Aqueles óculos escuros não serviam apenas para protegê-la do sol. Escondiam também um profundo abismo em seus olhos.
Eram sinais das trincheiras construídas em sua alma quando seus sentimentos ainda estavam em guerra com a razão. Sua voz tinha a falsa leveza dos corpos celestes e tão misteriosamente como apareceu, sua imagem se desfez em brumas de dúvida.
A história por trás daqueles óculos alimentaria várias páginas de um livro. Mas eu não sabia que em meu trajeto cotidiano encontraria tanta inspiração para escrever. Ao descer daquele
ônibus, decidi olhar para cada pessoa não mais como simples pontos em movimento atravessando meu campo de visão. Decidi
escrever sobre os seres humanos, suas escolhas racionais ou absurdas, suas manias hilárias e suas mais tristes decepções.
Daquele dia em diante, passei a ver dentro de cada cena a poesia escondida em um simples “bom dia”, a razão por trás de viver
“embaixo da ponte” e a origem da “muralha” construída nos semblantes amargurados. Como gotas de mel que mudam o gosto de um amargo remédio, as rimas transformaram as palavras do meu cotidiano. Passei a ver com outros óculos, o inverso do que poderia
ser.
Mário Quintana dizia que ' o poeta quanto mais individual, mais universal'.
Entao compartilho com os leitores a minha visão do 'Cotidiano em Verso.'