Alcoolismo "Uma luz no fim do túnel" 6 - No desespero, minha família afundava junto comigo.
No desespero, minha família afundava junto comigo
Desnorteado voltava ao inferno
A queda livre estava começando
Após os benefícios chegam os prejuízos
Parti à frente de volta a Europa, coloquei nossa casa a venda e deixei uma procuração ao meu cunhado para poder tratar deste assunto, era no mês de fevereiro de 1982, cinco anos após minha chegada em 1977. O Daniel tinha me proposto trabalhar no seu escritório em Paris, deste modo eu ia à frente para poder preparar a vinda posterior de Augusta e os filhos, o Vladi foi junto comigo. Sei que Augusta não concordava muito com esta decisão mas aceitou por causa das crianças. Quando cheguei em Paris fiquei morando com minha mãe que estava numa residência para pessoas idosas, eram casinhas individuais de um dormitório, o que seria suficiente enquanto recomeçasse minha vida na França, assim economizava aluguel. Os primeiros meses eram muito difíceis de suportar por causa da separação geográfica da Augusta e dos filhos, para conseguir suportar a situação bebia descontroladamente todos os dias, quando faltava bebida parava no caminho para comprar unicamente uma garrafa de whisky, sozinho com minha mãe não tinha nenhuma graça viver aquela vida, estava naquela situação por causa de minha teimosia e orgulho, percebi que meu padrão de vida tinha despencado, o socialismo tinha tomado conta da política na França, o desemprego e crise eram permanentes e ficava ali por principio, batia mais forte a emoção do que a razão. Freqüentemente quando voltava do serviço a noite ia jantar na casa de minha sobrinha Vinyet, que morava a uns dois km da residência de minha mãe, era mais jovem e seu marido muito simpático, quase que diariamente passava por lá, ela trabalhava no refeitório de uma escola e trazia diariamente muita comida que sobrava das refeições, passava algumas horas com eles para me distrair e esquecer que Augusta e as crianças estavam muito longe, comíamos e bebíamos bastante até tarde da noite. Os meses passaram, comprei um carro para facilitar o transporte para ir ao trabalho, correspondia-me com Augusta por carta e justamente durante esses meses meu sogro ficou muito ruim de saúde, ela alegou não querer ir de imediato para não piorar a doença do meu sogro, até porque tinham saído da Vila Madalena e moravam junto com meus sogros. Na minha ausência, um dia o Alain brincando com o Xavier na cama de casal pegou no interruptor que não estava bem fechado, pegou nos fios elétricos e se machucou, ficou uma cicatriz na mão dele para sempre. No mês de dezembro, não suportando mais a solidão e separação da esposa e dos filhos subiu o sangue na minha cabeça e resolvi comprar uma passagem de ida e volta para vir ao Brasil buscar pessoalmente a família. Fui na agencia da Varig em Paris que estava localizada nos Champs Elysées, comprei a passagem para viajar no mesmo dia a noite, liguei para Augusta para que viesse me buscar no aeroporto de São Paulo no dia seguinte.
Cheguei como previsto no aeroporto de Congonhas cedo de manhã, estavam me esperando Augusta, Xavier e Alain, a alegria foi imensa por matar saudades, mas contrariado por não estarmos ainda todos juntos na França. Passei as festas do fim de ano junto com eles, estudamos com Augusta a melhor maneira de comunicar especialmente ao meu sogro sobre a volta de todos à França. Compramos as passagens deles para voltar no mesmo vôo que o meu, e deixamos para comunicar ao meu sogro nossa partida no mesmo dia poucas horas antes de irmos ao aeroporto. Hoje penso que aquela viagem de volta deles à França foi um pouco forçada mas eu não queria ficar mais nenhum dia sem eles em Paris. Ficamos uns poucos meses na residência de minha mãe, mesmo que apertados, procurávamos uma moradia para alugar, fomos ver um apartamento e achamos o aluguel caro pelo que estavam oferecendo, mas surgiu outra oportunidade através do Santiago, ele disse que um colega de trabalho que morava em Lesigny a uns 20 km de Champs sabia de uma casa para alugar com um preço muito bom e que o lugar era excelente, peguei o endereço e fui ver somente por fora para apreciar a localização, gostei muito do lugar, era como eu queria, num condomínio onde as casas construídas não tinham muros entre os vizinhos, todo gramado e ajardinado. Marquei com a agencia imobiliária e fomos no dia seguinte visitar com Augusta, ela também adorou, nos fundos da casa havia um jardim com churrasqueira um riacho pequeno e a floresta, no condomínio tinha um club com quadras de tênis, piscina e todas as comodidades, o condomínio tinha sido projetado por uma companhia americana, era novidade na França e por sua localização não muito distante do aeroporto de Orly moravam la, pilotos e outros funcionários de companhias aéreas, o ambiente era excelente e fechamos negocio.
