" O sonho é a primeira razão; a segunda: realizá-lo" ÁRIAM RIOS
Costurei uma vida onde pudesse ser maior com retalhos de chita que mamãe deixava cair quando armava vestes para mim e meus irmãos menores...
Costurei-a sobre minha pele com arame e alfinete, sem que o arame percorresse intrinsecamente a carne, mas, tão-somente, a pele... Vi o sangue vazar... Colorir a minha vida outrora cinza e viscosa... Que importa a dor quando se sabe navegar, quando se sabe negar, desistir, reavivar, desmorrer...
Feito, acordei-me a andar... A olhar a vida à frente: as coisas que hão de haver para os outros. Passei em todos os passos e o que vi era só fuligem quase inacabada, mas os outros criam que o que viam era autêntico... Totalmente acabado...
Através de meus olhos, dois botões — um cinza e outro branco (de camisa) —, olhei o sol que nascia por detrás dos montes altíssimos que ninguém via, olhei... e, com meus pés costurados com tergal de bolinhas roxas, andei em direção ao vazio (repleto de tudo); às vezes, é no suplício de ser que a vida se desvenda de nossas máscaras, os montes à minha amplidão que procurei ver, mesmo sendo cego por longos e finitos centenários... Apenas ousar é o maior sentido, a maior lasca refeita em liberdade, a procura de ser construído por partes de si mesmo, metades coloridas de retalhos...
Parei em frente de uma roseira branca de galhos frágeis... Pequenos galhos de folhas minúsculas que nasceram sem que alguém percebesse... Assentei-me no banco de madeira sob a roseira e ao longe vi um moço magro de cor azul fiando no braço direito um primeiro retalho com linha e agulha... Tremia e temia ainda...
Deu três pontos... já conseguia suportar o sangue esvair-se... Cada ponto a mais trazia um brilho, um ofuscar de tecidos coloridos sobrepostos que elevava a vida à outra oculta que não se vê por aqui, que não é sentida por muitos... Só pelos flagelados... Não aqueles, mas este que se renovava à minha frente...
MIRANIL MORAES TAVARES