Destino de lagarta

Que sentido pode ter a vida se a encararmos apenas como o meio do caminho do nada para lugar nenhum? Para a maioria esmagadora dos mortais a pior angústia que se pode ter é sentir a própria existência como algo plantado entre dois precipícios. Ou como uma grande incógnita entremeada por duas interrogações maiores ainda.

Assim somos nós: seres que não sabem de onde vieram e, muito menos, para onde irão depois que a sua última chama se apagar. Exatamente por isso a morte assusta tanto. Ela aponta o fim da única referência concreta de vida e não dá a menor pista do que vem depois. Somente os que têm religiosidade e acreditam na imortalidade do espírito são capazes de encará-la com uma certa naturalidade.

O Dia de Finados foi criado para que os vivos pudessem homenagear os mortos e trazer à memória os entes queridos que já se foram. Há cerca de quatro anos e meio, quando perdi uma das pessoas mais importantes da minha vida – meu pai, eu pude vislumbrar melhor a dimensão da morte. Se antes ela me despertava curiosidade e me fazia questionar o sentido da minha própria existência, acompanhar de perto a partida de quem me deu a vida me fez vê-la com ainda mais reverência.

Estando ali ao lado do meu pai momentos depois de ter se esvaído o último sopro de vida do seu corpo, eu tive uma nítida sensação de que ele continuava existindo. No início da madrugada de 9 de outubro de 2003, a profunda tristeza pela sua partida me invadiu, ao mesmo tempo que um misto de paz e confiança na engrenagem divina que a tudo move. Na maioria das vezes em que sonhei com meu pai depois desta data eu tive a consciência da sua morte, mas, simultaneamente, o senti vivo em espírito. Algo um tanto difícil de explicar, ainda mais não sendo espírita nem tendo uma religião formal.

Há algum tempo, lendo um texto místico que me chegou “por acaso” via internet, encontrei uma abordagem bem interessante sobre o assunto. O seu autor (desconhecido) ressalta que um dos maiores mistérios da vida – a morte – pode ser desvendado na natureza. Ele faz um convite para que observemos com atenção o desenrolar da metamorfose que transforma uma lagarta em borboleta.

Nela é possível encontrar um paralelo com o drama da vida humana, sua transição e renascimento; uma espécie de símbolo vivo de que não há morte, mas apenas a passagem de um estado de consciência para outro, mais elevado. O texto vai mais além e menciona que há concentrado no corpo da lagarta um fenômeno de difícil explicação para o homem: o poder do renascimento ou ressurreição.

“Observando a lagarta se arrastando entre as ervas, um conceito novo de seu padrão nos é revelado. Ela sente fome, reage ao calor e ao frio, manifesta medo e evita a interferência humana, se nos aproximarmos dela. Suas reações básicas não são diferentes daqueles inerentes aos homens. Ela tem consciência de suas próprias necessidades físicas, de seu bem ou mal-estar. Seu alcance visual não é maior do que alguns centímetros. Seu mundo é feito de terra, pedras e folhagem. Seu impulso incontrolável é o apetite insaciável. Nada mais existe para a lagarta, com esse limitado alcance de sua consciência”, descreve o autor.

Em seguida ele arremata seu raciocínio com a seguinte suposição: “se pudéssemos nos comunicar com uma lagarta e disséssemos que um dia ela voaria num mundo de luz e lindas flores, jamais voltando a se arrastar na terra sobre as pedras; e que além dessas coisas, para um mundo diferente, nunca visto, ela migraria como uma gloriosa criatura alada... A provável reação da lagarta seria nos chamar de loucos. Essa observação não seria muito diferente da que faz hoje uma expressiva parcela da população quando a ela se fala da vida após a morte”.

Se, pela ótica da fé, pudermos acreditar que somos lagartas com o mesmo destino, viveremos com intensidade o que nos cabe viver e saberemos que, depois da morte, ganharemos asas para voar numa explosão de cores.

Roberto Darte
Enviado por Roberto Darte em 19/05/2008
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