AÍ SIM ABANDONO MEU SERTÃO!!!

*“AÍ SIM ABANDONO O MEU SERTÃO!”

“AÍ SIM ABANDONO O MEU SERTÃO!”

(mote e glosa de Carlos Aires)

Quando um dia o pequeno beija-flor

Não fizer mais seu ninho em pé de urtiga

Quando a seca que tanto nos castiga

Outra vez espalhar o seu clamor

Quando o pobre e faminto agricultor

Consumir por carência ou precisão

A semente que para a plantação

Num depósito estava reservada

Pra que veja a família alimentada

Aí sim abandono o meu sertão!

Quando a nuvem cinzenta de poeira

Levantar-se no chão de um pé-de-vento

Quando a cabra, o cavalo e o jumento

Pra viver, não encontre uma maneira

Quando a água daquela cachoeira

Não soar mais nos vales do grotão

Quando o grito estridente do cancão

Não toar mais nos campos da devesa

Nem se ouvir mais o pio da burguesa

Aí sim abandono o meu sertão!

Quando o topo daquela cordilheira

Não tiver mais neblina de manhã

Quando só o lamento d’acauã

For ouvido, e de forma agoureira

Quando as folhas da velha quixabeira

Com o calor excessivo do verão

Cair todas, e ao ver tremer o chão

Com o ardor liberado do sol quente.

Quando ali não tiver mais um vivente

Aí sim abandono o meu sertão!

Quando a vida tornar-se impossível

Quando o gado acabar no campo vasto

A caatinga estiver sem água e pasto

Quando o quadro tornar-se tão terrível

Quando a seca chegar a esse nível

Assolando essa enorme região

Quando eu ver que não tem mais condição

De arranjar suprimentos para a vida

Mesmo estando de alma combalida

Aí sim abandono o meu sertão!

Quando o canto alegre dos nambus

Na baixada de vez for encerrado

Quando o luto invadir todo cercado

Na imagem dos negros urubus

Quando cobras, lagartos, cururus,

Já não mais habitarem meu torrão

As carcaças jogadas pelo chão

Dando um ar de tristeza ao ambiente

E diante essa cena comovente

Aí sim abandono o meu sertão!

Quando o último campônio for embora

Com a família, no fim da madrugada

Na aurora calar-se a passarada

Saberei que afinal chegou a hora

De sair vagueando mundo afora

Amargando a cruel desilusão

Mesmo assim para o céu estendo a mão

Num pedido a Jesus que nos acuda

Ainda espero, se eu ver que nada muda

Aí sim vou embora do sertão!

Carlos Aires

08/11/2013