Autores

Perfil

Aos cinco anos, comecei os estudos numa escola católica, experimentando uma dupla traição: primeiro porque havia iniciado já no meio do ano, quando as turminhas já estavam formadas, e isso me deixou meio escanteada; segundo – e mais grave – porque ninguém me explicou o que estaríamos todos fazendo ali, quais seriam os objetivos, e, de repente, um coleguinha vaticinou:
- ela vai tomar bomba.
Essa frase marcou a minha vida. Só conhecia bombas de festas juninas, o que não ajudava em nada na compreensão de minha sentença. Passei a observar que, na família das bombinhas, tinha um tal de busca-pé, que se arrastava pelo chão em zig-zag, com fogo no rabo. Talvez fosse ele o meu carrasco. Passei a temer bombas e traques de toda espécie e também festas juninas, fogueiras e até as bandeirolas.
Meu colega tinha razão. Até o fim do ano eu não entendia patavina do que estávamos fazendo naquele prezinho. A bomba em si, não causou dor nem vergonha. Na verdade foi um alívio quando aconteceu. Pôs fim à ansiedade que já durava dois ou três meses. Esse tempo de espera pelo inexorável é que fez um estrago de que nunca pude me libertar. O coleguinha cruel e aquele medo inútil me pregaram uma peça que jamais poderei esquecer.
Passei boa parte de minha infância metida em conventos. Mas, entre freiras e noviças, nunca encontrei uma santa. Então, ao lado da doutrina cristã, da história das cruzadas, da geografia e línguas européias, aprendíamos a ser cúmplices e também os usos da língua propriamente dita, além de outras necessidades de cada fase da infância à adolescência. Assim, não creio que meu ambiente educacional tenha trazido mais prejuízos que os de outras escolas. Meu problema continua a ser aqueles três meses de espera pela bomba. A frustração ao constatar que nada aconteceria e que toda a ansiedade não passou de tolice. E eu ainda teria que repetir o prezinho. Repetir, não, que eu não o havia cursado todo. Percorrê-lo do início ao fim do ano.
Passaram-se os anos e sou uma mulher feita, com relativa experiência de vida. Não danço em festas juninas, mas não me apavoro com elas desde quando compreendi a bomba do prezinho. Tamanha decepção que, ao longo da vida, não tive mais energia para temer novas ameaças. Não tive medo nem mesmo do fogo do inferno ou a Madre Superiora. Fui descuidada na vida sexual, engravidei e me casei com o homem errado. Mas Sempre achei melhor relaxar e deixar correr que me estressar com novas ameaças. Nunca mais fiquei preocupada com bombas que não explodem nem com algumas explosões reais em minha vida. Anestesiei as emoções. Esse é o problema.
Lá pelos 20 anos, descobri que ainda gostava de estórias infantis. Li um sem número delas e perderam a graça. Aí perambulei pelas locadoras e internet a ver todo tipo de pornografia, mas só me interessaram por poucos meses. No tempo da faculdade, comecei a ler contos eróticos de um colega da arquitetura e vi que eram diferentes das fitas que assistia. Eram histórias reais, sem os exageros pornográficos, e pareciam ter acontecido comigo. Desde então, comecei a escrever um pouco de minhas histórias e, confesso, tem me causado um certo receio. Um temor que me tem devolvido um pouco de prazer. Escrever me anima. Desenterra os medos.