Alcoolismo "Uma luz no fim do túnel" 8 - Uma luz no fim do túnel
Uma luz no fim do túnel
Estava começando uma segunda vida
Os primeiros tempos de sobriedade
No dia seguinte, domingo, comecei a ler os folhetos que tinham-me dado durante a reunião, evidentemente continuava bebendo mas com a curiosidade e o desejo de conhecer o A.A. não esquecendo o que tinha visto e escutado em minha primeira reunião, assim como meu ingresso na Irmandade. Peguei um dos folhetos que me deram na reunião, cujo título era “Você deve procurar o A.A.?”, abri-o e havia doze perguntas que somente eu poderia responder, não era nenhum questionário médico nem coisa parecida, também não era dever de casa para preenchê-lo e entrega-lo no grupo, simplesmente era para ver se as perguntas tinham algo a ver comigo e com meu modo de beber, verificar se me identificava com cada pergunta, eis o conteúdo do folheto:
Somente você poderá determinar se o programa de A.A. – a maneira de viver de A.A. – tem algum sentido para você e pode ajudá-lo.
É uma decisão que você terá de tomar por sua própria conta. Ninguém em A.A. poderá fazê-lo por você.
Nós, que hoje somos membros, ingressamos em A.A. porque reconhecemos que a bebida havia se convertido em um problema que não podíamos controlar sozinhos. A princípio, muitos de nós não queríamos admitir que não conseguíamos mais beber normalmente. Porém, quando membros veteranos de A.A. nos contaram que, para eles, o alcoolismo era uma doença que, como a diabete, podia ser detida, começamos a procurar em nós mesmos os sintomas dessa enfermidade.
Encaramos os fatos referentes a esta doença em particular, da mesma forma com que enfrentaríamos qualquer outro problema sério de saúde. Demos respostas honestas às perguntas realistas sobre nossa maneira de beber e seus efeitos na nossa vida cotidiana.
Eis algumas perguntas que tivemos de responder. Sabemos por experiência própria que qualquer pessoa que responder SIM a QUATRO ou mais destas doze perguntas, tem claras tendências para o alcoolismo (e poderá já ser um alcoólico).
Por que não tentar, você mesmo, responder a estas perguntas? Lembre-se que não há desonra em admitir que você tem um problema de saúde. Se existe realmente um problema, o importante é solucioná-lo.
(1) Já tentou parar de beber por uma semana (ou mais), sem conseguir atingir seu objetivo?
Muitos de nós “largamos a bebida” muitas vezes antes de procurar A.A. Fizemos serias promessas aos nossos familiares e empregadores. Fizemos juramentos solenes. Nada funcionou até que ingressamos em A.A. Agora não lutamos mais. Não prometemos nada a ninguém, nem a nós mesmos. Simplesmente esforçamo-nos para não tomar o primeiro gole hoje. Mantemo-nos sóbrios um dia de cada vez.
(2) Ressente-se com os conselhos dos outros que tentam faze-lo parar de beber?
Muitas pessoas tentam ajudar bebedores problema. Porém, a maioria dos alcoólicos ressente-se com os “bons conselhos” que lhes dão. (A.A. não impõe esse tipo de conselho a ninguém. Mas, se solicitados, contaríamos nossa experiência e daríamos algumas sugestões práticas sobre como viver sem o álcool).
(3) Já tentou controlar sua tendência de beber demais, trocando uma bebida alcoólica por outra?
Sempre procurávamos uma fórmula “salvadora” de beber. Passamos das bebidas destiladas para o vinho e a cerveja. Ou confiamos na água para “diluir” a bebida. Ou, então, tomamos nossos goles sem misturá-los. Tentamos ainda beber somente em determinadas horas. Porém, seja qual for a fórmula adotada, invariavelmente acabamos embriagados.
(4) Tomou algum trago pela manhã nos últimos doze meses?
A maioria de nós está convencida (por experiência própria) de que a resposta a esta pergunta fornece uma chave quase infalível sobre se uma pessoa está ou não a caminho do alcoolismo, ou já se encontra no limite da “normalidade” no beber.
(5) Inveja as pessoas que podem beber sem criar problemas?
É obvio que milhões de pessoas podem beber (às vezes muito) em seus contatos sociais sem causar danos sérios a si mesmos, ou a outros. Você parou alguma vez para perguntar-se por que, no seu caso, o álcool é, tão freqüentemente, um convite ao desastre?
(6) Seu problema de bebida vem se tornando cada vez mais sério nos últimos doze meses?
Todos os fatos médicos conhecidos indicam que o alcoolismo é uma doença progressiva. Uma vez que a pessoa perde o controle da bebida, o problema torna-se pior, nunca desaparece. O alcoólico só tem, no fim, duas alternativas: (1) beber até morrer ou ser internado num manicômio, ou (2) afastar-se do álcool em todas as suas formas. A escolha é simples.
