Dinamite chamada ira
Num futuro não muito distante (se a humanidade tiver este privilégio) os historiadores que vasculharem o fim do século 20 e o início deste novo milênio vão ter um vasto material para inúmeras teses sobre a banalidade da violência. São tantas as notícias cotidianas de homicídios, suicídios, acidentes de trânsito, guerras civis, desrespeitos aos direitos dos cidadãos que temos a sensação de que estão queimadas todas as luzes do fim do túnel.
Praticamente todas as pessoas deste planeta vivem amedrontadas ou com os nervos à flor da pele. Considerada um dos sete pecados capitais, a ira tem se alojado logo abaixo da superfície de cada um, pronta para emergir. Os desentendimentos pessoais e sociais são como dinamites de pavio curto, prontas para serem detonadas. As explosões e os estragos causados por elas são apenas uma questão de tempo. Evitá-las passou a ser o grande desafio.
Quem já assistiu aos filmes “Tempo de Violência” (Pulp Ficcion) e “Um Dia de Fúria” pôde encontrar mais do que uma mera apologia aos atos violentos. Neles, a violência é captada da forma mais cotidiana e seca possível, com histórias verossímeis que refletem bem o que acontece na sociedade norte-americana, mas que são passíveis de ocorrer atualmente em qualquer canto do mundo.
Para as pessoas que optam pelo caminho inverso a isso a dor é sempre maior, pois nada consegue ter sentido e viver em sociedade é um constante obstáculo. O único antídoto para tornar a vida mais amena é a busca individual de uma espiritualidade que aponte um equilíbrio constante entre o que se é, o que se quer e o que se pode realmente ter.
Os que conseguem enxergar com mais clareza as entrelinhas da nossa trajetória passada e presente têm, ao menos, a possibilidade de escolher certos caminhos, o modo mais adequado de vida e as companhias mais agradáveis para se conviver. O problema mesmo é conseguir forças para tentar fazer algo mais que reflita no coletivo. Afinal, ninguém consegue se isolar ao ponto de estar imune às consequências sociais do que faz.
Nunca é repetitivo demais afirmar que praticamente tudo o que acontece ao nosso redor reflete nossas pequenas ações em casa, no trabalho, na rua, na escola e em todos os outros locais de convívio em grupo. Não dá para negar que o que foi artificialmente construído teve necessariamente as mãos e mente do ser humano. Então, é lógico afirmar que toda a destruição advinda direta ou indiretamente disto também tenha seu toque.
Querer controlar esse poder de destruição passa essencialmente pelo controle da ira. O problema aí reside no fato de que nem sempre é possível manter “a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo”, como sugeriu o cantor e compositor paulista Walter Franco na música Coração Tranquilo. Às vezes os detonadores deste sentimento corrosivo estão nas mãos de quem carrega a bandeira da intolerância, da prepotência e do autoritarismo. Estarmos longe de gente assim aumenta a probabilidade de controlarmos nossos impulsos irascíveis.