Quando era menina, adorava me sentar na taipa do fogão de lenha para ouvir o choro da madeira sendo consumida pelas chamas que bailavam com o vento vindo da chaminé.
Enquanto a madeira se entregava, mergulhava meus pensamentos nas prosas do meu pai com seus amigos após um dia de trabalho.
Eles tinham um jeito simples de falar da vida, suas prosas pareciam poesia ruminada, pensada, calejada.
Vez ou outra eu questionava, por que as plantações deviam ser feitas em determinada lua?
Por que tinham o ritual de beijar as sementes e lhes falar baixinho como se lhes confiassem um segredo antes de entrega-las ao seu destino?
Meu pai não gostava de ser questionado, por essa razão eu não o fazia com frequência.
Até que não resistindo à pergunta feita como súplica, meu pai então respondeu:
Cada colheita tem o tempo de ser planejada e a lua sabe misteriosamente anunciar esse tempo.
Despedimos das sementes que serão plantadas, com gratidão e respeito porque elas sabem que irão morrer para produzir frutos e as beijamos para que a dolorosa despedida dê a elas o desejo de voltarem mais belas, fortes e multiplicadas.
Eu entendi nesta hora o quão sagrado é o ritual da entrega da semente, o quão sagrado é o dom de ser poeta neste celeiro da vida, tocando corações áridos semeando ternura para colher amor.
Entendi que o tempo de espera no silêncio é oportuno, é místico em sua razão de ser.
Eu cresci como as plantações, fui podada com o tempo, dei frutos, os mais belos, dei-lhes nomes Jean Pedro e Marina de Maria, talvez um dia provem o sabor do amor que lhes dedico.
Ando ainda brincando de cozinhar nessa cidade que agora me acolhe, pena que aqui não tenho fogão de lenha e os matutos com suas prosas e as lições que ainda me sirvo