" ISTO É...FELICIDADE!!!"
Final da década de setenta. Decorridas três horas passadas a observar atentamente pelas janelas do ônibus cidadezinhas e uma mata esplendorosamente verdejante, eu e minha mãe finalmente chegamos a nosso destino: Serra Negra!
Já na rodoviária mamãe contrata os serviços de um motorista de táxi e polidamente a ele indica o itinerário: Colônia de Férias do Clube dos Oficiais da Polícia Militar, situada no Bairro dos Francos. O automóvel trafega mansamente pela Avenida João Gerosa e aos poucos belos sítios e chácaras vão se avizinhando. Contente, esboço um sorriso ao avistar meus adorados pinheiros a corroborar o magnífico quadro talhado pelas mãos do Criador!
Chegamos, enfim. O portão de entrada está escancarado como a nos esperar... O taxista inicia com apuro de técnica a subida que irá nos conduzir ao prédio onde se situam a sala da administração e os dormitórios;neste instante começo a me maravilhar com o gorjeio dos joões-de-barro orquestrando uma sensível e afinada serenata de boas vindas!
Ao descermos somos carinhosamente cumprimentadas pelo senhor Wilson Quartim e sua assistente Madalena Franco. Com visível expectativa subo as escadas rumo ao "apartamento" em que ficaremos hospedadas. Pacientemente, mamãe chaveia a porta...
Alegre constato ser a instalação bastante confortável e arejada, bem guarnecida com várias camas regularmente dispostas, um grande guarda-roupa, e uma mesa localizada no canto direito do aposento. Após um rápido banho caminhamos para o restaurante, onde saboreamos com inequívoca satisfação uma deliciosa refeição caseira preparada com singular esmero pelo senhor Benedito,conhecido em minha "Cidade Paraíso" como " Dito Sem Braço", em razão de sua participação em jogos de cartas...
Terminado o almoço, mamãe e eu nos abrigamos sôfregas dos inclementes raios solares em um aconchegante caramanchão...
À tardinha, minha mãe me levava a um aprazível recanto desta mesma colônia de férias,onde se assomovam vários viveiros habitados por periquitos, rolinhas, saracuras,periquitões e araras que ao desfilar sua plumagem e elegância conferiam ao local uma adorável atmosfera bucólica... Mesmo sem receber qualquer espécie de estímulo o casal de araras canindé repetia a todo momento: arara, arara,arara!!!
Aos primeiros toques da sirene, eu já despertava animada e correndo me dirigia ao banheiro contíguo procurando adivinhar no fosco da vidraça, se o novo dia nascera ensolarado ou não... Saindo do quarto,olhava para o inigualável anil do céu de Serra Negra e para os morros recobertos por cafezais, cujas copas filtravam os primeiros raios solares... Nunca aquela imagem de irretocável perfeição abandonou minha retina e até hoje tal memória permanece incólume no precioso relicário de meu viver!
Costumeiramente, eu batia à porta da sala da administração, com o fito de conversar com o administrador senhor Wilson Quartim (já de saudosa memória). Simpático, extrovertido, agradável ele não perdia a oportunidade de entregar-se a um diálogo... Eu então dizia a ele...
_ Seu Wilson, o senhor sabe que a moça que trabalha em minha casa fuma enquanto lava a louça?
E ele espituoso, assim atalhava:
_ Mas, Ivoninha não seria pior se ela lavasse o cigarro e fumasse o prato? Risos ecoavam pela saleta revelando a sutileza da veia humorística de meu interlocutor...
Casualmente estávamos hospedadas no período primaveril. Reza a sabedoria popular que passeios a cavalo nesta estação devem ser evitados, pois as abelhas podem ferroar a qualquer momento o animal, que ao sofrer dores lancinantes empreende desabalada carreira, terminando então por derrubar quem nele esteja montado.