(7) A bebida já criou problemas no seu lar?
Muitos de nós dizíamos que bebíamos por causa das situações desagradáveis no lar. Raramente nos ocorria que problemas deste tipo são agravados, em vez de resolvidos, pelo nosso descontrole no beber.
(8) Nas reuniões sociais onde as bebidas são limitadas, você tenta conseguir doses extras?
Quando tínhamos de participar de reuniões deste tipo, ou nos “fortificávamos” antes de chegar, ou conseguíamos geralmente ir além da parte que nos cabia. E freqüentemente continuávamos a beber depois.
(9) Apesar de prova em contrário, você continua afirmando que bebe quando quer e pára quando quer?
Iludir a si mesmo parece ser próprio do bebedor problema. A maioria de nós que hoje nos encontramos em A.A., tentou parar de beber repetidas vezes sem ajuda de fora. Mas não conseguimos.
(10) Faltou ao serviço, durante os últimos doze meses, por causa da bebida?
Quando bebíamos e perdíamos dias de trabalho na fábrica ou no escritório, freqüentemente procurávamos justificar nossa “doença”. Apelamos para vários males para desculpar nossas ausências. Na verdade, enganávamos somente a nós mesmos.
(11) Já experimentou alguma vez “apagamento” durante uma bebedeira?
Os chamados “apagamentos” (em que continuamos funcionando sem contudo poder lembrar mais tarde o que aconteceu) parecem ser um denominador comum nos casos de muitos de nós que hoje admitimos ser alcoólicos. Agora sabemos muito bem quais os problemas que tivemos nesse estado “apagado” e irresponsável.
(12) Já pensou alguma vez que poderia aproveitar muito mais a vida, se não bebesse?
A.A., em si, não pode resolver todos os seus problemas. No que se refere, porém, ao alcoolismo, podemos mostrar-lhe como viver sem os “apagamentos”, as ressacas, o remorso ou o desconsolo que acompanham as bebedeiras desenfreadas. Uma vez alcoólico, sempre alcoólico. Portanto, nós em A.A. evitamos o “primeiro gole”. Quando se faz isto, a vida se torna mais simples, mais promissora e muitíssima mais feliz.
Qual foi a contagem?
Respondeu SIM quatro vezes ou mais? Em caso positivo, é provável que você tenha um problema sério de bebida, ou poderá tê-lo no futuro.
Por que dizemos isto? Somente porque a experiência de milhões de alcoólicos recuperados nos ensinou algumas verdades básicas a respeito dos sintomas do alcoolismo – e de nós mesmos.
Você é a única pessoa que poderá dizer, com certeza, se deve ou não procurar o A.A. Se a resposta for SIM, teremos satisfação em mostrar-lhe como conseguimos parar de beber. Se ainda não puder admitir que você tem um problema de bebida, não faz mal. Apenas sugerimos que você encare sempre a questão com mentalidade aberta. Se algum dia precisar de ajuda, teremos satisfação em recebê-lo em nossa Irmandade
Estava mais do que comprovado que eu era um alcoólatra, quase todas as perguntas estavam confirmando minha condição, eu respondia SIM em quase a totalidade das perguntas. Não tinha outra coisa a fazer senão tentar no A.A., ver como aqueles companheiros da reunião fizeram para conseguir abandonar a bebida, como seria que eles estavam fazendo quando tinham vontade de beber?, o quê poderia substituir o vazio da bebida?, eram muitas perguntas sem resposta . . . . por enquanto.
Peguei o outro folheto para tentar entender melhor, o título era “Alcoólicos Anônimos em sua comunidade”, o texto dizia:
A Irmandade funciona através de mais 95.000 Grupos locais em mais de 160 países. Vários milhões de alcoólicos têm alcançado a sobriedade em A.A., mas seus membros reconhecem que seu programa não é sempre eficaz com todos os alcoólicos e que alguns necessitam de aconselhamento e tratamento profissional.
A.A. preocupa-se unicamente com a recuperação pessoal e a contínua recuperação individual dos alcoólicos que procuram socorro na Irmandade. O movimento não se dedica à pesquisas sobre o alcoolismo ou ao tratamento médico ou psiquiátrico, e não apóia quaisquer causas – embora os membros de A.A. possam participar como indivíduos.
O movimento adotou a política de “cooperação mas não afiliação” com outras organizações que se dedicam ao problema do alcoolismo.
Alcoólicos Anônimos é auto-suficiente através de seus membros e Grupos, recusando contribuições de fontes externas. Os membros de A.A. preservam seu anonimato pessoal ao nível de imprensa, filmes e outros meios de comunicação.
Como A.A. vê o Alcoolismo?
