Ah, caríssimo, espero que me escuse o abuso
Temo que não encontrarás nenhum tratado
Nem pretendo responder vossos enigmas
Advirto, continuarás vossas questões
Mas apelo a vossa estima
Permita o deleite dessas confissões
Eu sou um homem de amores
Eis o que melhor me aprouve
Ao sentar-me à beira da cama percebi
Olhando o guarda-roupa eu vi
Pendurados no cabide estão
Os amores pomposos ao centro
Um para cada ocasião
Um para cada evento
Tantos amores
Tantos tormentos
Breves amores de verão
Leves como a noites eles são
Rico amor de carnaval
Louco, escrupuloso, magistral
No canto amores inodoros
Opacos, carnosos
Amores de criança
Amores sem esperança
Noutro canto amores transparentes
Dói mais do que se sente
Escondidos nas gavetas
Amores descrentes
Amores de cabeça
Amores vis
Daqueles que ninguem quis
Nem mesmo eu
Mas como negar?
Estão todos lá
E todos meus
Pra que tanto amar?
Pra que tanto chorar?
Decide o coração parar?
Mas que vejo
De repente, num lampejo?
Acima do armário
Sujo, empoeirado
O amor verdadeiro
Aquele amor companheiro
Um amor talentoso
Que lá estava o tempo todo
Paciente, caridoso
O amor de toda vida
Que do medo me livra
E cumpre a velha sina
Um homem de amores
Assim, em um Homem termina.