AVALIANDO O PRIMEIRO SEMESTRE DE SOBRIEDADE

Tinha cinco anos de idade, quando meu pai, por causa de um derrame ficou deficiente em uma cadeira de rodas para o resto de sua vida. Eu era o caçula de uma família de cinco filhos e tudo começou aí. Como levar adiante uma família com filhos de 5 a 16 anos? Nos primeiros tempos, minha mãe conseguiu, com algumas reservas financeiras, mas depois, todos meus irmãos foram embora a fim de tratar de suas próprias vidas, cada um por si. Alguns anos mais tarde percebi que caberia a mim (pois não tinha outra alternativa) sustentar meus pais. Aquilo que estava acontecendo não era justo, não me conformava que meus irmãos progredissem na vida e eu ficasse de mãos atadas. Achei que Deus tinha me obrigado (de formação religiosa, concebia Deus como castigador) a viver para sempre aquela situação, e inconformado pelo meu destino, senti-me punido.

No meu íntimo, começou um processo de desenvolvimento de raiva, vingança e inveja de tudo e de todos. Criei metas e objetivos a fim de reverter a situação.

Iniciei minha vida profissional como Office-boy aos 14 anos, assim como a de alcoólico. Precisava tomar coragem para cumprir minha missão, e para conseguir tudo aquilo que eu queria (e não era pouco). Trabalhei muito, crescendo profissional e financeiramente. Consegui tudo aquilo a que tinha me proposto atingir e inclusive, ganhei de presente, bastante orgulho e egoísmo. Foi uma vida agitada, viajei muito e morei em vários países; enfim, tive uma vida cheia de experiências, ocupando cargos importantes, até ser empresário.

Após trinta anos de aventuras, percebi que era impotente perante o álcool. Consequentemente, o meu lado emocional estava seriamente atingido, tudo tinha sido uma farsa, tinha chegado ao limite máximo e poderia destruir em pouco tempo, tudo aquilo que tinha construído com tantos sacrifícios.

Em Outubro 92, precisava ir a um casamento com minha esposa e meus dois filhos, pois tratava-se de um compromisso irrecusável e não daria para inventar pretexto algum para não ir. Quando saímos de minha casa, já tinha tomado algumas doses para criar coragem. Fomos para a igreja e a seguir para a tradicional festa reservada para os mais íntimos; continuei bebendo e meu estado de depressão causou-me uma crise de choro que não conseguia mais deter. Todos os convidados, assustados, estavam preocupados e eu sem perceber, pois estava no “meu mundo” brigando com os meus sentimentos. Voltando para casa, por volta de uma hora da madrugada, todos foram dormir. Preferi ficar sentado na poltrona da sala meditando a meu respeito. Conclusão: queria parar de beber mas sabia que não poderia conseguir sozinho; meu orgulho não deixava que ninguém me ajudasse, era uma luta entre mim e o álcool de uma maneira interminável. Procurei ficar calmo para me concentrar nesse momento, pois achava que algo de importante iria acontecer, queria que acontecesse. Deixei esfriar minha cabeça, pedi a Deus em voz alta para me ajudar e como fazer. Fui dormir às quatro horas da madrugada.

Pedi a minha esposa para verificar em A.A. se alguém poderia vir em nossa residência para bater uma palavrinha comigo. No sábado seguinte, às 10 horas em ponto, apareceu um senhor, membro de A.A., entrou e sentou-se à minha espera. Cumprimentei-o e olhei fundo nos seus olhos. A primeira vista, parecia ser uma pessoa simples, mas o seu olhar e sua postura se distinguiam. Sentei e começamos a conversar, já tinha me preparado psicologicamente e, caso viesse dar uma palestra sobre religião ou me falar de normas e procedimentos em A.A., eu não iria aceitar, pois como alcoólico, nunca me enquadrei em estruturas rígidas. Para minha surpresa, nada do que estava imaginando aconteceu. Fui convidado para assistir sem nenhum compromisso, a uma reunião de A.A. que se daria nesse mesmo dia. Eu poderia avaliar pessoalmente do que se tratava, ofereceu-se para me levar no seu carro (eu não dirigia mais por causa da fobia). Concordei e assim foi minha primeira e inesquecível reunião de A.A., na qual ingressei e escolhi esse inesquecível senhor para meu padrinho.

Praticamente uma semana depois, não estava bebendo nenhuma bebida alcoólica e simultaneamente, tive um despertar espiritual e comecei a palavra Deus nas reuniões, ainda que com certo nervosismo e a boca seca.

Desde aquela data, vêm acontecendo fatos pouco compreensíveis em minha vida. Fui muito ajudado pelos companheiros, pelas reuniões e pela literatura de A.A. Deus fez com que por “coincidência”, tivesse disponibilidade de tempo para minha recuperação, que por “coincidência”, minha família se aproximasse mais de mim e que por “coincidência”, alguns problemas particulares estejam se resolvendo. Estou me sentindo no rumo certo, e o mais importante – não estou sentindo falta da bebida alcoólica, estou me habituando em minhas orações a não pedir mais nada a Deus, estou tentando saber o que Ele quer de mim.

Iniciei a prática dos Doze Passos logo no começo, e depois recomecei tudo com mais calma, tentando me aprofundar nesses princípios. No inicio andava com muita pressa e em tudo o que eu fazia, misturava o medo com a impaciência e com os resultados. Tive muita sorte, pois sou padrinho de dois companheiros recém-chegados, preciso deles para me sentir bem, pois são duas pessoas maravilhosas.

Trabalhei bastante no Décimo Segundo Passo, queria abraçar e fazer tudo. Na verdade já estavam aparecendo resultados positivos, e muito cedo, fui sugerido para coordenar reuniões e ser R.I. do meu grupo. Fiz contatos com vários tipos de organizações a fim de divulgar A.A. (Trabalho com os Outros), e percebi que essa empolgação toda poderia inflar meu ego. Decidi na hora tirar o pé do acelerador para não sofrer um acidente, optando pelos lemas “Vá com calma, viva e deixe viver”. Acho que o alcoólico não deve viver com altos e baixos, minha meta, é para toda a vida, isto é, conseguir viver com perfeito equilíbrio emocional.

Não posso me queixar nem um pouco da nova “vida”, pois tento apreciar a sobriedade procurando a serenidade.

O túnel ficou atrás, e aconteça o que acontecer, esteja onde estiver, sempre estarei dentro de um grupo de Alcoólicos Anônimos.

XavierT – SP- Brazil

Revista Vivência de A.A. – Julho/Agosto 1994

Xavier T
Enviado por Xavier T em 03/11/2009
Código do texto: T1903083
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