O alcoolismo é, em nossa opinião, uma doença progressiva – espiritual e emocional (ou mental) tanto quanto física. Os alcoólicos que conhecemos parecem ter perdido o poder para controlar suas doses de bebidas alcoólicas.
Como funciona A.A.?
A.A. pode ser descrito como um método para tratamento de alcoolismo, no qual os membros ajudam-se mutuamente, compartilhando entre si uma enorme gama de experiências semelhantes em sofrimento e recuperação do alcoolismo.
Que são os Grupos de A.A.?
A unidade básica em A.A. é o Grupo local (do bairro ou cidade) que é autônomo, salvo em assuntos que afetem outros Grupos de A.A. ou à Irmandade como um todo. Nenhum Grupo tem poder sobre seus membros.Só nos Estados Unidos e Canadá, se tem conhecimento de que mais de 1.000 Grupos funcionam em hospitais e cerca de 1.900 em instituições correcionais.Os grupos geralmente são democráticos, assistidos por “comitês de serviços” de curtos períodos de mandato. Desta maneira, nenhum Grupo de A.A. tem uma liderança permanente.
Que são Reuniões de A.A.?
Cada Grupo realiza reuniões regulares, nas quais os membros relatam entre si suas experiências – geralmente em relação aos “DOZE PASSOS” sugeridos para a recuperação, e às “DOZE TRADIÇÕES” sugeridas para as relações dentro da Irmandade e com a comunidade de fora.Existem reuniões abertas para qualquer pessoa interessada, e reuniões fechadas somente para alcoólicos.
Quem são os membros de A.A.?
Pessoas que acham que têm problemas com sua maneira de beber são bem vindas para assistir a qualquer reunião de A.A. Elas tornam-se membros simplesmente ao decidir que querem sê-lo.
Membros de A.A. são homens e mulheres provenientes de todos os níveis de vida, desde adolescentes até pessoas com 90 anos de idade, ou mais, de todas as raças, de todos os tipos de afiliações religiosas formais, e mesmo sem nenhuma.
Onde você pode Encontrar A.A.?
Procure por “Alcoólicos Anônimos” na lista telefônica. Nas capitais e nas grandes cidades do Brasil, um Escritório de Serviços Locais de A.A. poderá responder suas perguntas ou colocar você em contato com membros de A.A.
Se A.A. não constar na lista telefônica local, escreva para ESG – Escritório de Serviços Gerais. Caixa Postal 3180. CEP 01060-970, São Paulo – SP
Que é o ESG – Escritório de Serviços Gerais?
Este escritório serve como central nacional de informações. A literatura de A.A. do Brasil é publicada e distribuída pela JUNAAB. O ESG é a secretaria da JUNAAB – Junta de Serviços Gerais de A.A. do Brasil, composta por nove custódios, sendo seis alcoólicos – membros de A.A. e três não alcoólicos – amigos de A.A.
Nem a JUNAAB ou o ESG tem “autoridade” sobre os membros de A.A. ou Grupos. Ambos são responsáveis perante os Grupos e, anualmente, apresentam um relatório à Conferência de Serviços Gerais, que incluem Delegados selecionados pelos Grupos de A.A., dois em cada área (Estado) do Brasil.
O que você pode esperar de A.A.?
1. Os membros de A.A. ajudam qualquer alcoólico que demonstre interesse em ficar sóbrio.
2. Os membros de A.A. podem visitar o alcoólico que deseja ser ajudado – embora eles possam sentir que seja melhor para o alcoólico solicitar tal ajuda antes.
3. Eles podem auxiliar a providenciar uma internação hospitalar. Os escritórios de serviços de A.A. freqüentemente sabem onde existem hospitais para tratamento de alcoolismo, embora A.A. não seja afiliado a qualquer estabelecimento hospitalar.
4. Os membros de A.A. têm satisfação em compartilhar suas experiências com qualquer pessoa interessada, seja em conversações ou em reuniões formais.
O que A.A. não faz?
1. A.A. não recruta membros, ou tenta persuadir alguém se juntar ao A.A.
2. Não mantém registro de seus membros ou de suas histórias.
3. Não se dedica e nem patrocina pesquisas.
4. Não se liga a agências sociais, embora os membros de A.A., Grupos e escritórios de serviços cooperem freqüentemente com elas.
5. Não fiscaliza, nem tenta controlar seus membros.
6. Não faz diagnósticos ou prognósticos médicos ou psicológicos.
7. Não proporciona serviços de enfermagem ou desintoxicação, hospitalização, medicamentos ou qualquer tratamento médico ou psiquiátrico.
