NEGRA COR
Sou a certeza da negra dor,
Como alguém revelado de dia,
Pois as noites de negra cor,
Só me lembra querer alforria.
Todos os dias sugerem o odor,
Que me arde, cansado ou triste,
Mas é só a melanina, doutor,
Que traduz minha cara de piche.
Já sofri por séculos ou mais,
Pois alguém se achou realeza,
E não viu sermos todos normais,
Pois somos iguais na natureza.
Todo aquele da pele de ébano,
Sabe todo o desdém da Europa,
E de quem nela se acha romano,
Mas não querem o preto na copa.
E assim criaram dois elevadores,
Ou as casas com portas do fundo,
Pois o preto só serve a senhores,
Como se fossem os servos do mundo.
Só toleram o preto nas cozinhas,
Ou como burros de carga ou sexo,
Mas eu queria ter fada madrinha,
Se ela não fosse algo sem nexo.
De que adianta ter padrinhos,
Se nós continuamos na senzala,
Disfarçada de casa ou ninhos,
Mas na favela que nunca acaba.
Deve um dia todo mundo acordar,
E enxergar que todos têm direito,
A comer e beber ou até procriar,
Sem servir só ao coito perfeito.
Lembro apenas das falas antigas,
Que os brancos usavam os pretos,
Tendo filhos de escravas mandingas,
Ou dos pretos de corpos esbeltos.
Mas depois de fingir libertá-los,
Tirou-lhes casa, escola e o trigo,
Lhes chamaram de pretos coitados,
Dando apenas esmola e castigo.
Hoje estou um pouco mais claro,
Pois eu tive ancestral misturado,
Como um modo de viver e amparo,
Pois aqui, ser o preto é fardo.
Mas eu digo que tenho orgulho,
De saber-me descendente africano,
Pois a vida vem desse mergulho,
Se em África se fez os humanos.