UM DESPACHO DE MACUMBA!!!
Eu voltava para meu lar
Depois de uma apresentação
Que fiz tentando agradar
O público no palhoção
E até que fiz sucesso
Porém ao dá-se o regresso
Num cruzamento de rua
A luz que tinha era a lua
O poste estava apagado
E ali foi depositado
Um despacho de feitiço
Tão grande, era o desmantelo
Eu vou tentar descrevê-lo
Não sei se consigo isso
Uma cabaça furada
Doze cravos de urubu
A cabeça de um timbu
Numa vareta enfiada
Uma galinha pelada
A corcova de um camelo
Um pacote de cabelo
Amarrado num barbante
Cachaça tinha bastante
Uma cueca rasgada
Uma bainha de espada
De flores eu vi um cacho
Tudo isso no despacho
Na rua de madrugada
Duas rosetas de espora
Um par de botas de couro
Penas do rabo de um louro
E de madeira uma tora
E com o rabo de fora
Estava dentro de um saco
Um filhote de macaco
E perto dele de um lado
Um gato preto amarrado
Numa caixa esburacada
Embaixo uma cobra entocada
Dois cigarros de boró
Tudo isso no catimbó
Que tinha na encruzilhada
Uma farofa amarela
Cheia de azeite e pimenta
Um frasco com água benta
Frutas em uma tigela
Um charuto e uma vela
Uma tacaca um furão
Uns três cavalos do cão
Um calango, um mangangá
Uma raposa um guará
Uma lata de goiabada
Uma camisa listrada
Uma urupema um cortiço
Estavam tudo no feitiço
Do catimbó da estrada
Tinha um galo preto e cego
De óleo todo melado
Uma chave de cadeado
Dois parafusos um prego
Eu tive medo, não nego
Fiquei um pouco assustado
Vi um chifre de veado
Um morcego um busca-pé
Um rosário de catolé
Caixas de fósforo um isqueiro
Também tinha um tabaqueiro
E estava cheio de rapé
De um bode eu vi perdurada
A cabeça num cambito
Tinha um bê-á-bá escrito
Numa folha toda amassada
Um saia velha rasgada
Uma toalha um calção
Uma barra de sabão
Um cururu um preá
Três penas de carcará
Um candeeiro sem gás
E ainda tinha mais
Feijão arroz e presunto
A mortalha de um defunto
Uma cruz e dois castiçais
Mijo de vaca donzela
Numa cuia de cuité
Três dentes de alho e um pé
De cravo numa panela
E dentro de uma gamela
Os restos de uma buchada
Uma carne amarelada
Mal cheirosa dava asco
Um chifre de boi e um casco
De tartaruga marinha
O sangue de uma galinha
Dois passarinhos num espeto
Um prato de feijão preto
E um pacote de farinha
Vi terra de cemitério
Dentro duma bolsa preta
A tampa de uma ancoreta
O disparate era sério
Desse lugar impropério
Eu saí arrepiado
Porém muito encorajado
Lembrei do que mãe dizia
Deus na frente paz na guia
Eu pensei comigo, amém
Quem vive fazendo o bem
Mesmo andando tarde ou cedo
Jamais irá sentir medo
De catimbó de ninguém
Carlos Aires 18/07/2010