8. Não oferece assistência religiosa.
9. Não se dedica à educação ou propaganda a respeito do álcool.
10. Não fornece abrigo, comida, roupas, empregos, dinheiro ou outros serviços de beneficência ou assistência social.
11. Não fornece orientação em questões domésticas ou vocacionais.
12. Não aceita dinheiro em pagamento por seus serviços ou quaisquer contribuições de fontes de fora do A.A.
13. Não emite cartas de referência para juntas de livramento condicional, advogados, tribunais de justiça, agências sociais, empregadores, etc.
NOTA: Um membro de A.A., individualmente, pode fazer algumas dessas coisas, de forma privada e pessoal, mas não como membro de A.A. Muitos profissionais no campo do alcoolismo também são membros de A.A. Seu trabalho profissional, porém, NÃO tem nada a ver com sua condição de membro de A.A. Alcoólicos Anônimos, como tal, não pretende ter competência para realizar serviços profissionais como os relacionados acima.
Alcoólicos Anônimos ® é uma irmandade de homens e mulheres que compartilham suas experiências forças e esperanças, a fim de resolver seu problema comum e ajudar outros a se recuperarem do alcoolismo.
O único requisito para ser membro é o desejo de parar de beber. Para ser membro de A.A. não há necessidade de pagar taxas ou mensalidades; somos auto-suficientes, graças às nossas próprias contribuições.
A.A. não está ligado a nenhuma seita ou religião, nenhum movimento político, nenhuma organização ou instituição; não deseja entrar em qualquer controvérsia; não apóia nem combate quaisquer causas.
Nosso propósito primordial é mantermo-nos sóbrios e ajudar outros alcoólicos a alcançarem a sobriedade.
A história de A.A. está repleta de nomes de não alcoólicos, profissionais e leigos, que se interessaram pelo programa de recuperação de A.A. Milhares de nós devemos nossas vidas a essas pessoas e nossa divida de gratidão não tem limites.
A posição de A.A. no Campo do Alcoolismo.
Alcoólicos Anônimos é uma irmandade mundial de homens e mulheres que se ajudam mutuamente a manter a sobriedade e que se oferecem para compartilhar livremente sua experiência na recuperação com outros que possam ter problemas com seu modo de beber.
Estava tudo batendo, o conteúdo dos folhetos com o que tinha presenciado na reunião do sábado, fazia sentido e não encontrei nenhuma contradição. Reconheço que havia entrado dentro de mim alguma energia “positiva” no momento que levantei o braço e desejei não sofrer mais e ingressar em Alcoólicos Anônimos. Lembrava-me de cada depoimento dos companheiros daquele grupo, eram diferentes, mas pensavam e falavam igual a mim, acreditei que tinha tomado uma boa decisão em querer me juntar a eles, senti-me um pouco mais forte e menos só. Na segunda e terça feiras fiquei sem fazer nada e meditando muito, queria não beber mais, mas pelo menos precisava tomar uma dose, até porque meu corpo se debatia com minha mente, a compulsão física tomava conta de mim e brigava com minha mente que desejava não beber mais, eu queria ser e ter o que aqueles companheiros do grupo tinham. Foi difícil, mas não impossível, na quarta-feira consegui não beber mais uma gota de bebida alcoólica após trinta e um anos consecutivos ingerindo diariamente álcool, passei o dia lendo os folhetos e o livro que o Henrique tinha me dado de presente no sábado anterior quando veio falar comigo em casa. Vi as horas daquela quarta-feira passarem bastante depressa, eu estava conseguindo, mas, e no dia seguinte será que continuaria tudo igual?, lembrei-me daquele cartaz “só por hoje”, bastava no dia seguinte lembrar novamente que seria “só por hoje” e assim sucessivamente cada dia que se passa. As horas iam passando e olhava a ficha simbólica e o cartão de ingresso, no cartão estava impressa a Oração da Serenidade, lia e relia tentando não meramente ler a literatura, mas sentindo profundamente o conteúdo e significado da mesma, desejava ter serenidade para poder terminar o dia sem beber. Durante as refeições da quarta-feira, preferi não tomar nenhuma bebida, bebia fora das refeições e comia muito doce, chupava balas porque a falta de álcool no meu corpo pedia açúcar, precisei mudar alguns hábitos e me sentia diferente, queria ter força para não beber e consegui. A noite na hora de ir dormir eu não estava acreditando o que tinha acontecido, “eu não tinha bebido” e não conseguia dormir de tanta felicidade, dava voltas na cama para pegar no sono, mas a alegria me dava insônia, lembrava-me da minha infância na véspera do Natal quando o Papai Noel iria trazer brinquedos, demorava em dormir por causa da ansiedade. Não fui na reunião do grupo na quarta-feira, mas voltei na de sábado de carona com o Henrique, tive a oportunidade de fazer uso da palavra, queria que todos soubessem que não estava mais bebendo desde a ultima quarta-feira, portanto estava já no meu quarto dia de sobriedade, quando sentei na cadeira para falar minha boca estava muito seca e pastosa por causa dos nervos e meu coração e minhas emoções andavam a mil, disse “meu nome é Xavier e sou um alcoólatra”, normalmente teria direito a fazer uso da palavra dez minutos, mas me limitei a expressar minha alegria por não estar bebendo, não sabia mais o que dizer, não entendia nada sobre o A.A. e após alguns minutos agradeci e desejei muita sobriedade para os companheiros que estavam ali presentes. Ganhei livros de A.A., dava para me dedicar à leitura em casa, pois tinha tempo disponível e a distribuidora de laticínios estava devagar quase parando.
