Alcoolismo "Uma luz no fim do túnel" 5 - O Cristo Redentor esperando por mim

O Cristo Redentor esperando por mim

Querendo chegar ao topo por causa das ambições doentias

Mais uma fuga procurando a própria identidade

Em fevereiro de 1977, estávamos chegando a São Paulo os três, minha mãe, Augusta e eu, obviamente meu cachorro Vladi veio junto. Provisoriamente nos hospedamos na casa dos pais de Augusta até que eu soubesse o que iria fazer de minha vida, era a primeira vez que ficaria sem trabalhar alguns meses programando meu futuro sem ser obrigado a trabalhar para sustentar meus pais e eu mesmo, não tinha mais obrigações financeiras e tinha uma boa reserva em dinheiro, resultado da venda dos meus bens na França. Não falava uma palavra de português, para comprar cigarros era minha sogra quem o fazia porque eu não sabia pedir. Quando saía dar uma volta no quarteirão com o cachorro, as pessoas mudavam de calçada porque nunca tinham visto de verdade um cocker spaniel, naquele tempo haviam pouquíssimos cachorros de raça, via-se os vira-latas e a carrocinha perseguindo-os, meu sogro que gostava muito do Vladi ia passear com ele antes do almoço, uma vez comprou um “cachorro quente” para o Vladi comer, a noite quando ele voltava de sua padaria trazia sempre no bolso pedaços de presunto e algum doce com chantilly para minha mãe. Eu estava otimista sobre meu futuro, meu primeiro projeto era de construir residências para vendê-las e posteriormente fazer operações imobiliárias mais arrojadas como construir prédios de apartamentos, e o que mais eu queria era ficar rico, achava que o Brasil estava esperando por mim. Com o capital trazido da França daria para começar, além disso, Augusta tinha um apartamento bem próximo à casa dela, a menos de cem metros de distância, era o primeiro prédio construído naquela avenida, ela e seu irmão tinham adquirido os dois apartamentos do ultimo andar, o da Augusta naquele momento estava alugado.

Nas primeiras semanas de adaptação aqui no Brasil, Augusta engravidou, ela conseguiu trabalho na especialidade dela que era nutrição e conseguimos finalmente alugar uma casa no bairro Vila Madalena em Pinheiros. Meus sogros ofereceram-se para desocupar sua casa e deixa-la vaga para que eu montasse algum comercio, eles iriam morar no apartamento de meu cunhado ali perto. Fizemos acordo e comecei a pensar qual tipo de negocio eu poderia montar, a única profissão que conhecia a fundo era de instalações hidráulicas, porém aqui essas instalações eram diferentes da Europa mas não havia nenhum problema em adaptar meus conhecimentos à realidade daqui. Decidi montar uma loja “show-rom” para banheiros, calefação não serviria aqui portanto me limitaria às decorações e fornecimento de louças e acessórios para banheiro, abri minha primeira firma, a “Sanishop”, fiz as plantas e mandei reformar a casa dos meus sogros, eu administrava e acompanhava a reforma, de fachada estilo mediterrâneo que estava na moda, ficou linda e chamava a atenção, também valorizou o imóvel. Não fiz um grande negocio, pois a localização era num bairro de classe media e a loja estava voltada para clientes da classe “A”, tive algumas clientes que vinham à loja com seu motorista particular.

Em janeiro de 1978 nasceu nosso primeiro filho que chamamos de Xavier, isto nos causou uma grande alegria a todos, nasceu as cinco horas da manhã no Hospital Albert Einstein e a ginecologista que acompanhou toda a gravidez e que foi responsável pelo parto era uma amiga de infância de Augusta, a Dra. Maria Helena, fui depois para casa tomar banho e em seguida para a loja, fui no bar ao lado e convidei a todos a beber por minha conta, meu coração batia forte e estava muito emocionado. Algumas semanas depois do nascimento minha mãe voltaria à França novamente, ela ficou um ano aqui com a gente, eu a levei até o Rio para que embarcasse para Europa. Um ano após ter montado o show rom, percebi que o melhor a fazer seria passar o ponto, houve alguém interessado em comprar o imóvel para montar um negocio, meu sogro vendeu e dividiu conosco uma parte porque tinha vendido como prédio comercial e não residencial. Neste lapso de tempo compramos um terreno na zona oeste de São Paulo, num bairro residencial que tinham loteado a pouco tempo, Augusta vendeu seu apartamento para ajudar a financiar a construção da casa que eu mesmo tinha projetado e um engenheiro brasileiro assinado a planta como responsável. Mais uma vez fui acompanhando e administrando a construção de nossa casa, grande com três pavimentos e de arquitetura diferenciada naquela época, todas as salas em desnível, tinha o sonho de ter lareira mesmo se estivéssemos em um país tropical, fui chamado de louco mas eu não me importava, no subsolo haveria um bar com sistema de som para receber os amigos e não perturbar nossos filhos que dormiriam no pavimento superior, longe do barulho. Surgiram conflitos entre os empreiteiros e eu, pois eu era muito exigente e a mão de obra bastante fraca, mesmo assim, conseguimos ir até o fim, o dinheiro ficou curto para os acabamentos, tinha até mandado fazer um buraco para a piscina que depois precisei mandar encher de terra novamente por falta de recursos.

