plenamente ser censurada em público. Algumas pessoas são tão boa índole que eles ainda podem cuidar daqueles que os desprezam, mas eu me acho muito difícil. Será que o próprio Buda em toda a sua compaixão nunca prega que se deve simplesmente ignorar aqueles que difamam os Três Tesouros? Como neste mundo manchado por nós podem aqueles que são difíceis de esperar para retribuir em espécie?”
“É inútil falar com aqueles que não entendem e problemático para conversar com aqueles que criticam a partir de um sentimento de superioridade. Especialmente as pessoas unilaterais são problemáticas. Poucos são realizados em muitas artes e mais se agarram estritamente à sua própria opinião.”
Citações retiradas do diário em epígrafe:
“Para ser agradável, gentil, calma e senhora de si: esta é a base do bom gosto e charme em uma mulher. Não importa o quão amorosa ou apaixonada você possa ser, desde que você seja simples e abstenha-se de causar constrangimentos a outros, ninguém vai se importar. Mas as mulheres que são demasiado vaidosas, de agir pretensioso, na medida em que elas fazem os outros se sentirem desconfortáveis, elas mesmas se tornarão objeto de atenção; e quando isso acontece, as pessoas vão encontrar a falha no que dizem ou fazem; quer seja como elas entram em uma sala, como se sentam, como elas se levantam ou como elas se despedem. Aquelas que acabam se contradizendo e aquelas que depreciam seus companheiros também são cuidadosamente observadas e ouvidas ainda mais. Contanto que você esteja livre de tais falhas, as pessoas certamente irão abster-se de ouvir mexericos e vão querer mostrar-lhe a simpatia, mesmo que apenas por uma questão de delicadeza.
Eu sou da opinião de que, quando você intencionalmente causar dano a outro, ou mesmo se você fizer mal através de mero comportamento impensado, você merece plenamente ser censurada em público. Algumas pessoas são tão boa índole que eles ainda podem cuidar daqueles que os desprezam, mas eu me acho muito difícil. Será que o próprio Buda em toda a sua compaixão nunca prega que se deve simplesmente ignorar aqueles que difamam os Três Tesouros? Como neste mundo manchado por nós podem aqueles que são difíceis de esperar para retribuir em espécie?”
“É inútil falar com aqueles que não entendem e problemático para conversar com aqueles que criticam a partir de um sentimento de superioridade. Especialmente as pessoas unilaterais são problemáticas. Poucos são realizados em muitas artes e mais se agarram estritamente à sua própria opinião.”
MEMÓRIAS POÉTICAS
Em “Memórias poéticas” (ou Murasaki Shikibu shū), Murasaki expõe uma coleção de 128 poemas, dispostos como numa sequência biográfica.
Por volta de 1008, Murasaki Shikibu escreveu a obra “Memórias poéticas”, que compreende 128 waka, cada uma precedida por um prefácio em prosa, que variou de um breve esboço de tempo e lugar, com longas passagens descritivas, que lembram a prosa composta no espírito do tanka, que é a tônica da prática moderna inglesa.
Foi com esses trabalhos robustos e valorosos, que Murasaki se imortalizou, não só no Japão, mas na história da literatura universal. Não obstante, os feitos da famosa escritora transcendem sua obra literária. Destaca-se mundialmente, porque protestou contra a discriminação das mulheres, lutando por uma linguagem do poder para as mulheres, ao descortinar-lhes novos horizontes, que seriam conquistados através da ponte que construiu entre uma linguagem masculina exclusivista e uma linguagem feminina altaneira, desenhando com ela um elo entre o Japão antigo e o moderno. Passados tantos séculos, Murasaki ainda inspira e deslumbra, por ser a mulher que ousou, no Japão Medieval, aprender e ensinar a outras mulheres, a linguagem escrita dos homens.
Concorrentes de Murasaki Shikibu
Murasaki teve várias concorrentes, tais como Izumi Shikibu, autora do “Izumi Shikibu Nikki” e Akazome Emon, uma das autoras de “Eiga Monogatari”, mas sua maior rival foi Sei Shônagon, que escreveu “Makura-no Sôshi”.
Ainda que não tenham vivido na corte ao mesmo tempo Murasaki comenta sobre Shônagon em seu diário: “Sei Shônagon: Uma pessoa muito orgulhosa. Ela se valoriza demais, e espalha seus Kanji por todos os lugares. Porém, se a analisarmos com cuidado veremos que ela ainda é imperfeita.”