Mudamos a Lesigny, rapidamente Augusta conheceu vizinhos e outras pessoas no club, a escola para as crianças estava na saída do condomínio e também havia um microônibus que pegava as crianças para levá-las a escola, o Xavier as sete da manhã já estava no ponto de ônibus que se encontrava a vinte metros da porta de casa para ir a escola. Era muito agradável morar ali, mas nossa situação era bastante diferente da maioria dos moradores; somente eu trabalhava e meu salário não sendo muito elevado vivíamos muito apertados, tínhamos somente um carro Austin Morris “Mini” azul que tinha comprado quando ainda estava sozinho morando com minha mãe, e pela localização do condomínio seria preciso que Augusta tivesse também um carro para poder se locomover, em fim, esperava poder encontrar um novo emprego que me colocasse no “status” que eu merecia, tinha adquirido mais experiência durante meus cinco anos de permanência na América do Sul e pensei que facilmente contornaria a situação e que nos encontrávamos.
Em maio de 1983 recebemos a triste noticia por telefone que meu sogro tinha falecido, foi difícil para Augusta viver aqueles momentos longe da sua família.
Meu relacionamento com o Daniel tinha mudado muito, praticamente era uma relação patrão e empregado, não entendia o porque não tinha mais intimidade comigo, penso que recebera alguma boa quantidade de dinheiro e se colocou por cima de mim, nunca lhe perguntei porque estava agindo desse modo, eu somente tinha em mente arrumar outro emprego e não trabalhar mais com ele. Enviei inúmeros currículos mas a resposta era sempre a mesma, falta de diplomas. O índice de desemprego era muito alto, anualmente entravam muitos jovens recém formados no mercado de trabalho e não haviam vagas suficientes para eles, tudo isso misturado com a administração socialista do governo que abrigava imigrantes de outros paises com os braços abertos, imigrantes estes que a curto prazo elevariam o numero de desempregados no pais e recebendo o salário desemprego pago pelo governo. As expectativas que eu tinha criado em relação à França estavam indo água abaixo, fiquei decepcionado. Percebi logo que seria bastante difícil para eu progredir profissionalmente como vinha acontecendo desde a idade de quatorze anos quando comecei na SETAP como continuo, me resignei com minha situação e não foi nada bom para mim, meu orgulho estava começando a dar o troco. Para ajudar nas despesas da casa Augusta começou a passar roupa para outros moradores do condomínio e a ocupar-se das crianças das vizinhas depois que estas saiam da escola até as mães voltarem do trabalho, me senti muito envergonhado e pisoteado por viver aquela situação, o que iria explicar aos meus filhos quando estes fossem alguns anos mais velhos?, meu sonho de “pai modelo” estava longe da realidade, para completar o quadro vi-me obrigado no fim de ano em ir a uma quermesse onde vendiam brinquedos usados para comprar alguns para os meus dois filhos, foi o fim da picada, ainda bem que eles inocentes não entenderiam minha dor nem meu orgulho ferido, nesta época aumentei bastante minha ingestão de bebida alcoólica.
