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Na maioria das vezes sou muito bem representado pelas belas e infinitas – por vezes enigmáticas - possibilidades que aqueles famosos três pontinhos (reticências) engendram em sua arquitetura providencial. Mas devo confessar que , às vezes, algumas coisas me representam com certa precisão.
Por exemplo , a ideia de ser um louco não domesticado (com toda falta de tato e enquadramento social) me apraz.
Talvez a ideia de ser o coração daquele albatroz que faz de cada voo o último 
e que, quando no chão, não passa de um ridículo bufão;
aquele cara que ainda acredita em rosas, baobás e histórias de aviadores todas as vezes que olha para uma noite estrelada;
aquele que se encanta com o balé das luzes dentro de uma tempestade;
aquela nuvem que se parte frente à liberdade do voo;
aquele que acredita que uma gaivota pode sim voar melhor que uma águia.
Talvez me veja naquele olhar absorto que ainda se enternece com cada aurora e que se comove com a singularidade de cada pôr-de-sol que faz o céu sangrar.
Talvez seja aquele cara que se seduz com o canto de um sabiá às 4 da manhã, mesmo porque,no bom manuelês, fui aparelhado para gostar de passarinho;
aquele que se vê dentro de um noturno de Chopin, na inefável construção da saudade, na dor que tantas vezes acorda o lado esquerdo do peito, na lágrima que rasga a alma e que se faz necessária e redentora.
Talvez eu seja o ardor na palma das mãos ao se levantar de mais um tombo;
aquela raposa às avessas que se arrebenta inúmeras vezes tentando alcançar as uvas e que jamais usará de pretexto a impossibilidade física de alcançá-las para desistir;
aquela onda que se doa em sua totalidade mesmo sabendo que irá se desfazer em poucos instantes, a chama que se faz alimento e flerta com os limites de sua própria fugacidade.
Talvez eu seja o néscio, o sem-noção, aquele que ainda luta contra as sem-razões do amor;
aquele que argumentaria contra o “nevermore” de um corvo sem criatividade até o fim dos dias.
Talvez eu seja aquele cara que ainda passa noites em claro velando um sonho alheio;
aquele que jamais saberá estar “meio-grávido” de um sentimento;
aquele que acredita na eloquência silente de um abraço;
aquele que sempre criará escorpiões dentro de bolhas de sabão...
Talvez eu seja aquele cara que acorda às oito da manhã para fazer brigadeiro e que , algumas vezes, erra a grafia do próprio nome.
Talvez...apenas talvez...
P.s. Não gosto de brigadeiro e sempre erro a receita.
P.s.2 Sorte que arquivos do Word não sujam de chocolate, 
já o papel..