As saudades da França começaram a se manifestar, achei que realmente estava em um país sub desenvolvido e que seria muito difícil me adaptar, já tinha um filho e seu futuro me deixava muito preocupado. Eu mantivera contato com alguns franceses da colônia aqui em São Paulo, durante a construção de minha casa, um deles estava a pouco no Brasil para abrir uma filial francesa e me convidou para trabalhar com ele como free lance, topei porque seria independente mas o mais importante era que trabalharia com gente que falava e pensava como eu, simplesmente era uma fuga da realidade que estava vivendo. Após alguns meses fui convidado para trabalhar na firma francesa em questão, era uma empresa de refeições coletivas, ou seja, terceirizavam as refeições nas industrias, eu que nunca tinha estado numa cozinha industrial disse que não entendia do negocio, mas argumentaram que não se tratava que eu fizesse comida e sim que mantivesse os contratos de prestação de serviço junto aos clientes, e que pelo fato de ter uma esposa nutricionista aprenderia rapidamente a profissão. Fui contratado como supervisor de restaurantes industriais, para mim era uma novidade, mas o essencial foi que em pouco tempo os restaurantes que estavam sob minha responsabilidade começaram a dar muito lucro, bem mais da media. Eu continuava a não estar bem comigo mesmo, tinha uma excelente oportunidade de carreira pela frente mas tinha barreiras que não me deixavam suportar nem o ambiente nem estar de bem com a vida, meu orgulho era muito grande, quando ia ao restaurante dos clientes e via aquelas bandejas estampadas que nunca tinha visto antes, dava-me a impressão de estar vendo os soldados da guerra do Vietnam comendo, eu evitava comer nos restaurantes dos clientes porque interpretava como um poder de comando das organizações estruturadas sobre seus funcionários, eu estava habituado a trabalhar em escritórios de planejamento, nunca tinha trabalhado em industrias nem em produção, também havia outra razão que para mim era de suma importância, nas industrias bebia-se nas refeições, sucos, refrigerantes ou água o que para mim parecia ser um pecado grave porque toda minha vida tomei vinho nas minhas refeições, sabia que o Brasil não tinha o costume de beber vinho mas achava que pelo menos cerveja deveria ter na mesa.

Curtia o lar quando chegava a noite em casa, sempre fui do tipo caseiro pois “meu canto” dava-me segurança, talvez por causa das incertezas durante minha infância e adolescência, brincava a noite com meu filho Xavier enquanto tomava meus aperitivos e esperava sair o jantar. As vezes íamos viajar durante o fim de semana, certa vez fomos no sul de Minas numa chácara de um amigo nosso, fazia muito calor e haviam muitos pernilongos que não nos deixavam dormir, o Xavier foi picado por uma mosca que introduziu um verme na cabeça dele o que nos causou transtornos quando voltamos para casa pois não conseguia dormir a noite, eu mandei à Augusta que fosse ao medico para retirar o verme, fizeram lhe um corte na cabeça para retira-lo mas sem sucesso, finalmente praticamos uma formula caseira que se tratava de colocar um pedaço de toucinho preso com um curativo em cima do buraco onde se hospedava o verme, o que realmente funcionou mesmo se não era do meu agrado. Em janeiro de 1981 Augusta engravidou novamente de nosso segundo filho, aconteceu durante umas férias na praia e tenho certeza de em qual relacionamento ela engravidou, assim como quando engravidou do primeiro filho quatro anos antes. O Alain nasceu no mês de outubro, no mesmo hospital e pelas mesmas mãos da Dra. Maria Helena como para o Xavier, grande e forte como seu irmão mais velho, se tivesse sido menina teria-se chamado Aline esse foi o trato que combinamos com Augusta. A essas alturas tínhamos além do Vladi outro cachorro, um pastor alemão que chamamos de Black (pus este nome porque quando era pequeno meu pai me contava historinhas de que em sua juventude tinha um cachorro que levava este nome), era grande e bonito o Xavier brincava muito com ele e se adaptou bem sem brigas com nosso Vladi, mas infelizmente tinha osteoporose, uma doença da qual não conseguiu se recuperar e o fazia sofrer, tivemos que nos desfazer dele alguns meses depois.