Os companheiros do Grupo de A.A. tinham-me sugerido que de inicio freqüentasse noventa reuniões consecutivas, mas ainda algo reticente e me conhecendo bem, optei por ir somente aos sábados me resguardando como margem de segurança as reuniões das quartas-feiras, pensei que se somente fosse nos sábados e não estivesse me sentindo legal teria a alternativa de ir também nas quartas-feiras, como tinha conseguido parar de beber achei melhor assim, pois se gastasse toda minha munição (quartas-feiras e sábados) e não estivesse bem poderia voltar a beber porque não teria nenhuma outra alternativa. Nas primeiras semanas de sobriedade aproveitei para ler ao máximo diversas literaturas de Alcoólicos Anônimos, nunca gostei de ler em toda minha vida, mas estava tratando de um assunto da mais alta importância, afinal tratava-se de minha própria vida. A leitura dos livros de A.A. era muito fácil de ser lida, as letras eram de bom tamanho, e o texto e linguagem simples de entender, cada vírgula no seu devido lugar, palavras muito fortes e abrangentes, toda a literatura de A.A. é escrita por membros alcoólatras para outros membros alcoólatras, com o coração agradecido daqueles que se salvaram da loucura ou da morte, é para ser “sentida” a não simplesmente lida. Estava muitíssimo feliz por não estar bebendo, nos primeiros meses senti como estava mudando, aos seis meses de sobriedade tinha “desinchado” e emagrecido vinte e três quilos, de manhã quando fazia a barba na frente do espelho estava gostando de ver meu rosto que também mudava semana após semana, aquele modo de viver, meus novos amigos e companheiros, a leitura e a pratica das sugestões propostas por A.A. para viver uma nova vida estavam dando certo para mim, cheguei até mudar os moveis da sala de lugar, sentia no ambiente de casa pequenas mudanças que ocorriam dias após dia.
Fico triste quando vejo inúmeras pessoas chegando ao A.A. e acabam não ficando, querendo e tentando parar de beber e não conseguem, sempre foi assim e sempre o será, o A.A. não é para quem precisa, mas sim para quem quer.
Fui aos poucos sabendo algo mais sobre a Irmandade e pela experiência dos companheiros o que era bom ou não para continuar na caminhada da sobriedade, percebi que quando mais dava de mim mesmo mais recebia em sobriedade contínua, uma entre muitas coisas que dava certo era ajudar a outro alcoólico, participei ativamente em serviços dentro da irmandade espontaneamente e voluntariamente, eu era o principal beneficiado nos diversos serviços, fui muito bem apadrinhado pelo Henrique, até hoje estamos no mesmo grupo, vemo-nos pelo menos duas vezes por semana, andei com ou sem ele durante todos esses anos tentando levar a mensagem àqueles que ainda sofrem e estão envoltos nas malhas do alcoolismo, eu também sou padrinho de outros que chegaram na irmandade depois de mim, infelizmente alguns já faleceram por não ter levado a serio o programa, meus conceitos e valores sobre a vida mudaram radicalmente, pois amando e ajudando a quem precisa me sinto gratificado, a prática da humildade tem sido de máxima importância para modificar meu egoísmo e orgulho. Desde 1994 decidi ser doador de meus órgãos após minha morte, algo que nunca teria pensado em fazer quando bebia, hoje me sinto um privilegiado por estar onde estou e ser quem sou, só por hoje. Uma das coisas que muito me influenciou e atraiu em A.A. foi quando escutava falar os companheiros de um “Poder Superior” tal e como cada um o “concebe”, achei que era convidativo “confiar” em algo ou alguém que pudesse fazer o que durante tanto tempo eu tinha tentado fazer, mas este P.S. (abreviado) não era imposto pela Irmandade, podia ou não acreditar, pois era o assunto de cada um de nós. Achei-o atrativo porque tinha um sentido bem diferente daquele Deus divulgado na maioria das religiões, na minha infância onde eu via Deus como um poder “castigador” do pode ou não pode fazer e dependendo do que fizesse era considerado “pecado”. Esta palavra (P.S.) era bem mais leve e podia ser concebida da maneira que eu quisesse, nunca vi durante toda minha vida alguma religião, organização, associação ou entidade que falasse num Deus ou Poder Superior ou ainda Força Superior, a la carte, e ainda sem estar obrigado a acreditar nele(a). Esta era a proposta do A.A., me oferecer uma serie de ferramentas para não voltar a beber, me modificar e crescer numa nova vida como “outro” individuo totalmente oposto ao que eu tinha sido e vivido durante meus trinta e um anos de ativa do alcoolismo. A partir do momento em que eu não estava mais bebendo, minha mente tinha clareado e podia dar valor a tudo o que estava acontecendo ao meu redor, minhas faculdades mentais faziam com que raciocinasse e falasse racionalmente, bem diferente do passado quando raciocinava anestesiado sob os efeitos do Dr. Álcool. Não estava proibido de voltar a beber, o problema era meu, pois que eu me lembre ninguém nunca me obrigou nem pôs bebida em minha boca, fui eu sempre sozinho quem bebeu porque assim o quis, agora que tinha parado de beber bastava que eu quisesse esticar o braço uns quarenta centímetros e pegar no copo para voltar a beber.
