Demolindo os ídolos
Ter ídolos na infância parece ser algo tão normal que dá até para acreditar que eles sejam mesmo necessários no processo de afirmação do indivíduo. Lembro-me com nitidez as vezes em que, em meio às peladas de futebol no campinho ou no meio da rua, nós mesmos nos chamávamos pelos nomes dos nossos ídolos neste esporte. Quando alguém dizia em voz alta que era Zico, por exemplo, é como se um pouco do valor e prestígio daquele grande craque do Flamengo e da Seleção Brasileira pudesse ser apropriado e encarnado.
Ser criança é escolher o super-herói preferido (mesmo sabendo que ele é apenas ficção), é ter ídolos na música, no esporte, na TV. Idolatrar, neste sentido, é tentar encontrar um modelo a ser seguido, sem parâmetros reais, palpáveis. Até os próprios pais, que estão ali tão próximos, de carne e osso e cheios de defeitos, podem ser vistos como ídolos. Na infância, tê-los é tão natural como colecionar figurinhas, selos, gibis e uma infinidade de outras ocupações que desaparecerão com a chegada das primeiras espinhas no rosto.
A permanência da idolatria na adolescência e a sua continuidade na vida adulta é que são motivos de preocupação. Um adolescente, por mais que ainda tenha dúvidas sobre muitos assuntos relacionados com o seu passado, presente e futuro, sabe discernir o que é certo e o que é errado, o que é escasso e o que é excesso... Se opta por um ou por outro é, antes de tudo, uma decisão de “tribo”, ou seja, para se enquadrar ao comportamento da sua geração ou simplesmente da sua turma de amigos.
O problema em se ter ídolos nesta fase é que normalmente os adolescentes os vêem sem defeitos e os tomam como um todo. Por exemplo, tende-se a copiar tudo do artista preferido, mesmo que ele seja uma pessoa fútil, mal educada e esnobe. Cazuza, que se tornou ídolo de uma geração de adolescentes dos anos 80 (meu, inclusive!) e teve a sua história contada no cinema, não pode ser admirado por tudo que fez. Ele compôs ótimas letras de música, ajudou a consolidar o rock nacional ao lado da banda Barão Vermelho e em carreira solo, mas não muito além disso. Já a sua vida privada, totalmente desregrada e marcada essencialmente pelos excessos que o fizeram morrer de Aids aos 32 anos, não tem nada que mereça ser copiado.
O mesmo vale para Ronaldo, que grande parte da mídia insiste em chamar com o ridículo apelido de “Fenômeno”. Ele é apenas um profissional que tem uma qualidade acima da média, assim como existe em todas as outras modalidades esportivas e nas demais profissões. Merece ter seu talento reconhecido e mesmo ser fonte de inspiração para quem queira ser um bom jogador de futebol. Mas daí copiar seu jeito de se vestir, de cortar o cabelo ou de se comportar já é procurar chifre em cabeça de cavalo.
Há alguns anos vi um mito vir abaixo simplesmente por ele ter se mostrado como qualquer pessoa, com suas imperfeições peculiares. Uma amiga de infância da Bahia me contou que estava numa praia, em Salvador, e encontrou Caetano Veloso, que fazia uma caminhada. Vale ressaltar que esta amiga sempre o teve como ídolo desde a adolescência, seja copiando todas as suas músicas num caderno e guardando as fotos e reportagens que saíam dele, seja comprando todos os seus discos e o defendendo com veemência sempre que era atacado por alguém. Aos 33 anos, quando pôde estar frente a frente com o cantor e pediu a ele um simples abraço, ouviu um seco e sonoro “não”.
O ser humano não precisa de ídolos, e quem diz o contrário é porque ainda não encontrou em si mesmo o melhor porto seguro. Somos defeituosos e ninguém escapa disso! Estamos todos no mesmo barco, precisando encontrar sentido para nossas vidas, sendo famosos ou figurando entre os milhões de anônimos que perambulam pelo planeta. A única fonte inesgotável de inspiração vem do plano espiritual, e é divina.