Na firma onde trabalhava a diretoria da matriz e até o dono vinham com uma certa freqüência da França para acompanhar os primeiros passos da filial Brasileira, a cada ano abriam-se filiais em novos paises e o Brasil era o primeiro da América Latina, um dia o diretor geral recebeu um telex da matriz dizendo que estavam abrindo uma filial na Argentina e que estavam fazendo uma concorrência para a construção de uma nova usina hidroelétrica em consorcio entre Paraguai e Argentina, uma usina chamada Yaciretá onde haveria sete mil funcionários durante a construção e que havia interesse em prestar os serviços de estadia e alimentação nessa obra isolada, pediram no telex para enviar o Xavier para Argentina e depois ao Paraguai com o objetivo de fazer um levantamento e estudo da viabilidade do projeto para fazer a proposta de serviços. Senti-me lisonjeado e realizado quando o diretor geral me comunicou sobre minha viagem que iria fazer e as explicações sobre a missão de três semanas nos paises vizinhos. Embarquei no aeroporto de Congonhas para Buenos Aires, ali estavam dois executivos da firma que me deram mais detalhes sobre o que eu iria fazer em Assunção, estava hospedado num belíssimo hotel de arquitetura antiga perto da Casa Rosada, nas refeições no próprio hotel costumava pedir o famoso “bife de chorizo”, uma carne deliciosa que nem na França tinha comido, tido acompanhado de uma boa garrafa de vinho argentino tinto. No Paraguai tinha tudo esquematizado para minha estadia, desde a reserva no hotel guarani como todas as visitas com fornecedores, companhias de transporte e até com um responsável do ministério do trabalho, gostei muito deste trabalho que me permitia sentir-me alguém importante. Saía diariamente do hotel de táxi e fazia minhas visitas e reuniões, ao final da tarde voltava ao hotel onde tomava banho e começava a premiar-me pelo meu dia tomando um drinque atrás do outro, quando terminava de jantar estava para lá de Bagdá, assistia um pouco a TV mas não havia grande coisa para assistir. Algumas vezes fui procurado no hotel sem saber como me tinham localizado, por fornecedores e até um criador de gado, tomávamos alguns aperitivos no bar do hotel, eles tinham como objetivo fornecer seus produtos caso ganhássemos a concorrência, fizeram-me propostas de ordem financeiro não muito honestas. Voltei a Buenos Aires antes de retornar a São Paulo para deixar meu relatório sobre meu trabalho assim como todos os dados que consegui durante minha estadia no Paraguai. Voltei a São Paulo, aproveitei para trazer varias garrafas e até um garrafão de whisky que comprei no free-shop.

Cansei-me de me debater para me adaptar ao Brasil, a casa em construção estava quase pronta para irmos morar nela, mas um dia resolvi pedir minha demissão, até porque o diretor francês que conheci no inicio e me contratou tinha voltado à França e sido substituído por outro diretor brasileiro, daí ficou bem pior para mim e não admiti em hipótese nenhuma estar subordinado ao novo diretor, mesmo com promessas de altos cargos no grupo dei lhe um ano (tipo ameaça, porque sabia que precisava muito de mim) para que “ele” se adaptasse ao seu novo cargo e eu pudesse ir embora definitivamente para França. Acho que não acreditou e não me levou a serio, mas, exatamente um ano depois fui embora da empresa, nas vésperas de ser promovido e transferido como gerente da primeira filial no Rio de Janeiro.

Conheci nesta empresa o primeiro amigo brasileiro, o Plínio, chegou alguns meses depois de mim, em principio iria trabalhar na área comercial mas acabou ficando no mesmo departamento que eu na supervisão dos restaurantes, cada um de nós tinha uma dúzia aproximadamente, mais tarde se juntou a nós o Richard, na verdade o único que era do ramo pois nem o Plínio nem eu nunca tínhamos trabalhado nessa profissão, a nutricionista que fazia toda a parte puramente técnica era a Sueli, este era o departamento operacional da empresa. Com quem mais me afinei sempre foi com o Plínio, chegamos a ter uma amizade extra profissional e as vezes íamos até jantar com nossas esposas durante o fim de semana, durante a semana e após o expediente íamos religiosamente tomar algumas cervejas regadas com Stanheiger, ele bebia socialmente de modo normal, eu tinha o habito do exagero costumeiro a menos que estivesse doente. O Plínio sabia respeitar nossas liberdades de relacionamento, nunca entrou no meu campo nem eu no dele, tínhamos mutuo respeito um pelo outro, ele sabia de minha decisão de voltar a Europa, e sabia que ele tinha grande futuro na empresa, pois era mais equilibrado emocionalmente que eu, atualmente é ele quem dirige a empresa que cresceu muito no Brasil.

Xavier T
Enviado por Xavier T em 08/06/2009
Código do texto: T1638349
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