QUEIMADAS, OUTUBRO/2014
Desde criança que ouço falar
Das histórias de um valente,
Um homem cuja trajetória
Tá na memória de muita gente.
Peço licença e abro caminho
Para lembrar João de Carminho,
Um grande mito queimadense.
Quem passou da meia idade
Alguma vez já ouviu comentar
Sobre essa figura destemida,
Que virou lenda pelo lugar.
Um homem fora do comum.
Como ele não havia nenhum
Na maneira de se comportar.
João Batista Barbosa nasceu
Nos arredores de Queimadas,
Em um sítio, Riacho do Meio,
Onde sua história foi traçada.
A data, 22 de novembro/1922.
Alguém que se tornaria depois
Uma personagem imortalizada.
Filho de Manoel do Carmo,
Conhecido por Seu Carminho,
E de Dona Sebastiana Ermínia,
Que o criou com muito carinho,
João cresceu num belo recanto,
Desfrutando da vida do campo,
Sendo guiado no bom caminho.
De origem nobre, teve berço,
Sua família tinha propriedades,
Muita terra e cabeças de gado,
Nunca passou por dificuldades.
E assim, crescera desde então,
Ele e mais outros dez irmãos
Vivendo naquela comunidade.
Durante toda a sua infância
Viveu na fazenda dos pais,
E já saindo da adolescência
Descobriu do que era capaz.
Forte igual um boi de arado,
Seu porte físico avantajado
Intimidava quaisquer rivais.
Mesmo jovem já era audaz,
Tinha uma energia ilimitada,
Fora um excelente cavaleiro,
Correndo até em vaquejadas.
Na escola não se saiu mal,
Estudando só o Fundamental,
Numa época ainda atrasada.
Praticante de exercícios físicos,
Sendo estes um tanto puxados,
Fora um popular “marombeiro”
Malhando halteres bem pesados.
A propósito, a casa onde nasceu
Resiste ao tempo como um museu,
Havendo um desses conservado.
Foi justamente seu lado atlético,
Fisiculturista, em especial,
Que o levou para tão distante,
Ausentando-se de sua terra natal.
Viveu assim o jovem aventureiro
Uma temporada no Rio de Janeiro,
Agindo em busca de um ideal.
No antigo Estado da Guanabara
Participou de jogos desportivos,
Representando a Marinha nacional,
Sendo, portanto, um militar efetivo.
Teve contato com pessoas influentes,
Fotografou ao lado de Presidente,
Socialmente, foi bem participativo.
Entretanto, o que lhe atraía
Era a vida na zona rural.
Seu contato com a natureza
Se mostrava algo essencial.
Deslocava-se do sítio à cidade,
Às vezes, por necessidade
Ou por um motivo especial.
De uma personalidade forte,
Jamais mandava dar recados,
Resolvia as coisas pessoalmente,
Fosse sozinho ou desarmado.
Reza a lenda e eu não minto,
Ele enfrentava mais de cinco,
Bastava apenas ser contrariado.
Um homem de mil proezas,
Era realmente destemido,
Não tinha medo de nada,
Enfrentava qualquer perigo.
Respeitado na localidade,
Em nada lembrava um covarde,
Encarando de frente o inimigo.
De fato, João de Carminho
Fora um homem bastante forte,
Pra derrotá-lo num confronto
Tinha que contar com a sorte.
Ao longo de toda a sua vida
Atraiu confusão e muita briga,
Por vezes, escapando da morte.
Não é difícil tentar associá-lo
A Sansão, ou mesmo ao Tarzan,
Ao personagem Tranca Rua
Do poeta regional Amazan.
Embora tivesse um ponto fraco,
A sua relação com o álcool,
Arrependimento das manhãs.
Nos dias atuais alguém diria
Que João seria um ser “bipolar”,
Pois quando começava a beber
Parecia querer se transformar.
Envolvia-se em brigas e lutas,
O que manchava a sua conduta,
Buscando em seguida reparar.
