“O SENHOR, teu Deus, circuncidará o teu coração e o coração de tua descendência, para amares o SENHOR, teu Deus, de todo o coração e de toda a tua alma, para que vivas.” (Dt 30: 6)
Um texto de mesmo teor que este, e que inclusive foi citado por Jesus, é o de que o crente deve amar o Senhor de todo o coração, força e entendimento (ou alma). E o resultado disso é: "para que vivas". Não há manifestação da vida eterna em nós e não houver tal tipo de amor.
Ao dizer em Jeremias 9.23,24, que o fiel não deve se gloriar na sua própria força, sabedoria e riquezas, mas em conhecer o Senhor, temos aqui a mesma coisa dita de outra forma. Toda a força, quanto ao esforço que se requer do crente para permanecer no caminho estreito, para conhecer pessoalmente ao Senhor, para que assim possa amá-lo corretamente. Ao lado disso, requer-se todo entendimento e aplicação de alma, para se conhecer em espírito os atributos e caráter de Deus, sem o que o amor também será deficitário. E a referência a todo coração, se aplica aos nossos afetos tanto naturais quanto espirituais, na contemplação amorosa ao Senhor para nossa total dedicação a Ele.
Mas, mesmo depois de muita comunhão com Deus, a alma pode entrar em profundezas, como se vê no caso, expressado por Davi, no Salmo 130.
"1 Das profundezas clamo a ti, SENHOR.
2 Escuta, Senhor, a minha voz; estejam alertas os teus ouvidos às minhas súplicas."
Quando foi capaz de orar assim, ele havia ultrapassado a fase em que a alma sequer tem forças, ânimo, e tranquilidade para achar palavras, a fim de expressar sua condição de sentimento, de que não se encontra movida pelo vigor, alegria e paz que procedem do Senhor e, que por vezes é permitido por Ele que o sintamos por fazer parte do processo de circuncisão do nosso coração, a saber, da nossa santificação, para que tenhamos a plena convicção de que é Ele que tudo opera em nós, e o quanto necessitamos da manifestação da Sua graça em nossa vida, para que tenhamos bom ânimo em todas as aflições e circunstâncias.
Podemos então, nos sentir assim, mesmo sabendo que Ele jamais nos deixará ou abandonará, conforme tem prometido; e que todo o nosso relacionamento com Ele se fundamenta somente na graça, na fé e, em nosso arrependimento, conforme Davi o expressa com as seguintes palavras no mesmo salmo:
"3 Se observares, SENHOR, iniquidades, quem, Senhor, subsistirá?
4 Contigo, porém, está o perdão, para que te temam.
5 Aguardo o SENHOR, a minha alma o aguarda; eu espero na sua palavra." (Sl 130: 3-5)
Realmente, nada podemos fazer para nos sentirmos animados em espírito, e no pleno favor e alegria do Senhor, senão clamar a Ele, pondo a fé em exercício, e aguardar o momento em que nos livrará de nossos abatimentos em que nos sentimos em profundezas das quais, somente o Senhor pode nos livrar.
Os afetos, que naturalmente são os principais servidores e instrumentos do pecado estão comprometidos com Deus, como vemos em Dt 30: 6; mas para isto é necessário, primeiro que o próprio Deus circuncide, ou seja, os purifique, pois a referência a coração em Dt 30: 6 está relacionada aos afetos.
Na nossa santificação, o Espírito Santo trabalha, afeta, e cria em nós um novo santo, princípio espiritual e vital da graça.
Este princípio reside em todas as faculdades de nossa alma, de acordo com o que sua natureza especial é capaz; e isso acontece, na forma de um hábito permanente e predominante que o Espírito Santo nutre, preserva, aumenta e fortalece continuamente usando suprimentos eficazes da graça de Jesus Cristo.
Esses suprimentos dispõem, inclinam e capacitam toda a alma para todas as maneiras, atos, e deveres de santidade pelos quais vivemos para Deus; e eles se opõem, resistem e, finalmente vencem tudo o que é oposto e contrário ao princípio de santidade; isso pertence essencialmente à santidade evangélica - na verdade, a natureza da santidade formal que radicalmente consiste nisso.
É a partir disso que os crentes são designados santos, pois sem isso ninguém é santo, nem pode ser chamado de santo.
Onde quer que esteja, ele renderiza a alma pronta para todos os deveres da santa obediência, e torna todos os deveres da santa obediência fácil para a alma.
(1.) Dá prontidão - removendo e retirando todos aqueles estorvos com que a mente tende a ser obstruída e impedida por eles: pecado, o mundo, preguiça espiritual e incredulidade.
É a isso que somos exortados como nosso dever, Hb 12: 1; Lc 12: 35; 1 Pe 1: 13, 4;1; Ef 6.14.
Nessa remoção o espírito está pronto, embora a carne seja fraca. (Mc 14: 38)
Esses princípios de preguiça e falta de preparação, muitas vezes influenciam parcialmente a mente dos próprios crentes, em relação a grandes indisposições para deveres espirituais.
