Por circunstança da seca
Um dia eu me vi forçado
A pedir a seu Fonseca
Um emprego de sordado.
Seu Fonseca era sargento
Por leis e por documento
De São José da Bonita,
Cachacêro depravado
Passava o dia socado
No boteco da Mãe Rita.
Quando eu pedi ao sacana
Um emprego de sordado
Ele dise: - Essa semana
Vou falá cum deputado,
Ispricá que a cidade
Istá cum nicissidade
De adquiri um praça.
Se ele dissé que sim
Tu vai trabalhá pra mim
Pra mode eu beber cachaça.
Eu tenho quase certeza
Que ele vai concorda,
Sente ali naquela mesa
Pegue logo a trabalha.
Separa aí as escrita
Das conta lá de Mãe Rita
Pra mode eu ir lá mais tarde.
Que quero vê dessa vez
Se o qu'eu ganhei esse mês
Dá pra pagá a metade.
De meóta de brejêra
Deu um fardo dessa artura,
Parece até brincadeira
Mas não, é verdade pura.
De cerveja e de conhaque
Quase lhe dava um ataque
Quando avistô o paio,
Ainda tinha ôtro feixe
De tira-gosto de peixe
Com caldo de mocotó.
Sei que fiquei trabalhano
Comeno mí com batata,
Passei o resto do ano
Sem recebê uma prata.
Nesse tempo em São José
Home, menino e mulhé
Inclusive também eu,
Não sabia que existia
Carro, quando um certo dia
Um bichiga apareceu.
Quem mulesta é que sabia
O que diabo era automove?
Começô a correria
Ao vere o fó vinte e nove,
Teve véa que mijô-se
Teve ôtra que socô-se
Dentro dum paió de fava,
Foi quando Chico Pantera
Gritô: - É a besta-fera
Que Padim Ciço falava!
Tinha um jumento amarrado
Dibaxo dum pé de figo,
Mas quando viu o danado
Temeu um grande perigo.
Quebrô a corda e correu
Entrô na casa de Abrêu
Danô os peito em Teresa,
Quebrô uns troço que tinha
Foi isbarrá na cozinha
Tremeno imbaxo da mesa.
Maria, irmã de Tonico
Deu um pinote da cama,
Prantô o pé num pinico
Correu vistino um pijama.
Até Mané alejado
Que tinha um pé invergado
E a canela virada,
Se esqueceu qu'era perneta
Dexô o pá de moleta
Saiu doido em disparada.
Gritaro: - Chame o sordado
Quisso é trabái pra puliça!
Eu saí mei assombrado
Mas pra num mostrá priguiça
Dei de garra da bereta
Sapequei na bicha preta
Uns dez tiro, mais á meno.
Nisso ela abriu-se dum lado
E um cabra saiu danado
De dentro dela correno.
Era o pobre do chofé
Que cum medo de morre,
Pulô fora, deu no pé
E o povo sem intendê.
Dissero: - Aquele escapô
Porque a gente salvo.
Chega Antonhe, vamo matá
Essa peste tá cum fome,
Já tinha ingulido um home
lntêro sem mastigá.
E a bicha saiu danada
Sem ninguém pra lhe aprumá,
Subiu logo uma calçada
Saiu derrubano um ba.
Lá na frente ela afobô-se
Virô a banca de doce
Do véio Mané Adelso,
lntrô pro dento da fêra
Saiu em toda carrêra
Virano tudo asavesso.
Aí pegô a chegá
Nego armado de cacete,
Machado, chibanca, pá
Foice, enxada, picarete
Baxaro logo a pancada
Davam cada burduada
Que o chão ficava incarnado,
Nisso o capuz se arrancô
Apareceno o motô
Que ainda tava ligado.
Foi quando Mané Piqueno
Gritô pra Sebastião:
- Tem um troço aqui bateno
Deve sê o coração.
Mete o cacete, menino
Que o coração tá bulino!
Nisso o gás foi derramano
Porque o tanque furô-se,
Aí gritaro: - Danô-se
A bicha tá se mijano!
Sei qu'esse carro ficô
Isbagaçado ao miúdo,
Agora veja o sinhô
O resultado de tudo:
Sabe quem era o chofé
Que correu do labacé?
Era o dito deputado
Que vinha ali no momento
Prepará os documento
Pra mode eu sê contratado.
Depois, sabe o que se deu?
Fonseca foi dispensado,
Mandaro um tal de Irineu
Pra mode sê delegado.
E eu fiquei trabalhano,
Trabalhei uns doze ano
Sem recebê um cruzado.
E só pude sair de lá
Quando acabei de pagá
O carro do deputado.
do Poeta Amazan