Uma manhã de inverno estava indo para meu trabalho e tinha o habito de passar na minha mãe para tomar um cafezinho, pois ela morava bem no meio do trajeto, naquela manhã particularmente havia grande quantidade de neblina, era de noite ainda e precisava colocar os faróis baixos porque senão não enxergaria nada, de repente andando pela estrada bem devagar e colado no carro da frente senti-me envolto pela neblina, faltava-me o ar para respirar, parecia que estava me afogando sem saber porque, não dava para parar e ficava cada vez mais nervoso, para me distrair ligava o radio e mudava de estação, subia a janela para que entrasse um pouco de ar e de repente a fechava de novo, vivia uma agonia e uma angustia indescritíveis, era na realidade minha primeira crise de síndrome do pânico, quando o transito começou a andar um pouco melhor parei o carro no acostamento e fui fazer xixi, e tomar um pouco de ar fresco, consegui chegar até a casa de minha mãe, não quis tomar café e me deitei para ver se minha crise passava, liguei no escritório para falar com o Daniel explicando lhe o que tinha acontecido, quando me encontrei um pouco melhor voltei para minha casa e chamei um medico, deu-me alguns dias de repouso e remédios para tomar mas desencadeou-se naquele momento outra doença de difícil cura e que me persegue até os dias de hoje.
Para ganhar algum dinheiro suplementar fazia bicos após meu serviço com um rapaz que fazia projetos por empreitada, sempre estava sobrecarregado de trabalho, isto é, os bicos eram quase contínuos, trabalhava mais horas mas estava precisando, o local onde fazia os bicos era em Chelles que também ficava no percurso de volta à Lesigny, teria gostado trabalhar o tempo todo com o rapaz mas era arriscado pois não tinha nenhuma garantia que haveria sempre serviço para os dois, não quis tomar riscos.
Em 1985 minha sogra veio nos visitar a Lesigny, ficou uns tempos conosco e planejamos ir a Portugal de férias pois ela iria ficar lá de passagem na volta para o Brasil, ela foi à frente de avião de Paris até Lisboa, e nós saímos uns dias depois os quatro rumo a Espanha e Portugal, tinha alugado dois quartos numa casa particular em Figueira da Foz. Passamos ali quase um mês de férias, aproveitando para visitar a cidade onde minha sogra tinha morado durante sua mocidade, chegaram amigos da família de São Paulo e um dia nos convidaram para almoçar, por conhecerem bem a cidade pedi lhes onde poderia comprar um garrafão de “bagaceira” para levar de lembrança à França, compramos após o almoço e levei para tomar em Lesigny, não durou muito tempo porque todo domingo após o almoço bebia grande quantidade daquela aguardente enquanto tomava o café e fumava uma cigarrilha.
Antes de partir de férias a Portugal tinha recebido uma carta do meu amigo Plínio de São Paulo, me comunicando que ia chegar à França e ficar algumas semanas porque faria um estagio na matriz, justamente coincidia com nossa volta das ferias de Portugal, chegamos e no dia seguinte fui buscar o Plínio no aeroporto de Orly, preferiu que o levasse até o seu hotel mas ficou combinado que viria jantar algum dia da semana em casa e que passaria o fim de semana com a gente em Lesigny. Meu filho Xavier estava comigo e fomos os três até o hotel, tomou banho e se refrescou, como era à tardezinha descemos para tomar uns chopes ao lado do hotel, até que bebemos bastante lembrando-nos de nossos velhos tempos na firma que trabalhamos juntos e da qual ele ainda era funcionário.
