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Houve um tempo que eu temia a escuridão. Aprisionava a louca nos palácios obscuros de mim. Ela cantava, nua, canções de cabaré. Vestido vermelho, flor no cabelo, bailava no vento da fresta dos meus pensamentos. Eu sentia medo de sua vida pulsante, da carne flamejante de um recém nascido quente em um mundo gelado.

Ela é a luz, a escuridão, a polaridade sem controle, a mudança sem aviso. Ela pulsa no meu ventre e chora por não ser ouvida. Ela sou eu. Ela é a parte mais louca de mim. Ela é a atriz, a puta, a artista, aquele modo de ver a vida com cores demasiadamente embotada de tinta.

Abri os palácios da minha mente e a libertei. Ela me fez chorar mostrando por quanto tempo a escondi para ser uma faceta de mim. Ela me abraçou, beijou minha boca profundamente e mordeu a minha língua. Me fez sangrar, tingiu a minha vida de carmim. Eu me perdi para me encontrar.

Como é bom ser eu, irremediavelmente eu. Com minhas luzes e sombras, com meus descontroles, com minha maneira de viver. Com ela aprendi a cantar para ser ouvida e quando tudo falhar, mostrar os seios e girar na sala vazia.

Com ela aprendi a defender o meu tempo, o meu eu, o meu ela, meu elo com uni-verso, meus nós, meus laços com o acaso. Eu tranquei a mãe que escolheu a hora da minha estréia, sem soar os três gongos. Amarrei suas mãos para que não mais me puxe os pés, com as mãos frias. Ela trancada, me liberto.

Danço comigo, fazemos amor com o tempo e mergulhamos no sentimento. Somos inteira: eu e ela. Eu. Estou plena de ser embotada de mim.