Bene, moça simpática dona de um dona de um maravilhoso astral, que cantarolava para distrair os versos da brejeira canção "Charlie Brown" (imortalizada na voz de Benito di Paula), "rouba então a cena"... Acompanhada por suas amigas e colegas de trabaho, Teresinha, Lucia, Ana e Josenilda dirige-se resoluta à mamãe dizendo:
_ Dona Yvonne,mesmo que a senhora deixe a Ivoninha andar a cavalo, nós não deixaremos! Um menino na cidade acidentou-se porque o cavalo foi picado por uma abelha e até hoje não pode andar...
Comovida com àquela excepcional demonstração de amizade minha mãe se emociona e ao agradecer sorri esbanjando toda a ternura presente em seu meigo coração...
De outra feita eu decido convidar todos os meninos ali hospedados para uma corrida. Atônitos os expectadores constatam a vitória da menina franzina, muito magra e "branquela" que naquele campeonato improvisado acabou por sagrar-se como vencedora!
Momentos de raro êxtase eram aqueles quando aos finais de semana meu pai Ramon Garcia vinha nos visitar... Pressentindo sua chegada eu ficava sentadinha à sua espera e ao avistar-lhe a silhueta corria em sua direção abraçando-o efusivamente!
Ao contrário da moça que lhes escreve;mamãe se constituía em uma exímia nadadora... Ficávamos as duas juntinhas à beira da piscina, trajando nossos maiôs, e de quando em quando mamãe assumia sua faceta atlética ao nadar lindamente por aquelas misteriosas águas azuladas. Eu, de meu turno, muito medrosa negava peremptoriamente todos os seus pedidos e me punhar a espiar os corajosos banhistas...
Um jovem e belo Oficial ao ouvir minhas insistentes negativas resolve então me convidar para mais uma tentativa de aprendizado do esporte náutico... Confiante em seu gesto de brandura e em seu incontestável traquejo, eu então me seguro firmemente em sua mão e atravesso toda a piscina!
Certa feita ao procurar pelo senhor Wilson vuslumbro vários e respeitáveis cavalheiros postados defronte à mesa examinando que estavam detalhadamente um certo documento. Aproveitando do espaço físico existente entre os Coronéis Ricardo e Aguiar eu atrevidamente passo também a proceder à tal verificação.
Encerrada a inspeção e feliz com a descoberta digo a eles:
_ Isso aí é a planta, não é?
Surpreso com façanha de uma fedelha de sete anos incompletos, o Coronel Aguiar me responde com ternura:
_ Que menina viva, esperta e inteligente! Esta é mesmo a planta do novo bar, que será um prédio maior e ainda mais bonito... Haverá várias mesas para vocês crianças jogarem damas, dominó, pebolim e muitos doces...
Implacavelmente o tempo passou meus queridos e inesquecíveis amigos! Que ventura poder rever Bene, Lucia, Teresinha e Josenilda e então dizer à elas com os olhos marejados e a voz embargada:
_ Vocês ainda se lembram de mim? Sou a Ivoninha, filha da Yvonne e do Ramon... A garotinha que um dia vocês envolveram em uma estufa de carinho e proteção ao me proibirem de passear a cavalo...
Que no momento de regressar à Pátria Espiritual eu me veja então novamente menina sentada em um carro, deslizando pela Avenida João Gerosa, prestes a chegar na Colônia de Férias de minha amada Serra Negra, morada indubitável de minha felicidade!
* Nota da Recantista: Dedicado aos meus pais Ramon (já de saudosa memória) e Yvonne., ao senhor Wilson Quartim ("in memoriam"), à Bene,Lúcia, Teresinha, Ana e Josenilda , à Madalena Franco, aos Coronéis Ricardo,Aguiar e Lessa, ao Oficial que me ajudou a nadar e aos Bombeiros que em maio de 2000 proveram o resgate de meu pai.
Que JESUS os abençoe INFINITAMENTE!
Carinhosamente,
Ivone Maria R Garcia
São Paulo, 26 de fevereiro de 2010.