Vi o Plínio varias vezes e também passou um fim de semana em casa, conversamos bastante sobre seu trabalho e sua família, fomos dar uma volta a pé pelo condomínio e sentamos no club na beira da piscina, confidenciei lhe sobre minha vida e meus problemas mas em nenhum instante me dobrei mostrando lhe que poderia estar arrependido de ter voltado à França e perdido a oportunidade de carreira no Brasil, tudo isso por causa de meu orgulho. Entretanto, ele tinha permanecido na firma e, apesar de passar por algumas dificuldades conseguiu supera-las e continuar sua ascensão profissional, não sei se Augusta teve alguma conversa particular com ele durante sua estadia em casa, pressuponho que sim, que ela pode ter lhe contado o que meu orgulho não me deixou contar. Durante nosso bate papo na beira da piscina perguntou-me se surgisse alguma vaga na firma do Brasil se eu aceitaria voltar de novo, minha resposta foi que se isso viera a acontecer pensaria na hora. No dia do embarque para retornar a São Paulo, fomos jantar os dois num dos melhores e mais famosos restaurantes de Paris, era no Train Bleu na Gare de Lyon, um suntuoso restaurante dentro da estação de trem com decoração “retro” e todas as paredes revestidas de veludo, o pé direito era muito alto, os tradicionais garçons vestidos de preto com seus aventais logos até os pés, o Plínio fez questão de tomar como aperitivo um “Kirsh Royal” eu fui na dele e pedi a mesma coisa, foi um jantar gastronômico que nunca esquecerei. Acompanhei-o ao aeroporto Charles de Gaulle e embarcou para São Paulo. Confesso que estava revoltado comigo mesmo, reconhecia meus erros nas decisões que vinha tomando nos últimos anos e o pior, estava levando mulher e filhos a viver uma vida completamente contrária a que eu desejava para eles. Senti que estava em queda livre afundando e perdendo o domínio de minha vida, para suportar tais situações precisava beber, não conseguia mais enfrentar a realidade de frente. O peso da responsabilidade da família me amarrava e não podia mais chutar o pau da barraca e “fugir”, percebi que era um fraco e vivia em depressão constante.
Decepcionado e derrotado a vida não tinha mais sentido, a única segurança que tinha era que morávamos num país de boa estrutura social, eventualmente nada de mal aconteceria à Augusta e às crianças, não tinha mais nenhum objetivo pela frente, estava completamente perdido, foi uma época muito triste de minha vida.
Em março de 1986, o dia do aniversário de Augusta, o telefone tocou, era o Plínio que estava me ligando de São Paulo, lembrou me daquela conversa que tivemos na beira da piscina quando veio passar o fim de semana em casa, estava me propondo de retornar ao Brasil na firma que trabalhamos juntos e que agora ele tinha assumido o cargo de gerente de operações a nível Brasil, dissera me se estaria interessado em ocupar o cargo de gerente regional em Campinas interior do estado de São Paulo a cem quilômetros da capital e que se topasse iria morar naquela cidade. Pegou me de surpresa e não soube o que responder, pedi lhe um dia para pensar e lhe dar a resposta. Veio na minha mente o pensamento de que talvez estava chegando a oportunidade de reverter a situação em que estava vivendo, pensei em Augusta e os filhos, lembrei-me de qual era minha posição quando trabalhei em São Paulo, da casa que tinha construído e que ainda era nossa, todos esses pensamentos e a possibilidade de recomeçar tudo de novo me influenciaram positivamente para a tomada de decisão. Conversei com o Plínio no dia seguinte e aceitei, ele me dissera que precisava chegar a São Paulo o mais rápido possível, eu lhe respondi que precisava tratar da mudança e que isso levaria um certo tempo, que Augusta e as crianças iriam a frente enquanto eu tratava de tudo na França, e ficou assim combinado. Evidentemente a alegria de Augusta foi muito grande, mas eu tomei sozinho a decisão de retornar ao Brasil.
Como quem vai começar uma vida nova, resolvi me desfazer de muitas coisas e objetos pessoais, dei todas as roupas e calçados, vendi meu som, filmadora e outros apetrechos mais. Comprei algumas roupas novas para quando chegasse ao Brasil, na véspera de partir pedi à Odette minha irmã para que me fizesse a barra das calças e passasse no ferro elétrico a roupa, seria a ultima vez que iria ver minha irmã Odette viva.