Cansados da escola
É preciso que os governantes e teóricos da educação neste país consigam enxergar o que já é um fato facílimo de ser comprovado: alunos e professores estão cansados da escola. Desde que o ano letivo passou de 180 para 200 dias, por força da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei Federal no 9.394/96), sancionada em 20 de dezembro de 1996, as instituições públicas e privadas dos ensinos Fundamental e Médio estão tendo que inventar ocupações pedagógicas e eventos de toda ordem para darem conta desta exigência, sufocando estudantes, docentes e funcionários.
Nunca se registraram tantas doenças ocupacionais em professores como na última década. Coincidência? Qualquer um que pensa e conhece um pouco da realidade educacional brasileira sabe que não. Os depoimentos de educadores acometidos de estresse e de inúmeras outras doenças são cada vez mais rotineiros. Os médicos são ótimas testemunhas desta triste estatística. Eles podem, inclusive, ser parâmetros para uma pesquisa que se queira séria sobre um problema que terá conseqüências ainda mais desastrosas num futuro próximo.
Quem tem na família ou como amigo algum professor já deve estar acostumado com os males que o afetam de Norte a Sul, de Leste a Oeste. Além de ser educador, tenho vários amigos que também são – parte na rede pública, parte na rede privada e alguns simultaneamente nas duas. Consigo listar pelo menos uns vinte deles, espalhados em Minas, Bahia, Pernambuco, São Paulo, Rio Grande do Norte e Pará. Suas queixas, resultantes do mesmo mal, são variadas: calos nas cordas vocais, pedras nos rins, gastrites, úlceras, enxaquecas constantes, alergias de pele, fobias, síndrome de pânico, etc.
Há muitas outras profissões tão ou mais estressantes, não restam dúvidas, mas bem poucas delas pressupõem uma carga de trabalho a ser cumprida em casa, em dias e horários que deveriam ser para descanso. Se já era sufocante com 180 dias letivos, dá para imaginar com 200. A pressão é tanta que as escolas tiveram que inventar sábados letivos, feriados letivos somente para cumprir tabela. Esta é uma das farsas voltadas exclusivamente para atender às exigências do MEC (Ministério da Educação).
O Governo Federal, desde que entrou em vigor a LDB, tem as estatísticas como vitrine para dizer ao mundo que a educação brasileira está caminhando para os padrões internacionais de primeiro mundo. Mas não é verdade! Não é com um ano letivo extenso que os estudantes vão melhorar seu nível de aprendizagem – até porque as férias têm efeito lúdico e até terapêutico para quem vive cercado desde muito cedo de obrigações. Ter espaços físicos adequados para receber os alunos em dois turnos, ter profissionais bem remunerados para que não precisem trabalhar em várias escolas, investir na formação destes profissionais e cuidar para que a educação não vire um comércio como outro qualquer são alguns dos cuidados básicos para um país que acredita no potencial da educação.
Na Coréia do Sul, por exemplo, um professor do equivalente ao nosso Ensino Fundamental é incentivado a fazer pós-graduação e a se dedicar a uma só escola. Para isso recebe um salário de mais de 10 mil reais por 40 horas semanais de trabalho (vinte delas em sala e a outra metade em planejamento, cursos de reciclagem e atendimento a pais e alunos). Além disso, conta com escolas públicas devidamente equipadas e preparadas para oferecer aos alunos um espaço realmente sedutor.
Embora seja muito difícil reverter no Congresso Nacional o absurdo dos 200 dias letivos, vale a pena os educadores terem coragem de denunciar as conseqüências disso. Como é bom lembrar do meu tempo de estudante, quando tinha quatro meses de férias por ano e sentia saudade da escola!