Crônica de uma vida
Maria Felomena Souza Espíndola nasceu em Grão-Pará. Mas foi em Rio-Areão, um lugarejo nos arredores de Grão-Pará, onde sua mãe era professora, que viveu grande parte da infância, um tempo de que surgem memórias dos jasmineiros à beira dos caminhos, das laranjeiras rodeando a casa, das flores e do sabor, entre doce e ácido das laranjas-cravo. E nasce, das lembranças, o rio escorrendo nas pedras, uma cantiga de águas em nostalgia. Uma lua muito grande passeando lenta na noite ainda fascina os olhos da menina que dependurou, nos varais do tempo, alegrias e tristezas. São recordações chegando, como um texto de raízes, ancestral.
Em 1950, Ano Santo, a família veio morar em Tubarão. Os pais queriam que os filhos tivessem condições de continuar os estudos. A mãe nascera aqui, voltava às origens. Mas a menina guarda a nostalgia do Rio-Areão: ficou a saudade das laranjeiras em flor, dos milharais apontando espigas, dos agregados “batendo” feijão, do pai colocando melancias amarelas nas tocas de pedra do rio, que “melancia quente do sol ia fazer mal”. E a saudade inspirou, entre outros poemas escritos por Maria Felomena , este que se chama “Uma história que se conta”:
Era uma vez a casa
de assoalho de tábuas
lavada aos sábados.
Era uma vez, na casa,
a sala com a mesa e quatro cadeiras
e a toalha branca
engomada para o domingo.
Era uma vez, na mesa,
o vaso e os jasmins
alongando o perfume da casa
aos perfumes da noite.
Era uma vez a porta da sala.
Era uma vez a escada de dois degraus.
Era uma vez a mãe sentada na escada
contando histórias.
E era uma vez a menina
que ouvia as histórias
e enchia os olhos de lua:
lua-cheia,
lua-minguante,
lua-nova,
lua-crescente.
lua-cheia-nova-minguante-crescente ...
Era uma vez Natal ...
E aqui, em Tubarão, na Rua São Geraldo, também se fez a infância de memórias que deixam saudade: o apito do trem, o cheiro do pão recém-feito para o “café das quatro”, as cantigas de roda no entardecer perfumado do colorido das maravilhas em flor, as cocadinhas enroladas em papel de seda, que a dona Esmeraldina vendia, meninas vestidas de anjo, em pequenas procissões para acompanhar a visita de Nossa Senhora às casas:
“A menina queria ser anjo.
Não deu.
Era desajeitada, diziam.
É que faltava dinheiro para as asas cor-de-rosa ...”
E assim, raízes da terra natal e deslumbramentos da cidade foram compondo um imaginário para a menina que, desde pequena, encontrava sedução em ler e escrever e ia se encantando pelo magistério nas lições da mãe Professora, Dona Beatriz. Os primeiros alunos? Bonequinhos recortados em papel. Brincadeira de escola.
A jornada dos estudos incluiu Primário, Ginásio, Clássico e a Licenciatura em Letras: Português / Francês, pelo Curso de Letras da UNISUL. Depois, pela Universidade Federal de Santa Catarina, concluiu o Mestrado em Literatura Brasileira.
Se a Literatura é uma paixão, o magistério é outra, um sonho que veio vindo da infância. Foi em Lages, no Colégio Santa Rosa, que começou a dar aulas de Português, Literatura e Francês. Isto em março de 1961. E agora, em 2012, a 01 de março, celebrou o aniversário de cinquenta e um de magistério: depois do Santa Rosa, o Colégio Coração de Jesus, em Florianópolis; o Colégio São José, a Escola de Educação Básica Visconde de Mauá, o Colégio Senador Francisco Benjamim Gallotti, a Universidade do Sul de Santa Catarina. E, a cada dia, a cada aula, a consciência de que tudo é de outro jeito a cada momento, e cada nova experiência precisa trazer o esforço da diferença para melhor, em relação ao passado.
Professora e membro da Academia Tubaronense de Letras, Maria Felomena não nasceu em Tubarão, mas é tubaronense de alma e tem um grande sonho: que esta Cidade não perca a sua grandeza de Cidade Azul , a espelhar-se vaidosa nas águas do Rio Tubarão... E que, competente e sábia, a Escola vá abrindo caminhos de Justiça e Paz, sem margens de violência, qualquer que seja a face da violência ...
Maria Felomena Souza Espíndola
03/04/2012