Eu na ociosidade
Dei um pequeno vacilo
E embarquei num cochilo
Que me encheu de saudade
Deixei aquela mesmice
Em que vivo, e a meninice
Fui visitar bem risonho
Com muita fugacidade
Sem dar conta na verdade
Que era tão somente um sonho.
De repente entrei num bonde
Sem rumo e sem direção
No transporte da ilusão
Lá vou eu não sei pra onde
Enfrentando desafios
Passei por vales e rios
Parei num lugar formoso
Bem pacato e bem singelo
E esse local tão belo
Era o Sítio Frutuoso.
Retornei à minha terra
Na mais intensa alegria
E aportei onde queria
Bem no pezinho da serra
Adentrei no casarão
Senti aquela emoção.
De quem está regressando
Revi meus pais novamente
Abracei cada parente
Depois saí passeando.
Dei um suspiro profundo
Quando cheguei ao terreiro
Tão feliz e prazenteiro
Gritei é esse o meu mundo
Quando estou aqui sou rico!
Visitei o pé de angico
Passei pelo pé de imbu
Bebi água no barreiro
Revi o velho facheiro
E o pé de mandacaru.
Sentei no alpendre e vi
A carreira de aveloz
E até me falhou a voz
Com a cena que revivi
Além da velha porteira
Vi também quixabeira
E senti grande emoção
Porque foi debaixo dela
Que vivi a infância bela
Brincando com meu irmão.
No sofá eu me virei
E prossegui na sequência
Cheguei na adolescência
Aonde continuei
A luta em que trabalhei
Plantando milho e feijão
Cortando palma e ração
Muito alegre e animado,
Porque vaqueirar o gado
Era a minha profissão.
Corri naquelas campinas
Igual a antigamente
Observei novamente
A serra com as neblinas
Desses remotos perfis
Dos meus tempos juvenis
Trago a lembrança guardada,
E não esqueço o momento
Que eu seguia no jumento
Pra casa da namorada.
No Tamanduá passei
Pra visitar a escolinha
Lá naquela fazendinha
Onde um dia eu estudei
Foi ali que encontrei
A namorada querida,
A junção bem sucedida
Orienta nossos planos
E a mais de cinquenta anos
Dividimos nossa vida.
Voltei as missas de Ameixas,
Da Serra, de Cajazeiras,
Subi aquelas ladeiras
Sem me enfadar e sem queixas
Saudade, porque me deixas
Cabisbaixo e desolado?
Se aqui guardo meu legado
Que são singelas heranças
Só em suaves lembranças
De tão remoto passado.
Assim por mais de uma hora
Passei por esse colosso
Logo depois do almoço
Viajei por meu outrora
A decepção agora
Que deixou-me encabulado
Foi quando vi-me acordado
E notei que essa alegria
Não passou de fantasia
De um sono não planejado.
Levantei-me pensativo
Prossegui com meu destino
E o sonho de ser menino
Se dissipou pelo crivo,
Mas, lembrei-me que estou vivo
E da vida não se lamenta,
Usei dessa ferramenta
Para encarar-me de frente
E mostrar que estou somente
A seis meses dos setenta.
Meu sonho de fantasia
De voltar a meninice
Não passou de uma tolice
De uma quimera vazia
Nesse vai dia e vem dia
Lentamente o tempo avança
Diminuindo a esperança
E aumentando e crendice
Que quem alcança a velhice
Jamais volta a ser criança.
Carlos Aires
07/08/2021