Entre outras literaturas li um poema do Borges que me agradou muito e não poderia deixar de transcrever:
Instantes
Se eu pudesse viver novamente a minha vida, na próxima trataria de cometer mais erros.
Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais.
Seria mais tolo ainda do que tenho sido, na verdade bem poucas coisas levaria a sério.
Correria mais riscos, viajaria mais, contemplaria mais os entardeceres, subiria mais montanhas, nadaria mais rios.
Iria a mais lugares onde nunca fui, tomaria mais sorvete e menos lentilha, teria mais problemas reais e menos problemas imaginários.
Eu fui uma dessas pessoas que viveu sensata e produtivamente cada minuto de sua vida; claro que tive momentos de alegria.
Mas, se pudesse voltar a viver, trataria de ter somente bons momentos.
Porque, se não sabem, disso é feita a vida, só de momentos, não percas o agora.
Eu era um desses que nunca ia a parte alguma sem um termômetro, uma bolsa de água quente, um guarda chuva e um pára-quedas; se voltasse a viver viajaria mais leve.
Se eu pudesse voltar a viver, começaria a andar descalço no começo da primavera e continuaria assim até o fim do outono.
Daria mais voltas na minha rua, contemplaria mais amanheceres e brincaria com mais crianças, se tivesse outra vez uma vida pela frente.
Mas, já viram, tenho 85 anos e sei que estou morrendo.
(Jorge Luiz Borges, argentino, falecido na Suíça em 1987, é considerado um dos maiores escritores do século).
Sem duvida alguma esta poesia dava-me vontade de viver novamente, de apreciar tudo o que me cercava, cheguei as vezes a olhar para praça em frente minha casa desde meu quarto, admirava tudo aquilo que estava vendo, escutando os pássaros cantar, nunca tinha prestado atenção a esse tipo de coisas, percebi a grandiosidade da natureza e o quanto eu era minúsculo.
Continuei firme em minha recuperação, se estava dando certo, porque iria desistir?, não senti mais vontade nem tive compulsão por bebida alcoólica, sabia que se tentasse experimentar se estava curado poderia ser fatal, aprendi em A.A. que a doença somente pode ser detida e não tem cura, é como uma vela que pode ser apagada mas se voltar a acender continua queimando até chegar ao toco, acaba num piscar de olhos e não tem mais volta. Tenho visto vários membros de A.A. recaírem e em pouco tempo voltar ao estagio onde pararam e se afundarem ainda mais até chegar à morte, é por isso que a doença é progressiva, mas o programa de recuperação de A.A. quando praticado e levado a serio permite progredir como individuo tanto quanto o avanço da doença, eu entendo que se deve crescer mais um pouco para ter uma margem de segurança e não ficar no limite em cima do muro tentando equilibrar-se para não cair. Aprendemos e conseguimos a nos relacionar com o mundo externo, temos os mesmos problemas que qualquer um lá fora, mas nossa paz interna permite-nos enfrentar a realidade sem pânico, friamente, buscando sempre solucionar nossos problemas da melhor maneira e com as alternativas que melhor nos convém. A recuperação diária é uma tarefa para toda a vida, há dias em que aparecem problemas de difícil solução, somos postos à prova e parece ser necessário que seja assim, são obstáculos que não aparecem por acaso, pois estamos dispostos a levar alguma experiência positiva de cada problema, tentando sobrepô-lo e crescer em sabedoria e conhecimento.