As suas bravuras heróicas
Ultrapassavam as fronteiras,
De Queimadas a Fagundes,
Campina Grande e região inteira.
Nas décadas de 1950 a 1960
Criou pra si uma fama violenta,
Aqui e acolá fazendo besteira.
Era considerado por alguns
Um “play boy”, um desordeiro,
Um causador de confusões
E possivelmente um pistoleiro.
Apesar de que a fama lhe convém,
João nunca assassinou ninguém,
E muito menos por dinheiro.
Possuía domínio de armas
E uma admirável pontaria,
Fosse revólver ou espingarda,
No gatilho ele se garantia.
Vivia, por ocasião, ameaçado,
Quase sempre andava armado,
Fosse à noite ou à luz do dia.
Segundo a própria família,
Ele se invadia por demais
Em conflitos e desordens
Que só tiravam a sua paz.
Respondeu a alguns processos,
Uma das provas do insucesso
E do que a violência traz.
Além de bravo e audacioso,
Não medindo consequências,
Era também muito corajoso
Fazendo uso da prudência.
Um homem de moral e respeito
Que fazia as coisas do seu jeito,
Procurando manter a decência.
De acordo com as pessoas
Que com ele conviveram,
E relembrando alguns “causos”
De outros que já morreram,
João foi um tipo extraordinário,
Seu mito vive no imaginário
Daqueles que o sucederam.
Tinha consideração pelos amigos,
Do humilde ao mais influente,
Para ele não havia distinção,
Era solidário e sempre presente.
Sabia conservar suas amizades
Tanto no campo como na cidade,
Sendo cordial com muita gente.
Seus princípios, no entanto
Ficavam bastante ameaçados,
No que ele “enchia a cara”
E terminava embriagado.
Nessa hora a sua postura
Valia-se da arma na cintura
E de um povo amedrontado.
Nossa alegre Festa de Reis,
Uma tradição na cidade,
Fora palco de arruaças,
Não vou omitir a verdade.
Seguindo pistas de então,
Todas apontam para João,
Mas sem maior gravidade.
Quando ele decidia aprontar
O aviso bem depressa corria,
Muitos preferiam nem arriscar,
Gente que dos festejos desistia.
Um evento tão antigo e anual
Ainda é lembrado na época atual
Pelo que João de Carminho fazia.
Partindo da fazenda a galope
Ele cavalgava em disparada,
Saltava igualmente um jóquei
Ao avistar uma porteira fechada.
Chegando à rua, dirigia-se à festa,
Cruzava a cavalo no meio desta,
A essa altura quase paralisada.
Geralmente passava reto,
Queria apenas provocar,
Mas, se via algum desafeto,
A coisa podia esquentar...
A polícia pouco presente,
Com seu raro contingente,
Mal fazia a lei vigorar.
Impressionante mesmo de ver
Quando a peleja saía no braço,
Socos, empurrões e pontapés
Causando enorme estardalhaço.
Era somente violência, por sorte,
Festa de Reis já lembrava morte,
Uma observação que aqui faço.
Mereceu destaque uma briga
Na qual ele se feriu um bocado,
Ao enfrentar um enorme grupo
Que também saiu machucado.
Duelou, fez o que deu na telha,
Perdeu até parte de sua orelha
Nesse furdunço generalizado.
João tinha um temperamento
Imprevisível até por natureza.
Demonstrava um lado religioso,
Por vezes, dado à delicadeza.
Nunca levava desaforo pra casa,
Porém num ponto se destacava,
Isso ninguém nega, com certeza.
Seu respeito pelas mulheres
Era, por certo, reconhecido,
Sendo cordial e cavalheiro,
Mesmo estando aborrecido.
Algo que pode ser comprovado,
Costume de um tempo passado
Que não deve ser esquecido.
Se possível, comprava até briga
Ao defender a honra de alguém,
Sendo taxado como um fora da lei
E, pelo contrário, fazendo o bem.
