Não digas nada!
Nem mesmo a verdade
Há tanta suavidade em nada se dizer
E tudo se entender -
Tudo metade
De sentir e de ver...
Não digas nada
Deixa esquecer
Talvez que amanhã
Em outra paisagem
Digas que foi vã
Toda essa viagem
Até onde quis
Ser quem me agrada...
Mas ali fui feliz
Não digas nada!
Fernando Pessoa
O AUTO-RETRATO
No retrato que me faço
-traço a traço –
Às vezes me pinto nuvem,
Às vezes me pinto árvore...
Às vezes me pinto coisas
De que nem tenho mais lembrança...
Ou coisas que não existem
Mas que um dia existirão...
E, desta lida, em que me busco
-pouco a pouco –
-Minha eterna semelhança.
No final, que restará?
Um desenho de criança...
Corrigido por um louco!
(Mário Quintana)
Autopsicografia
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.