O A.A. não me da nenhuma garantia que eu fique sóbrio enquanto eu estiver vivo, eu sou o único responsável pela minha sobriedade, o único que pode fazer algo para mim mesmo para “permanecer” sóbrio a cada vinte e quatro horas, A.A. põe as ferramentas à disposição bem na minha frente, no chão, eu preciso abaixar-me para pegá-las. Sei que continuando em A.A. estou com minha turma, são pessoas iguais a mim com um passado diferente, nada a ver, o que nos une é o mesmo problema; permanecer sóbrios porque se bebemos não conseguimos controlar nosso modo de beber, uma vez dentro da sala de reunião somos todos iguais, ninguém é mais nem menos que outro, não há nenhum “chefe” em A.A., aqueles que são servidores de confiança o fazem por um período determinado em forma de rodízio, são escolhidos pelos outros membros para representá-los, mas nunca como chefes. Há na Irmandade todo tipo de pessoas da sociedade, padres, advogados, militares, escritores, artistas, muitas pessoas famosas tanto no plano nacional como internacional, é assim que funciona o A.A., um lugar para quem tem o sincero desejo de abandonar a bebida, e consegue, para isso basta à pessoa “querer”.
Tenho me dedicado durante todos estes anos, em recuperação, ao estudo e prática do programa de A.A., conheci muitas pessoas interessantes, sinto-me bem comigo mesmo e feliz por ter conseguido me tornar alguém sociável, conheço e cumprimento meus vizinhos, e as pessoas do bairro onde moro, vejo até as vezes o padre da paróquia que diga-se de passagem também é um gringo simpático, atualmente, quando volto para minha casa e abro o portão da garagem para estacionar meu carro, minha cachorra pastora belga, a “Lora”, fica me aguardando contente e abanando seu rabo e, quando desço do carro pula sobre mim para brincar, bem diferente que há nove anos atrás quando chegava com meu carro ela corria se esconder para os fundos seu rabo entre as pernas porque me temia, mas, o que será que aconteceu para ela ter mudado tanto?, a resposta é que a cachorra tem o dom de sentir o estado de humor de qualquer pessoa e na realidade ela não mudou absolutamente nada, quem mudou fui eu.
Por outro lado, Augusta continua freqüentando o Grupo de Al-Anon, ela também faz sua parte para viver uma vida melhor, chegamos mutuamente a nos aceitar para um convívio eficaz. Tenho participado uma ou outra vez de reuniões Al-Anon em grupos de outros bairros, minha intenção é escutar o que familiares de alcoólicos tem a dizer no seu dia a dia, isto me dá muito a refletir, pois tenho observado pelos relatos dos membros que tenho muitos defeitos que poderia melhorar.
A prática do programa de A.A. não me faz sentir um “santo”, mas levo agora uma vida normal, participo de festas, casamentos e qualquer tipo de reunião festiva, aqueles que sabem de minha historia e me viram como o “animador” das festas. Ficam admirados com meu comportamento atual, outros que me conheceram já na sobriedade ficam sempre a minha volta conversando sobre assuntos os mais variados possíveis.
No capitulo introdução deste livro agradeço aos reclusos e gostaria de explicar porque, durante estes anos todos estando em serviço em A.A. ou seja, levando a mensagem àqueles que ainda sofrem, seja em palestras, programas de radio, imprensa escrita, e também participando em reuniões de Alcoólicos Anônimos na penitenciaria do Carandiru em São Paulo, tive oportunidade de conhecer membros de A.A. que estavam atrás das grades, lembro-me de ter encontrado um deles numa sala de A.A. na cidade, depois dele ter sido solto após cumprimento da pena, foi uma grande alegria nos encontrar lá fora nesse mundão, a gente se cumprimentou e abraçou. Também me correspondi durante alguns anos com membros de A.A. de língua francesa, a maioria do Canadá, é outra formula de recuperação, pois através das cartas a gente escreve coisas que nem sempre dá vontade de contar no depoimento na sala de reunião “ao vivo” ou “cara a cara”, entre estes correspondentes do Canadá havia um que tinha o dom da arte da pintura, ele me enviou pelos correios um quadro que tinha pintado para mim dentro da prisão, ele está ainda encarcerado e o será até o fim de seus dias porque sua pena a cumprir é perpetua.
A vida continua, meus dois filhos Alain e Xavier agora estão trabalhando na França desde maio de 1999, nunca os influenciei para que fossem trabalhar em Paris, naturalmente as coisas aconteceram assim, quando em 1982 queria a qualquer preço que meus filhos fossem educados e criados em um pais “civilizado” as coisas não se concretizaram do jeito que “eu” queria, la em Lesigny falava sempre com eles em francês e proibia que se falasse o português em casa, parece inacreditável como este “Poder Superior” tem-me mostrado sua força, vejo hoje porque a vida de nossos filhos não nos pertence, podemos guiá-los e explicar o que é o bem ou o mal mas nunca obriga-los que façam as coisas que nós queremos, precisamos muito Augusta e eu trabalhar o “desprendimento” pois o amor de pais costuma ser egoístico de modo exagerado, afinal, tudo o que é difícil na vida é o que nos convém fazer, minha experiência me provou isso. Em agosto de 1999 tive um desentendimento com o Xavier numa conversa telefônica, não me dei bem e transcrevo a seguir o texto da carta que lhe enviei: “Meu querido filho Xavier, recebemos tua última carta que era especialmente dirigida a mim, ficamos todos muito contentes e felizes toda vez que temos notícias suas, eu particularmente lhe agradeço muito por sua carta, ela ficou guardada encima da mesa do computador na espera de ser respondida no momento oportuno, não por falta de tempo, mas porque precisava saber o quê iria responder”.