Seu senso de justiça era notório,
Embora parecesse contraditório,
Ficando da própria fama refém.
Nem tudo que se refere a João
Consegue ser bem explicado.
Quando sua família não lembra
Algum episódio lá do passado,
O tema pode gerar discordância,
Com argumentos sem confiança,
Tornando um relato equivocado.
E são diversas as histórias
Que surgiram a seu respeito,
Algumas sem muito crédito,
Mentiras pra qualquer efeito.
Gente que gosta de inventar
Procurando tudo aumentar,
A fim de arrancar proveito.
Uma delas, um tanto absurda,
Que gira em torno de seu mito,
Mesmo ouvindo inúmeras vezes,
Até o dia de hoje não acredito.
Relata um João sagaz e violento
Invadindo festas de casamento,
Para azar do convidado aflito.
E o que era até pior, pasmem!
Fazendo papel de cangaceiro,
Onde raptava a recém casada
Deixando o marido em desespero.
Esse e outros boatos parecidos
Sempre foram a ele atribuídos,
Embora não sendo verdadeiros.
Histórias que não procedem
São, no mínimo, incoerentes,
Uma vez que João de Carminho
Fora um homem digno e decente.
Sua reputação e caráter ilibados
Haviam logo de ser lembrados
Quando abusava da aguardente.
Contudo, depois de certa idade,
Devido sua condição de casado,
João se afastou da vida boêmica,
Largando alguns vícios de lado.
Ao final da década de 1960
Toda aquela sua fama violenta
Dera lugar a um esposo dedicado.
Trabalhando com Seu Carminho
Ele passou a dirigir caminhão,
Viajava até o Rio de Janeiro
Dividindo com o pai a direção.
Fazia transporte “pau de arara”
Ao então Estado da Guanabara,
Não demorando nessa profissão.
Fez diversas viagens e fretes,
Mas sempre retornando ao lar.
Possuía agora mulher e filhos,
Obrigações que o fizeram mudar.
Vivia da terra e criação de gado,
Confusões eram coisas do passado,
Ainda que viessem lhe atormentar.
Quem diria que aquele rapaz,
Nascido no sítio Riacho do Meio,
Tornar-se-ia uma lenda capaz
De despertar o medo e receio.
Mesmo agindo de forma natural,
Conseguia impor respeito e moral,
Mostrando assim pro que veio.
No dia 20 de novembro de 1976,
Um sábado como outro qualquer,
A feira em Queimadas já no fim,
João tranquilamente andava a pé.
Seguia em paz, indo comprar pão,
Ao dobrar o primeiro quarteirão
Teve o destino que ninguém quer.
Surpreendido, tomou cinco tiros,
Sequer deu tempo dele reagir,
Saiu cambaleando pela calçada
Com todas as forças a resistir.
Havia caído em uma emboscada,
Em uma tocaia premeditada,
Onde buscaram antes o distrair.
Ainda chegou a ser socorrido
Porém de nada isso adiantou,
Teve sua morte ali decretada
Pelo policial que o alvejou.
E após vinte anos sem solução
Houve julgamento sem punição,
Um crime covarde que expirou.
Logo em seguida à sua morte,
Novos “causos” foram surgindo,
Alimentando um mito e também,
Por tantas vezes, o denegrindo.
Seja como um herói ou bandido,
João jamais será esquecido,
No imaginário resistindo.
Que a verdade possa ser dita
E se espalhe por todo canto:
João de Carminho em vida
Não foi, assim, nenhum santo.
Todavia, tinha suas qualidades.
Quem o conheceu de verdade
Preza a sua honra, eu garanto.
Fica aqui minha homenagem
A este homem que outrora,
Por seus feitos e bravuras,
Deixou seu nome na História.
Portanto, seja em verso ou prosa,
Falar de João Batista Barbosa
É contribuir com a memória.
Paulo Seixas, outubro/2014