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De fato pensar não importa e sentir parece tolo diante das poucas verdades colecionadas ao longo da vida. Não acredito que alguém possa de fato escrever sobre si mesmo, olhar-se de perfil. Já tentou? Vai até o espelho e olhe-se de perfil. Talvez com dois espelhos dispostos em ângulos de 45º, mas isto é sacanagem pois será o perfil do teu reflexo.

Sem brincadeira! Eu trabalho com lógica e recentemente tenho tentado entrar no domínio das coisas subjetivas. A objetividade resumida começa a me cansar devido a sua superficialidade. Prefiro a subjetividade pensada, nua e sem devaneios, mas ainda assim subjetiva.

Olho o que existe ao meu redor e imediatamente fico espantado, pois sei que tudo o que ali existe chega até a minha alma, ou córtex cerebral se preferir, através de cinco sentidos. Tudo o que sei, e tudo o que todos sabem sempre vem através dos mesmos cinco sentidos, até um suposto sexto sentido é um desdobramento desses cinco sentidos.

Tenho vivido da ciência desde a juventude e na ciência encontrei algumas poucas respostas. Olhei para fora com olhos místicos e nada encontrei, pois essa é a essência da mística "mist" (névoa em inglês) na qual nada se vê com clareza.

Busquei então entender a lógica difusa e confusa que permeia as pessoas e parece que existe algo nisso. Ainda não consigo ver, mas espero aprender. Saber distinguir o modo que eu te vejo daquilo que você é.

Sei que parece utópico buscar a compreender outrem, mas o que mais existe para ser compreendido?

A natureza é ridiculamente simples e tudo o que enxergamos no nosso dia a dia pode ser explicado por três pequenas equações desenvolvidas por Isaac Newton e mais um pequeno princípio elaborado por Lavoisier e alguns códigos lingüísticos desenvolvidos por Leibniz e seus antecessores matemáticos.

Sei que você vai dizer alguma coisa sobre a mecânica quântica ou a teoria da relatividade ou a teoria das cordas. Mas o que isso importa? Eu não tenho 2 angstrons e nem viajo a 90% da velocidade da luz.

De fato o que importa é você. E por fim, este é o meu perfil atual, quero saber como são as pessoas, me ver livre dos meus cinco sentidos e sentir com os cinco sentidos de outra pessoa, só assim poderei viajar para outro universo. Só nas outras pessoas existem outros pontos de vista, tão absurdamente distintos dos meus, que talvez meus olhos não reconheçam o universo quando eu olhar para o mundo com os olhos de outros.

Como fazer isso? Você pergunta.

É! De fato é difícil e eu acho que cada um de nós parece meio fadado a olhar o mundo somente pelos seus próprios olhos e sentir somente os cheiros que seus olfatos puderem captar, mas eu tenho um método de trabalho que está apenas começando a se desenvolver. Veja:

Quando eu era muito jovem li Jorge Luiz Borges pela primeira vez e percebi que aqueles olhos cegos enxergavam através de personagens que defendiam seus inimigos. Nunca consegui acreditar que os personagens de Borges não existissem de verdade, sei que são personagens e que talvez sejam apenas a composição de muitas pessoas diferentes, mas eles têm almas e me dizem coisas que só meus melhores amigos puderam rivalizar em momentos preciosos do meu passado.

Sim! É isso mesmo. Posso roubar seus olhos e seus ouvidos e o seu tato. Basta que na minha próxima história eu seja você.

Repare como essa lógica é simples e plausível. Tento acreditar que os personagens das minhas histórias são pessoas de verdade e eu enxergo através de seus olhos. As emoções e pensamentos que saem dos personagens não são meus, são de outras pessoas.

Se eu me esforçar muito, algum dia conseguirei olhar através dos olhos de outra pessoa, basta que no futuro eu leia uma história escrita por mim, e como aconteceu quando eu li "O Aleph", eu duvidarei que o personagem não seja alguém de verdade.

Sacou meu Perfil

É óbvio que eu escrevi um perfil sobre a minha motivação para escrever e que no meu dia a dia as coisas são bem diferentes.

Não! Acho que não são tão diferentes assim. Sou químico e faço avaliações de risco para indústrias e para o governo. Passo a vida escrevendo relatórios enormes e nesses relatórios devo filtrar minha imaginação e me ater somente aos fatos, mas como dizia Witgenstein, a vida é feita de fatos e não de coisas.

Sendo assim, meus relatórios descrevem fatos, verdades no sentido mais completo que eu conseguir.

Quando escrevo verdades sobre a natureza é mais fácil, pois a natureza é simples e responde muito bem às equações, mas no meu trabalho eu devo tratar de riscos e riscos que tem interesse econômico quase sempre envolvem seres humanos e seres humanos são mais complicados, cada um tem sua própria verdade, e as verdades médias ou verdades sociais quase sempre são simplificações grosseiras de uma expectativa que todos nós temos de que em algum lugar e tempo, neste universo exista uma espécie de verdade universal, válida para todos e com a qual todos concordem, esta verdade seria aquilo que chamamos de bem maior ou de Deus.

Meus relatórios buscam a verdade universal em lugares mais prosaicos, tais como os códigos legais, os livros de engenharia ou as normas da ABNT. Lá estão as melhores aproximações que podemos ter das verdades universais. É pouco, eu sei, mas é tudo que nos resta para que possamos nos aproximar uns dos outros.

Sei que existem aqueles que dirão que eu estou esquecendo a Bíblia e a Torá e o Corão e o Bagavad Gitah, mas não dá pra usar esses textos pra avaliar riscos de empresas que não querem que seus reatores contendo cloro explodam. Acho que você vai se sentir bem melhor se souber que eu usei normas da ABNT para avaliar os riscos de um reator que trabalha com um gás tóxico na sua cidade do que se soubesse que eu usei um texto religioso para fazer a mesma coisa.

Aqui neste site, entretanto, posso usar a Bíblia para falar sobre verdades de quem eu quiser, aliás, isso talvez seja plágio. Certa vez eu li um livro do Philip K. Dick chamado "Os sobreviventes". Naquela história, que se passava num futuro distante, um grupo de sobreviventes da queda de uma espaçonave num planeta deserto contava com um único equipamento funcionando, era a máquina de amplificar orações. Isso! Neste futuro distante, a ciência havia provado cabalmente a existência de Deus e tecnologias de amplificação de orações haviam sido desenvolvidas para que todas as pessoas do universo conseguissem sentir a comunhão com Deus. Louco né? - Eu adorei a história e sugiro a sua leitura para todos aqueles que têm a felicidade de ainda não a terem lido.

Se você achou que meu perfil é muito longo.

Tudo bem, eu já estou surpreso que você tenha agüentado até aqui.