Murasaki ainda comenta outras autoras:
“Izumi Shikibu corresponde encantadoramente, mas seu comportamento é inadequado, de fato.”
“Akazome Emon: Embora ela não seja de origem nobre, seus poemas são muito satisfatórios. Ela não os compõe e os espalha em todas as ocasiões, mas até onde sabemos, mesmo seus poemas diversos nos envergonham.”
Em “Memórias poéticas” (ou Murasaki Shikibu shū), Murasaki expõe uma coleção de 128 poemas, dispostos como numa sequência biográfica.
Por volta de 1008, Murasaki Shikibu escreveu a obra “Memórias poéticas”, que compreende 128 waka, cada uma precedida por um prefácio em prosa, que variou de um breve esboço de tempo e lugar, com longas passagens descritivas, que lembram a prosa composta no espírito do tanka, que é a tônica da prática moderna inglesa.
Foi com esses trabalhos robustos e valorosos, que Murasaki se imortalizou, não só no Japão, mas na história da literatura universal. Não obstante, os feitos da famosa escritora transcendem sua obra literária. Destaca-se mundialmente, porque protestou contra a discriminação das mulheres, lutando por uma linguagem do poder para as mulheres, ao descortinar-lhes novos horizontes, que seriam conquistados através da ponte que construiu entre uma linguagem masculina exclusivista e uma linguagem feminina altaneira, desenhando com ela um elo entre o Japão antigo e o moderno. Passados tantos séculos, Murasaki ainda inspira e deslumbra, por ser a mulher que ousou, no Japão Medieval, aprender e ensinar a outras mulheres, a linguagem escrita dos homens.
Concorrentes de Murasaki Shikibu
Murasaki teve várias concorrentes, tais como Izumi Shikibu, autora do “Izumi Shikibu Nikki” e Akazome Emon, uma das autoras de “Eiga Monogatari”, mas sua maior rival foi Sei Shônagon, que escreveu “Makura-no Sôshi”.
Ainda que não tenham vivido na corte ao mesmo tempo Murasaki comenta sobre Shônagon em seu diário: “Sei Shônagon: Uma pessoa muito orgulhosa. Ela se valoriza demais, e espalha seus Kanji por todos os lugares. Porém, se a analisarmos com cuidado veremos que ela ainda é imperfeita.”
Murasaki ainda comenta outras autoras:
“Izumi Shikibu corresponde encantadoramente, mas seu comportamento é inadequado, de fato.”
“Akazome Emon: Embora ela não seja de origem nobre, seus poemas são muito satisfatórios. Ela não os compõe e os espalha em todas as ocasiões, mas até onde sabemos, mesmo seus poemas diversos nos envergonham.”
Lady Murasaki escrevendo
Ilustração de "O conto de Genji"
Murasaki Shikibu - Ishiyamadera - Otsu, Shiga
Murasaki Shikibu
Ishiyamadera Murasaki Shikibu - genjinoma
Murasaki Shikibu by Hiroshige
Portrait of Murasaki Shikibu by Kanō Takanobu
Ishiyama Moon Lady Murasaki
by Yoshitoshi (1889)
REFERÊNCIAS
SHŌSHI. DBpedia, [s. l.]. Disponível em: http://fr.dbpedia.org/page/Sh%C5%8Dshi. Acesso em 27 jun. 2016.
MURASAKI Shikibu. Citações. Goodreads, [s. l.]. Disponível em: https://www.goodreads.com/author/quotes/4739.Murasaki_Shikibu. Acesso em: 18 jun. 2016.
DAINI no Sanmi. Verbete. Wikipédia: a enciclopédia livre, [s. l.]. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Daini_no_Sanmi. Acesso em: 27 jun. 2016.
MURASAKI Shikibu. Verbete. Wikipédia: a enciclopédia livre, [s. l.]. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Murasaki_Shikibu. Acesso em: 27 jun. 2016.
MURASAKI Shikibu. Citações. Goodreads, [s. l.]. Disponível em: https://www.goodreads.com/author/quotes/4739.Murasaki_Shikibu. Acesso em: 18 jun. 2016.
DAINI no Sanmi. Verbete. Wikipédia: a enciclopédia livre, [s. l.]. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Daini_no_Sanmi. Acesso em: 27 jun. 2016.
MURASAKI Shikibu. Verbete. Wikipédia: a enciclopédia livre, [s. l.]. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Murasaki_Shikibu. Acesso em: 27 jun. 2016.