Uma falta de preparação espiritual para deveres santos, decorrentes do poder da preguiça ou ocasiões da vida, não é pequena parte de seu pecado e problemas. Ambos são removidos por este poder espiritual do princípio da vida e santidade nos crentes. Por isso se impõe a circuncisão do nosso coração por Deus para que o amemos com toda a força, alma e afeto e entendimento.
Daí, ser essencial para tal propósito, que o crente se empenhe na busca da formação do hábito de santidade, pela continuidade em sua consagração ao Senhor no exercício dos deveres espirituais da oração, meditação, e prática da Palavra, porque uma vez adquirido o hábito, os estorvos que se levantam contra a santidade serão bastante enfraquecidos e facilmente vencidos.
1. Isso enfraquece e remove a inclinação da alma das coisas terrenas, então eles não possuirão a mente como possuíam anteriormente, (Cl 3: 2)
2. Dá uma visão da beleza, excelência e glória da santidade, e todos os nossos deveres de obediência.
"Como eu amo a Tua lei!", diz Davi; "meu prazer está nos seus estatutos; eles são mais doces para mim do que o favo de mel."
Onde essas coisas existem - onde a mente está livre das influências poderosas das luxúrias carnais e do amor deste mundo; onde a beleza e excelência da santidade e os deveres de obediência estão claros aos olhos da alma, e onde as afeições se apegam a coisas espirituais conforme ordenado - então, aquela prontidão na obediência para se amar ao Senhor, de que nós falamos, será encontrada.
Isto proporciona facilidade no desempenho de todos os deveres de obediência, e é fácil para quem está acostumado a isto, embora seja difícil em si mesmo.
O que é feito da natureza é feito com facilidade. O princípio da graça, como temos mostrado é uma nova natureza, um hábito infundido com respeito à vida de Deus, ou todos os deveres da santa obediência. De modo que este amor flui da nova natureza renovada e aumenta mais e mais à medida que esta é amadurecida.
Eu admito que haverá oposição aos deveres santos mesmo na mente e no próprio coração - oposição do pecado, de Satanás, e tentações de todos os tipos.
As coisas do mundo colocam à prova o nosso amor, na disponibilidade dos recursos e bens ao nosso alcance, para usá-los bondosa e generosamente no reino de Deus, cuidando das necessidades de outros. (Mt 25: 34-40)
Porque o amor deve ser de fato e de verdade, e não somente de palavras. A disposição e uso das coisas deste mundo, para atender às necessidades de outros é uma prova que, de fato nosso afeto não está ligado a elas.
O nosso desprendimento e aplicação delas comprovam esta verdade, e nisto o nome de Deus é honrado e glorificado, porque provamos que o nosso afeto por Ele é maior do que por qualquer outro bem deste mundo.
Em Lucas 14: 12-14, Jesus nos ensina que devemos ter uma generosidade com desprendimento, não esperando receber nada em troca daqueles aos quais abençoamos com o uso dos nossos bens, porque receberemos na glória a nossa recompensa de Deus, pelo fato de termos demonstrado nosso afeto por Ele, e obediência à Sua vontade, de modo prático.
É por isso que Paulo fala de, a si mesmo se atormentarem com muitas dores aqueles que têm o amor ao dinheiro em si, e não o amor a Deus.
Não é possível amar ao mesmo tempo a Deus e ao dinheiro, porque são afetos que se auto excluem - um não pode existir na presença do outro.
O amor às coisas terrenas nos torna inclinados à carne, e sendo carnais não podemos ter prazer nas coisas espirituais que são de Deus.
A recíproca é também verdadeira, porque quando amamos verdadeiramente a Deus, quando nossos afetos estão voltados para Ele, automaticamente deixamos de estar apegados às coisas que são deste mundo, na multiplicidade de todas as suas formas.
Assim, trabalhe continuamente para a mortificação de todos os seus afetos às coisas deste mundo; eles estão no estado da natureza corrompida, e lhes desviarão sem qualquer consideração, a menos que sejam mortificados pela cruz de Cristo. Qualquer mudança forjada neles, será de nenhuma vantagem para nós. É somente a mortificação das cobiças da carne, que pode nos transportar das coisas terrenas para a glória de Deus.
Consequentemente, é por isso que Paulo nos dá o mandamento de Cl 3: 2, de olharmos não para as coisas que são terrenas, mas para as que são do céu - para isso, nos dá o único modo de se poder fazê-lo, no verso 5:
“Fazei pois, morrer a vossa natureza terrena: prostituição, impureza, paixão lasciva, desejo malígno, e a avareza, que é idolatria”.
Esta mortificação deve ser feita pelo Espírito Santo (Rm 8: 13), com base no sangue e na cruz de Cristo. (Gl 6: 14)
A menos que estas coisas sejam achadas em nós, nenhum de nós pode ter qualquer evidência ou garantia de que não esteja debaixo de um poder irregular, pelo amor predominante a este mundo.