Fiquei muito emocionado com sua carta, aliás, esta sua viagem é importante para mim justamente porque talvez o azar o levou até os lugares onde eu vivia exatamente quando tinha sua idade. Na verdade pelo fato de você ter viajado a Europa, tal como você menciona em sua carta, sabia que você iria me conhecer e entender um pouco melhor quem eu sou.
Em primeiro lugar, devo lhe pedir desculpas pelo tom que falei com você naquela madrugada de sábado para domingo quando você me ligou na saída de seu serviço, não importa saber ou comentar o porque eu estava alterado, pois simplesmente perdi mais uma vez o total controle sobre mim mesmo, e na verdade após ter falado com você pelo telefone fiquei bem pior, passei o domingo todo na cama, estive praticamente três dias sem me alimentar, depois passou. Foi na terça feira seguinte (após ter recebido sua carta) que pedi à mamãe para lhe ligar por duas razões, a primeira porque ela não havia tido a oportunidade de conversar com você no sábado anterior porque foi até a casa da avó, e em segundo lugar porque eu queria lhe pedir desculpas pois sabia que você poderia não estar bem, assim, como que foi ela quem discou seu número de telefone já pedi para que pedisse desculpas em meu nome sem eu interferir na conversa de vocês dois.
Concordo com você que poderemos conversar sobre minha vida na França na primeira oportunidade que tivermos de fazê-lo, mas posso desde já lhe adiantar algumas coisas sobre mim. Realmente fui muito ambicioso, até o extremo mesmo, de maneira doentia, era minha única razão para viver, ter, possuir e ser o melhor, essas eram minhas principais motivações, mas no fundo de mim mesmo, no meu íntimo, ainda tinha aquela sensibilidade e emoção a flor da pele que foi marcada pela doença do meu pai, totalmente impotente numa cadeira de rodas, de minha mãe lutando sozinha contra tudo e contra todos para sustentar e levar a família adiante, e também pelas desgraças ocorridas aos meus irmãos mais velhos e minha irmã sozinha com várias filhas e enfraquecida para enfrentar a vida.
Resumindo, eu aparentava uma coisa por fora, e era outra por dentro. Sempre gostei de comer e beber bem, como você já sabe, pessoas assim na França são chamadas em "argot" de “fine-gueule”. A comida não me fazia nenhum mal bem ao contrário, mas a bebida que me proporcionava momentos inesquecíveis, não podia imaginar que poderia me afetar ao longo do tempo com o consumo abusivo tal como eu fazia para me sentir aliviado de minhas angústias provocadas por minhas emoções doentias. Aos 27 anos de idade vivia em função dos meus ambiciosos objetivos, mas muito isolado das pessoas, meus relacionamentos eram somente profissionais ou de farra, tinha problemas para me relacionar com as pessoas, tinha minha casa própria desde os 25 anos, passava todo meu tempo livre fazendo reformas e decorando minha casa. Em dezembro de 74 conheci à mamãe, justamente num sábado a noite em Paris, tinha trabalhado o dia todo em casa e um amigo e colega de trabalho o Gérard veio me buscar em casa para sairmos dar umas voltas em Paris, foi esse 12 de dezembro de 74 que conheci à mamãe no "Le Caveau de la Huchette" na Rue de La Huchette no começo perto da rue St. Jacques, este era meu lugar para minhas saídas noturnas, aonde a maioria das vezes acabava de manhãzinha após ter bebido bastante durante a noite toda. Deste dia em diante minha vida mudou e muito, pois você sabe que gosto muito da mamãe, ela preencheu um vazio muito grande que havia dentro de mim. Acho que deste ponto em diante vai ficar para uma próxima vez. Hoje faz exatos três meses que você viajou para França, o tempo passa depressa, eu estou muito feliz por você, tenho tentado trabalhar bastante meu egoísmo, é claro que em nossa casa há um vazio sem sua presença, mas você tem que construir sua vida com bases sólidas, e tenho certeza que irá conseguir, estou torcendo para que seja assim.
Xavier, te amo muito e você sabe disso, que Deus o proteja.
Beijos do seu pai”.