A palavra como passaporte

Desde que a humanidade dominou a fala e passou a registrá-la, ler e escrever passaram a ser sinônimo de saber, de status social e mesmo de poder político. Noutros tempos o acesso aos livros e ao conhecimento da escrita era destinado a poucos eleitos, que terminavam tendo sobre os demais uma ascendência incontestável.

Passados tantos séculos o que se vê é que poucos são aqueles que têm intimidade com a própria língua a ponto de usá-la com certa propriedade. A cada nova geração a aversão à escrita formal vai se fortalecendo, a ponto de na era da internet se criar um verdadeiro “dialeto” virtual, eficiente na comunicação, mas extremamente pobre em conteúdo.

A verdade é que, infelizmente, é muito comum a existência de tantas pessoas com medo de escrever. Não se trata de uma deficiência observada nos primeiros anos de estudo, ainda na infância, mas de uma quase unanimidade verificada nos últimos anos do Ensino Médio – etapa imediatamente anterior à universidade. A maioria dos vestibulandos vê na redação um verdadeiro bicho-papão, um desafio que não consegue ser vencido com as fórmulas ensinadas em cursinhos, normalmente eficazes em outras disciplinas.

Saber onde começa e como se agrava um problema como esse é um sério desafio para governos, educadores, pesquisadores, pais e, em última instância, para os que precisam aprender a escrever. Não que seja uma regra, mas as pessoas que são incentivadas a ler desde criança, e não perdem este hábito ao longo da vida, têm maior probabilidade de não se intimidar com a escrita.

É claro que nem sempre ler e escrever estão interligados como um exercício prazeroso com a mesma dimensão. Há quem goste de ler e não se interesse em escrever e vice-versa. O que parece ter uma ligação direta é que a falta do primeiro pode dificultar consideravelmente a prática do segundo. E aqui, leitura não é somente de livros, mas de jornais, revistas, textos na internet; e escrever não está associado apenas a redações de escola ou de concursos, mas a cartas, textos literários, e-mails e mesmo conversas em salas de bate-papo.

Na infância, tanto a escola quanto a família têm um papel decisivo no incentivo aos dois. Há pesquisas que demonstram que pais que lêem para seus filhos ainda pequenos aumentam consideravelmente a chance de que eles se interessem em continuar lendo tão logo sejam alfabetizados. Nesta fase os presentes devem se revezar entre brinquedos e livros, principalmente para que estes últimos não sejam vinculados aos nem sempre sedutores livros didáticos.

Em casa, leitura e lazer devem ter, sempre que possível, uma ligação. O ato de escrever, no contexto familiar, pode nascer com uma troca lúdica de bilhetes cotidianos entre pais e filhos ou com o incentivo ao hábito de se escrever em diários, que também podem ser ótimos presentes.

O medo de escrever vem sempre misturado com aquela vergonha de se passar por um julgamento e ser considerado inferior. Talvez uma sociedade como a nossa pouco possa julgar alguém neste sentido, já que a maioria esmagadora é afetada por tal problema. Mas os vestibulares da vida não perdoam e fazem da redação uma peneira decisiva em seu processo seletivo.

É correto pensar que vencer essa batalha não é uma tarefa nada fácil. Afinal, não dá para chutar escrevendo. No entanto, mais difícil ainda é adiá-la para sabe-se lá quando. Aprende-se com os erros, eis o princípio. Somente escrevendo e lendo muito é possível encontrar a facilidade que normalmente se deseja num passe de mágica.

Roberto Darte
Enviado por Roberto Darte em 20/05/2008
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